Os impactos da acirrada disputa presidencial e da composição do Congresso no humor do mercado

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Crédito: Shutterstock

São Paulo, 26 de outubro de 2022 – Às vésperas das eleições mais acirradas da história da democracia brasileira, o mercado finalmente parece ter ‘sentido o jogo’. Mas, afinal, como Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL) impactam nesta disputa tão polarizada, com um desfecho que promete muita emoção?

 

O analista da Ouro Preto Investimentos Bruno Komura entende que “o impacto se cada um dos candidatos for eleito, será diferente. Caso Bolsonaro seja ganhe, esperamos que o câmbio se desvalorize, com o real ganhando força frente ao dólar”. Isso, explica Komura, reduz as incertezas e dá continuidade à política liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes. As estatais seriam “grandes beneficiárias, especialmente Petrobras e Banco do Brasil e devem ajudar bastante o índice”, observa o analista.

 

A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, entende que a vitória de Bolsonaro traz maior previsibilidade sobre os próximos passos, com o aumento do fluxo para o combo das estatais e uma eventual recuperação, mas alerta: “Temos que ficar atentos pois vão começar as discussões para a orientação da política fiscal para 2023. Quando este assunto entrar em cena, isso pode trazer prêmio para a curva de juros”, diz.

 

Komura entende que a definição da equipe econômica pode ajudar o petista, que a curto prazo deve sofrer momentânea resistência do mercado: “O movimento deve ser diluído ao longo dos próximos meses. O dólar não deve ter movimentações significativas, mas talvez a longo prazo o real possa se valorizar”, analisa.

 

Tanto Komura quanto Abdelmalack entendem que com a quebra do teto de gastos, a expectativa é que independente do candidato vitorioso defina uma nova âncora fiscal. “Eu uma eventual vitória do Lula, a gente presta atenção à equipe econômica, temos que aguardar qual será o anúncio deste time. No curtíssimo prazo pode ser que exista uma cautela, um movimento de aversão ao risco”, avalia a economista.

 

Acompanhe abaixo a entrevista concedida por Komura à Agência CMA:

 

 

A avaliação corrente é que o Congresso Nacional que tomará posse no dia 1º de fevereiro de 2023 é mais conservador que o atual, mas mantém um perfil reformista. Para o consultor político Antônio Augusto Queiroz, soma-se a essas características a flexibilidade em relação às propostas do Palácio do Planalto.

 

“Sim, o Congresso eleito é mais conservador que o atual. Mas, como o atual, agirá de acordo com o perfil do presidente da República”, afirmou. Ou seja, segundo Queiroz, sendo o presidente Jair Bolsonaro reeleito no dia 30 de outubro, o Congresso levará adiante as reformas estruturais, as propostas de privatização de estatais e a pauta de valores.

 

Porém, avalia o consultor político, se o petista Luiz Inácio Lula da Silva for o vitorioso no segundo turno da eleição presidencial, a maioria dos parlamentares se desloca da posição de direita e centro-direita para o centro e apoia as medidas da pauta do ocupante do Palácio do Planalto.

 

“Não negaria apoio a medidas como a alteração no teto de gastos ou a reversão de medidas da reforma trabalhista, por exemplo, para a formalização e a garantia de direitos aos trabalhadores dos aplicativos”, afirmou. “É um Congresso que dá excesso de governabilidade a Bolsonaro, mas não negaria apoio a medidas de Lula”, completou.

 

Crédito da foto: Roque de Sá/Agência Senado

Antônio Augusto Queiroz, consultor político

 

De um modo geral, conforme o consultor político, o novo Congresso é liberal do ponto de vista econômico, fiscalista do ponto de vista da gestão, conservador em relação a valores e refratário em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente. “Mas, acima desses aspectos, é pragmático. Vai colocar em prática as teses de um governo de direito, mas será flexível em relação a um governo de esquerda”, argumentou.

 

A relação entre o Executivo e o Legislativo passa, na avaliação de Queiroz, pela forma de administração do Orçamento Geral da União. Segundo ele, Bolsonaro entrega o orçamento para o Congresso, através das emendas de relator (RP9), o chamado “orçamento secreto”.

 

Já Lula, conforme o consultor, vai negociar e puxar o poder sobre o orçamento para o Executivo. O ex-presidente fala em extinguir o “orçamento secreto” e repassar os recursos para a área social. Na proposta do governo para 2023 foram reservados R$ 19,4 bilhões para as emendas de relator.

 

Tradicionalmente, o Senado Federal assume o papel de “casa da prudência”, enquanto a Câmara dos Deputados é mais inflamada. Isso não deve mudar, mas a diferença é que, na próxima legislatura, Bolsonaro, se for reeleito terá uma maioria confortável no Senado, incluindo um reforço na bancada governista a partir de mudanças partidárias. Os senadores podem mudar de partido a qualquer tempo sem risco de perder o mandato por infidelidade.

 

“Com certeza, Bolsonaro teria mais facilidade no Senado, com uma maioria capaz de aprovar leis, impedir CPI [comissão parlamentar de inquérito] e até constranger ministros do Supremo Tribunal Federal”, afirmou. “Mas não teria maioria de três quintos [49 senadores] para mudar a Constituição nem de dois terços [54 senadores] para cassar ministros do Supremo”, completou.

 

O calcanhar de Aquiles de Lula será a Câmara, onde o PL terá 99 deputados a partir de 1º de fevereiro de 2023. Queiroz estima que 30% dessa bancada são de deputados bolsonaristas, que vão tentar assumir o comando do PL e levá-lo para uma oposição intransigente a um eventual governo Lula. “Porém a maioria do partido é pragmática, não vai querer arriscar a sua reeleição e não vai para a oposição”, afirmou.

 

Pesquisas

 

A discrepância entre as pesquisas de intenção de voto e os resultados das urnas nas eleições de 2022 provocou reação de parlamentares, especialmente aliados do presidente Jair Bolsonaro. As divergências ocorreram em todos os níveis das disputas majoritárias: da corrida presidencial, passando pelas eleições ao Senado Federal, até os governos dos estados e do Distrito Federal.

 

Imediatamente após o primeiro turno, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), encabeçou o movimento pela regulamentação das sondagens eleitorais. Em outra frente, deputados do PL pediram a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) dos institutos de pesquisa.

 

“O resultado do primeiro turno mostrou, mais uma vez, a dificuldade de as pesquisas captarem o voto do eleitor de direita”, afirmou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), autor de um dos onze projetos para endurecer as regras de divulgação das pesquisas de intenção de voto no país. O plenário aprovou o requerimento de urgência para votação dessas propostas, mas ainda não há acordo para apreciação do mérito.

 

Os deputados Carlos Jordy (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Guilherme Derrite (PL-SP) e Paulo Eduardo Martins (PL-PR) colheram assinaturas de apoio à criação da CPI e protocolaram o pedido na Câmara. A proposta dos deputados é que seja apurado “o uso político dos institutos de pesquisas eleitorais a fim de influenciar o resultado das eleições em favor de determinados candidatos, partidos ou espectro político”.

 

Em nota, o Ipec afirmou que segue os padrões internacionais em suas pesquisas, mas disse estar “empenhado e comprometido em sempre analisar, identificar e aplicar melhorias técnicas e metodológicas que contribuam para o avanço e a acuracidade do resultado de suas pesquisas, pois sabe que este processo é contínuo”.

 

Segundo o Ipec, as pesquisas eleitorais medem a intenção de voto no momento em que são feitas. “Quando feitas continuamente ao longo do processo eleitoral, são capazes de apontar tendências, mas não são prognósticos capazes de prever o número exato de votos que cada candidato terá”, afirmou no comunicado.

 

O Ipec destacou que, em relação a eleição presidencial, a última pesquisa mostrou que não era possível afirmar se a eleição acabaria ou não no primeiro turno. “Assim se confirmou”, destaca a nota do instituto. Conforme o Ipec, a sondagem apontava Lula como o candidato que ficaria mais bem posicionado no primeiro turno, o que se confirmou.

 

A diferença está no desempenho de Bolsonaro: seis pontos percentuais a mais do que a pesquisa mostrava. A avaliação do Ipec é que isso vem dos indecisos e dos resultados de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Segundo o instituto, as pesquisas divulgadas às vésperas do primeiro turno apontavam a tendência de migração dos votos dos indecisos, de Ciro e de Simone para Bolsonaro.

 

Em relação às variações de resultados observadas nas pesquisas estaduais do primeiro turno, “o Ipec reforça seu compromisso de buscar soluções que eventualmente possam ser agregadas ou consideradas em conjunto com a sua metodologia e procedimentos operacionais”. Conforme o instituto, esse processo exige estudo, análise e comprovação de hipóteses antes da implementação.

 

“O Ipec reafirma o firme compromisso de seguir realizando seu trabalho com a mesma correção, seriedade e dedicação, especialmente a partir dos dados de uma eleição onde a divisão do país representa uma maior dificuldade em se fazer estimativas”, diz a nota.

 

Luiza Damé e Paulo Holland / Agência CMA

Edição: Dylan Della Pasqua

 

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