Bolsa fecha em queda com preocupações fiscais e corporativas, à espera da Super Quarta; Dólar sobe

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São Paulo – A Bolsa encerrou em baixa nesta sexta-feira com investidores realizando lucros enquanto esperam pelas decisões de política monetária dos bancos centrais na próxima semana, em especial na Super Quarta, que terá a decisão do Federal Reserve (o banco central norte-americano) em relação ao ritmo da elevação dos juros.

O mercado também incorpora estimativas mais pessimistas em relação a perspectiva de lucros das companhias, gerada por incertezas fiscais e em relação ao novo comando da Petrobras e aos impactos do rombo contábil da Americanas. Preocupações com o cenário fiscal por falas de Lula ao longo da semana também elevam a aversão a risco dos investidores.

O principal índice da B3 caiu 1,63%, aos 112.316,16 pontos. O Ibovespa futuro com vencimento em fevereiro recuou 1,59%, aos 112.870 pontos. O giro financeiro foi de R$ 17,8 bilhões. Em Nova York, as bolsas fecharam em alta.

O mercado aguarda, na próxima quarta-feira, os anúncios do ritmo de elevação das taxas básicas de juros e os próximos aumentos. Todas as atenções estarão voltadas para as análise de curto e médio prazo dos dirigentes das instituições, para saber se eles preveem o nível de recessão econômica nas economias mundiais.

A maior expectativa é em relação ao anúncio do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), na quarta-feira, cujo aumento deverá ficar em 0,25%, na próxima quarta-feira. No mesmo dia, aqui no Brasil, o Comitê de Política Monetária do Banco Central anuncia a taxa Selic. E na quinta, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco da Inglaterra (BoE) também anunciam que devem subir a taxa de juros em 0,50%.

As ações de maior peso – bancos, Petrobras, Vale – caíram mais de 1% e levaram o índice para baixo. Os papéis da Vale recuaram 2,73% após semana com decisões judiciais desfavoráveis à companhia devido aos crimes provocados pelo rompimento de barragens em Minas Gerais.

Pela manhã, os investidores acompanharam a divulgação dos dados de inflação nos Estados Unidos, que vieram dentro do esperado mas não surpreenderam positivamente e mantiveram o clima de aversão ao risco.

Alguns agentes também viram problemas nas falas do presidente Lula, em reunião com governadores para debater a reposição das perdas de arrecadação do ICMS, em que disse que os bancos públicos, especialmente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), deverão apoiar os Estados em obras públicas. Os Estados acumulam perdas de mais de R$ 33 bilhões em arrecadação com a redução das alíquotas de ICMS para combustíveis, energia, comunicações e transporte.

Além disso, o mau humor da véspera com a confirmação de Jean Paul Prates na presidência da Petrobras contaminou a sessão desta sexta-feira, com investidores pessimistas em relação a gestão que será adotada pelo ex-senador em relação à politica de preços e ao pagamento de dividendos. A queda do petróleo também influenciou as quedas de 2,21% e 2,26% das das ações PETR3 e PETR4.

Em relação à Americanas, a agência de rating Moody’s divulgou relatório citando que os bancos correspondem a R$ 29 bilhões da dívida total de R$ 41 bilhões da varejista em seu processo de recuperação judicial, que deve levar os bancos a necessidades de provisionamento significativas e enfraquecerá os resultados dessas instituições no quarto trimestre de 2022 e no primeiro trimestre de 2023, além de representar um fator negativo para o perfil de crédito deles.

Apolo Duarte, sócio e head da mesa de renda variável da AVG Capital, lembra que o dia começou com bolsas de lado nos EUA, à espera de dados importantes como confiança do consumidor e PCE. “Após essa divulgação de dados, vimos que bolsa americana mostrou leve alta. Números vieram em linha com o esperado e, como não trouxeram indicativos de alta da inflação, foi uma boa notícia e reforçou o aumento de 25 p.p na taxa de juros pelo FED na semana que vem. Então, mercado americano em alta e petróleo em queda. Ainda é feriado na China, então não temos cotação de minério.”

Já no Brasil, Duarte destaca que o cenário foi diferente, com um movimento de queda muito relacionado com a volta de uma preocupação fiscal e possibilidade de a União compensar estados por perda de arrecadação com ICMS, somado à fala do presidente sobre possibilidade de uso do BNDES e Banco do Nordeste como compensação para alguns governadores. “Com isso, vimos a curva de juros subindo em todos os vértices hoje, além de movimento de realização em diversos setores.”

O papel da Magazine Luiza foi a maior alta do Ibovespa (+5,84%), mostrando persistência com grande fluxo, principalmente após o escândalo com Americanas, assim como Mercado Livre. “Bancos também caem em movimento de realização de lucros. O petróleo em queda também influencia na queda da Petrobras hoje. Deu pra ver um movimento maior de realização hoje por conta das questões fiscais. Isso acabou trigando uma realização de lucros, inclusive na Vale”, disse o head da AVG Capital.

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, diz que o desempenho negativo do Ibovespa reflete um acumulado de pontos negativos do governo durante a semana, citando a visita de Lula à Argentina, as confirmações de Aloizio Mercadante e Jean Paul Prates no BNDES e na Petrobras, o anúncio de que os bancos estatais vão voltar a empresas para estados e municípios na reunião de hoje com os governadores. “É um conta difícil de fechar, já que a previsão de arrecadação para este ano é menor e o mercado assume uma postura mais defensiva.”

Para André Mamed, gestor de portfólio da Lifetime Asset Management, não há nenhuma notícia nova, todos esperam pela próxima quarta-feira, a Super Quarta – dia que terá decisão do Copom e FED, sem muita novidade por aqui e muita expectativa com a decisão do banco central no exterior. “O movimento do mercado nesta sexta-feira é mais uma realização de lucros, puxado pelas blue chips. A Petrobras, muito mais pela indefinição da política de preços [que será adotada pela companhia] após a identificação do CEO [Jean Paul Prates, aprovado ontem pelo conselho da empresa] que vai entrar agora, então, essa indefinição puxou o papel para baixo. Os bancos continuam bem pesados, em reflexo do caso da Lojas Americanas, que leva mais 50% da Bolsa para baixo”, comenta Mamed.

Para Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, o movimento da Bolsa até o início da tarde reflete um misto do cenário internacional e local. “O PCE veio de acordo com a expectativa, mas acho que o mercado esperava que viesse mais fraco, então isso impacta bastante nas expectativas de que o banco central norte-americano reduza a política de elevação dos juros”, avalia Komura.

Em relação ao noticiário local, Komura comenta que os discursos do governo em relação ao fiscal não estão sendo bem recebidos, com Lula falando que o BNDES poderá ser usado para fomentar obras publicas. “Em relação ao BNDES, gera preocupação de piora das contas com gastos onde não precisa ou que gerem baixo retorno. A partir do momento que [o governo] dá preferência a alguns setores e empresas, gera desequilíbrio do mercado.”

Para Guilherme Sousa, da Ativa Investimentos, o PCE mostrou-se relativamente mais forte do que o esperado ao exibir alta de 0,1% MoM, ante expectativa de 0,0%. Os núcleos, por sua vez, avançaram exatamente conforme o esperado, 0,3%. O acumulado em doze meses do hedline recuou de 5,5% para 5,0%, contudo, a desaceleração estrutural da inflação apresentou menor ímpeto, recuando de 4,7% para 4,4%, ambos numericamente idênticos às expectativas.

“Em outras palavras, o resultado de hoje retira pressão adicional sobre os juros, ampliando a probabilidade de que assistiremos apenas mais uma elevação de 25 bps da Fed Funds Rate. De todo modo, os membros do Fed deverão trazer na próxima reunião do Fomc uma comunicação dura, a fim de recompor a sinalização de que o ciclo chegou ao fim, afastando assim cenários que precificam cortes considerados precoces pelos membros”, comentou.

Para Rafael Perez, economista da Suno Research, os dados de inflação de 2022 demonstram que este foi um dos anos mais desafiadores para o Fed das últimas décadas, mas indicam cada vez mais que o pior já passou. “Apesar das quedas nos preços de energia e de bens, os preços de alimentos e serviços continuam sendo os principais vilões, tornando a inflação mais resiliente e impedindo uma queda mais rápida. Isso deve contribuir para uma manutenção dos juros em patamares elevados por mais tempo.”

Frente aos últimos dados de inflação, o analista estima uma alta de 25 bps (0,25 p.p.) na próxima reunião do Fed, em fevereiro e, para este ano, a perspectiva é de que a taxa fique em torno de 5,00% a.a. “Por fim, acreditamos que quando tivermos mais indícios de que a autoridade monetária encerrará o ciclo de alta das taxas de juros, o ambiente econômico e acionário tende a melhorar, aumentando o apetite por risco dos investidores.”

O dólar comercial fechou em alta de 0,74%, cotado a R$ 5,1130. A moeda norte-americana apresentou, durante a maior parte da sessão, um movimento de correção após sucessivas quedas. Ainda assim, na semana, a divisa acumulou desvalorização de 1,81% ante o real.

De acordo com o sócio da Top Gain Leonardo Santana, “existe muita entrada de capital, o que provavelmente irá continuar. O preço justo do dólar atual é na casa dos R$ 5,00. O cenário de curto prazo é otimista. Existem poucos fatos e muito burburinho”.

Para o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, “o PCE reforça que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) pode ser mais suave na política monetária. O consumo das famílias passa uma percepção de consumo fraco”.

O índice de preços para os gastos de consumo pessoal (PCE, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, em dezembro, caiu 0,2%, com uma queda acima do esperado pelo mercado (-0,1%). Já a renda subiu 0,3% em novembro ante outubro e os gastos caíram 0,1% na mesma base de comparação, segundo dados revisados.

Borsoi entende que o enfraquecimento do dólar, nas últimas semanas, deve-se a três fatores: a espera por um Fed mais dovish (suave, menos propenso ao aumento dos juros), a reabertura econômica da China e reprecificação dos ativos dos emergentes, em especial dos latino-americanos, com destaque o Brasil: “O mercado tem gostado do que tem vindo do (ministro da Fazenda, Fernando) Haddad, com a melhora da percepção de risco fiscal brasileiro”, pontua.

As taxas dos contratos futuros de Depósitos Interfinanceiros (DI) operam em alta, acompanhando a alta do dólar e valorização das commodities. O DI para janeiro de 2024 tinha taxa de 13,555% de 13,500% no ajuste anterior; o DI para janeiro de 2025 projetava taxa de 12,850%, de 12,705%, o DI para janeiro de 2026 ia a 12,790%, de 12,620%, e o DI para janeiro de 2027 com taxa de 12,855% de 12,680% na mesma comparação. No mercado de câmbio, o dólar operava em alta, cotado a R$ 5,1110 para venda.

Os principais índices do mercado de ações dos Estados Unidos fecharam a sessão em alta, encerrando a semana com ganhos após uma série de indicadores econômicos positivos e balanços corporativos acima do esperado pelos analistas.

Confira abaixo a variação e a pontuação dos índices de ações dos Estados Unidos após o fechamento:

Dow Jones: +0,08%, 33.978,08 pontos
Nasdaq 100: +0,95%, 11.621,7 pontos
S&P 500: +0,24%, 4.070,56 pontos

Pedro do Val de Carvalho Gil / Paulo Holland / Darlan de Azevedo