No exterior, 2024 começa com otimismo, mas um pouco de cautela ainda será necessário

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Os bancos centrais ao redor do mundo têm enfrentado uma tarefa delicada ao ajustar as taxas de juros para conter a inflação desencadeada pela pandemia de covid-19 e pela invasão da Ucrânia pela Rússia. O desafio agora é equilibrar a manutenção de taxas elevadas pelo tempo necessário para conter a inflação, ao mesmo tempo em que evitam o risco de custos de empréstimos mais altos prejudicarem suas economias.

O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) divulgou uma postura inesperada durante a recente decisão do Comitê Geral do Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), o que, para o analista de mercados para Estados Unidos do ING, Chris Turner, surpreendeu. Segundo ele, ao invés de se opor firmemente aos cortes de juros projetados pelo mercado para 2024, o Fed adotou uma abordagem mais suave e a mudança está refletida na disposição em acolher tendências de desinflação.

A reação dos mercados foi notável, com os setores de títulos e ações respondendo positivamente à perspectiva de uma flexibilização na política monetária dos Estados Unidos e global, afirma Turner. O mercado de câmbio também foi afetado, com uma súbita valorização das moedas de commodities subvalorizadas, como o dólar australiano e neozelandês. Isso impulsionou um achatamento significativo da curva de juros dos Estados Unidos, apontando para uma previsão de um dólar mais fraco ao longo do próximo ano, projeta ele.

Segundo ele, à medida que os mercados aguardam por outros dados econômicos, como os mais recentes do mercado de trabalho, qualquer sinal de fraqueza nessas métricas pode provocar uma nova queda do dólar e também mudar o rumo do Fed.

Mas é necessário um pouco de cautela para o início do próximo ano, segundo Leandro Petrokas, diretor de research, mestre em finanças e sócio da Quantzed. “Eu colocaria um pouco de ‘água no chope’ para 2024. O mercado entrou em uma euforia achando que essa sequência de três cortes de 0,25 pp [do Fed] está precificada. Eu ainda enxergo isso com muita cautela. Vou dividir minha opinião com o presidente do Fed de Chicago, em entrevista para a TV, que disse que ‘tomem cuidado com essa expectativa, a inflação ainda está alta”, afirmou.

Para Petrokas, esse cuidado se justifica. “No comunicado da autoridade monetária dos Estados Unidos na próxima reunião, se essa expectativa for frustrada, o mercado tende a apresentar um movimento negativo muito rápido e intenso, porque vai pegar os compradores no contrapé”.

Do lado da zona do euro, segundo dados revisados divulgados em 19 de dezembro pela Eurostat, a agência de estatística da União Europeia, a inflação na região caiu mais do que o esperado, registrando 2,4% em novembro, comparado ao pico de 10,6% em outubro de 2022. Essa queda está próxima da meta de 2% estabelecida pelo Banco Central Europeu (BCE) como ideal para a economia.

Analistas agora especulam sobre as próximas ações do BCE diante desse cenário. “Na semana passada, Christine Lagarde citou o alto crescimento salarial e a ‘inflação doméstica’ como razões para o BCE manter as taxas de juros elevadas. Embora as pressões de preços domésticos estejam diminuindo, levará vários meses para os formuladores de políticas verem evidências suficientes de que caíram o bastante para justificar cortes nas taxas de juros. Um corte de taxa no primeiro trimestre é possível, mas acreditamos que o BCE é mais propenso a esperar até abril”, afirma Jack Allen-Reynolds, economista-chefe adjunto para a zona do euro da Capital Economics.

Apesar disso, o economista observa que há indícios positivos para o futuro: “Há boas razões para pensar que [os dados de inflação] continuarão a diminuir nos próximos meses. Pode levar mais três meses ou mais para haver evidências suficientes de um crescimento salarial mais lento para os formuladores de políticas começarem a cortar as taxas de juros, então estamos satisfeitos com nossa previsão de que o primeiro corte ocorrerá em abril “, conclui.

Falando sobre China, a segunda maior economia do mundo, a recuperação de sua economia a plenos pulmões ficou na expectativa. A produção industrial chinesa vem apresentando um crescimento aquém do esperado, e o mesmo se fala do consumo individual. O que chama a atenção é a alta nas importações por petróleo e não é por conta de um aumento na demanda interna.

“A China serve como mais um exemplo dos riscos no mercado de petróleo. O país continua a importar volumes substanciais de petróleo, não devido a uma alta demanda interna, mas sim influenciado por fatores geopolíticos e preços com desconto como o petróleo russo”, diz Victor Arduin, analista de Energia e Macroeconomia da hEDGEpoint Global Markets.

Se isso pode resultar em uma retomada no crescimento da economia em 2024? “Prevê-se que um aumento nos indicadores de atividade econômica possa ocorrer, principalmente no setor industrial, o que deve estimular o aumento da demanda por petróleo. Contudo, apenas o tempo confirmará se isso será capaz de se traduzir em maior consumo energético pelo país”, conclui.

Já o Japão deve sair da política monetária ultra-acomodatícia há quem acredite que em abril haja alguma mudança. “Em particular, o BoJ observou que o consumo privado continuou a aumentar modestamente, que a inflação deverá ficar acima de 2% ao longo do ano fiscal de 2024 e que a inflação subjacente deverá aumentar”, diz Francisco Pesole, estrategista de câmbio da ING.

Mas a saída das taxas negativas deveria vir mais cedo. “Se o Banco do Japão não aumentar as taxas de curto prazo em janeiro, poderá perder a oportunidade de o fazer até que o Fed termine de cortar as taxas de juros”, disse Mari Iwashita, economista da Daiwa Securities. “O fim das taxas negativas provavelmente não seria seguido por uma série de aumento nos juros, em parte porque o governo é visto como cauteloso em não apertar demais. Parece que há um obstáculo muito grande no aumento das taxas depois que o banco acaba com as taxas negativas”, disse ela.

Texto de Darlan de Azevedo, Larissa Bernardes e Vanessa Zampronho / Agência CMA
Edição: Vanessa Zampronho / Agência CMA