Nise Yamaguchi nega na CPI existência de gabinete paralelo sobre covid

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A médica Nise Hitomi Yamaguchi. (Foto: Jane de Araújo / Agência Senado)

São Paulo – A médica oncologista Nise Yamaguchi disse desconhecer a existência de um grupo paralelo ao das autoridades do Ministério da Saúde que aconselharia o presidente Jair Bolsonaro sobre como lidar com a pandemia de covid-19.

“Eu desconheço gabinete paralelo e muito menos quem integre. Sou colaboradora eventual e participo junto com ministros de saúde, participo como médica, cientista, chamada para opinar em comissões técnicas, em reuniões governamentais, reuniões específicas com o Ministério da Saúde”, disse ela à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que apura erros e omissões do governo no combate à pandemia.

“Não participo de nenhum gabinete paralelo. Entendo que governo é um só. As conversas ocorrem com parte técnica do Ministério da Saúde, com os técnicos”, disse ela, acrescentando que teve poucos encontros com o presidente Jair Bolsonaro e que nunca discutiu questões relacionadas à imunidade de rebanho ou vacinas contra a covid-19 com ele.

Segundo a médica, ela esteve com Bolsonaro quatro vezes, e em nenhuma deles esteve sozinha com o presidente. Em uma delas, conversou com Bolsonaro sobre o uso de medicamentos para o tratamento da covid-19.

“Eu já tinha essa informação prévia, e ele me falou que existia, nesta reunião. Foi uma oportunidade em que a gente conversou sobre o momento em que estávamos passando, foi momento inicial. Expliquei que precisávamos de dados científicos, por isso ia conversar com o Conselho Federal de Medicina para validar a possibilidade de o paciente de receber medicamento e de o médico prescrever”, afirmou.

BULA DA CLOROQUINA

Yamaguchi foi chamada à CPI porque em depoimentos anteriores – em particular o do ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta e o do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres – houve menções à participação dela em uma reunião para discutir a inclusão, via decreto, de recomendação da cloroquina para tratamento da covid-19 no tratamento da doença.

A médica confirmou que participou desta reunião com Mandetta e Barra Torres em 6 de abril do ano passado como convidada de um comitê de crise interministerial presidido pelo então ministro da Casa Civil, Braga Netto. “Eu fui uma colaboradora eventual. Eu fui convidada”, disse ela.

Yamaguchi acrescentou que, como o comitê interministerial era um órgão oficial, isso descaracterizaria a hipótese de existência de um gabinete paralelo de assessoramento ao presidente Jair Bolsonaro a respeito da covid-19.

Ela negou que durante o encontro tenha sido discutida a mudança da bula da cloroquina via decreto. “Não houve tentativa de decreto sobre bula”, disse ela à CPI, ao ser questionada pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre o assunto. Ela também negou responsabilidade sobre a minuta de um eventual decreto para alterar a bula da cloroquina.

Segundo ela, o documento que estava sendo discutido na reunião era um “rascunho de como poderia ser disponibilizada uma medicação que estava em falta. A dispensação de medicamento de acordo com consentimento livre esclarecido [do paciente] e notificação no site da Anvisa”, afirmou. “Não tem nada a ver com bula”.

CONTRADIÇÕES

Mais à frente na sessão, quando questionada pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Nise mudou o discurso a respeito da frequência dos contatos com Bolsonaro e do grau de conhecimento que tinha a respeito da tentativa de usar a cloroquina no combate à covid-19.

Ela disse que, na parte inicial de seu depoimento, a menção que fez aos poucos encontros com Bolsonaro referiam-se à “situação pública”, mas que na “situação médica” tinha contato mais próximo com o presidente, chegando inclusive a telefonar para os médicos do chefe do Executivo para saber de detalhes de seu tratamento quando ele contraiu covid-19.

“A questão do zinco, azitromicina. Acionei médico da Presidência para saber se ele poderia estar tomando estas medicações. Uma coisa médica. Uma vez também acompanhei a parte médica”, disse ela. Ao ser questionada se era médica de Bolsonaro, ela negou. “Foi uma relação com o médico que ele tem . Ele tem médicos diretamente. Foi somente isso que aconteceu”, afirmou.

Ela também indicou que conversou “diversas vezes” com o presidente, mas negou que tenha sido sondada diretamente por Bolsonaro para assumir o Ministério da Saúde. “Se o senhor pode dizer que [o contato] é frequente frente a estas questões, sim. Com relação a uma frequência física, pessoal, de contatos, não. Tanto é que ele nunca me perguntou [se queria ser ministra]”, afirmou, ao ser questionada se tinha contato recorrente com o presidente.

A médica também disse ter conhecimento sobre a ideia de um decreto para ampliar o uso da cloroquina no tratamento da covid-19 depois de ser questionada sobre o motivo de ter, no documento entregue à comissão da covid-19, feito ressalva sobre o uso de um decreto para fazer isso. No documento, ela diz que este tipo de iniciativa “exporia muito o presidente”.

VEJA AQUI O DOCUMENTO MENCIONADO POR YAMAGUCHI

Ao longo do depoimento, alguns senadores apontaram que Yamaguchi teria se reunido mais vezes com o presidente Bolsonaro do que as que efetivamente mencionou em seu depoimento, e a médica disse que passaria à CPI as informações sobre todas as reuniões que fossem requeridas.

CONVOCAÇÃO

A reconvocação de Yamaguchi chegou a ser cogitada pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), após declarações anteriores sobre a vacinação contra a covid.

Durante a audiência, o relator da CPI, Renan Calheiros, exibiu um vídeo em que Yamaguchi dizia que “não é necessário vacinar aleatoriamente uma população inteira” e afirmar que está é a única saída para sanar o problema da covid-19. O contexto do comentário era uma defesa que a médica fazia do chamado tratamento precoce da covid-19.

Questionada se ainda defendia o mesmo ponto de vista, ela disse que sim porque uma coisa é o tratamento contra a doença, e outra é a vacinação, e que “não se deve dizer que [vacina] é a única saída”. Aziz criticou a médica e disse que ela seria convocada novamente a depor, desta vez como testemunha.

“Você disse que não precisa vacinar aleatoriamente. Tem que vacinar todos os brasileiros. Não escute o que ela está dizendo. Todos os brasileiros precisam de duas vacinas, essa CPI foi criada para isso, para quem perdeu parente, para quem perdeu irmão, pai, mãe. Essa voz calma convence as pessoas que estão nos vendo. Não acreditem nela. Tem que vacinar, a vacina salva, tratamento precoce não salva”, afirmou.

Em seguida, chegou-se a cogitar a votação da convocação da médica imediatamente, mas houve confusão entre os senadores e Yamaguchi pediu um intervalo. Na volta dela, os senadores já haviam desistido da reconvocação.