Mercado de petróleo voltará ao equilíbrio com ação agressiva da Opep+

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São Paulo – A atual preocupação do mercado de petróleo é com o efeito do novo coronavírus (Covid-19) sobre a demanda global por energia. Para responder aos sinais de excesso de oferta provocada pelo surto, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e seus aliados – grupo conhecido como Opep+ – devem anunciar um corte adicional na produção de pelo menos 600 mil barris por dia (bpd) após reunião de dois dias que começa amanhã, segundo especialistas consultados pela Agência CMA, que apostam que a Rússia apoiará a iniciativa.

“Acreditamos que cortes mais profundos de 600 mil bpd no segundo trimestre de 2020 devem ser suficientes para manter o mercado amplamente equilibrado no momento”, disse o chefe de estratégias de commodities da ING, Warren Patterson.

Em janeiro deste ano entrou em vigor um acordo firmado entre a Opep e seus aliados, liderados pela Rússia, que retira um total de 2,1 milhões de bpd do mercado, em uma tentativa de equilibrar a oferta e a demanda e, consequentemente, apoiar os preços do petróleo.

O novo acordo foi resultado de uma reunião da Opep+ em dezembro de 2019. O grupo, no entanto, falhou em estender o limite de 2,1 milhões de bpd até o final de junho de 2020, o que ainda deixava um superávit de oferta para o segundo trimestre deste ano. Na ocasião, a Opep+ decidiu que revisaria a situação do mercado em reunião prevista para começar amanhã, antes de concordar com qualquer ação para o segundo trimestre. No entanto, o surto de Covoid-19 fez com que a ação da Opep+ se tornasse mais premente.

Por isso, no início de fevereiro, a situação atual do mercado voltou a ser discutida pelo comitê da Opep+. Os técnicos recomendaram então estender o acordo de corte de produção de petróleo até o final do ano, propondo reduções ainda maiores, pelo menos até o segundo trimestre. Na ocasião, a Arábia Saudita havia pressionado por uma redução de pelo menos 600 mil bpd, proposta rejeitada pela Rússia.

Para o estrategista de commodities do Rabobank, Ryan Fitzmaurice, existe uma alta probabilidade – de 70% a 80% – de que a Opep+ anuncie cortes adicionais no encontro de quinta e sexta-feira, a fim de atender às preocupações de demanda relacionadas ao Covid-19.

“A recente e acentuada liquidação nos preços do petróleo apenas aumenta a probabilidade de o grupo avançar com a ação recomendada ou correr o risco de uma queda adicional nos preços”, afirmou Fitzmaurice.

Na última semana, o preço do petróleo WTI acumulou uma baixa de 16,15%, configurando a maior queda semanal desde dezembro de 2008. Considerando o mês de fevereiro, a baixa foi de 13,19%. Já o Brent – usado de referência no mercado internacional -, acumulou perda de 13,64% na semana passada e queda mensal de 13,14%.

“A pressão renovada que estamos vendo sobre os preços deve ser suficiente para enviar um sinal para a Opep+ de que precisam agir nesta reunião. Não fazer isso significaria apenas uma desvantagem adicional à queda dos preços”, disse Patterson, da ING. “Acredito que o mercado ficará desapontado com qualquer coisa que não atenda à recomendação do comitê técnico”, acrescentou ele, fazendo referência ao corte de 600 mil bpd.

A BARREIRA RUSSA

O surto do novo coronavírus causou um choque entre a Opep, liderada pela Arábia Saudita, e a Rússia. Os dois lados colaboram desde 2016 em uma tentativa coordenada de equilibrar o suprimento global de petróleo. Além de ter rejeitado a antecipação da reunião de março para fevereiro, Moscou pediu um prazo maior para avaliar a necessidade de um corte extra na produção em resposta aos efeitos do Covid-19 sobre o mercado de energia.

Para os especialistas consultados pela Agência CMA, a diferença entre sauditas e russos poderá enfraquecer ainda mais a capacidade do cartel de influenciar os preços do petróleo.
“Embora inicialmente sinalize alguma resistência, fontes das principais empresas de petróleo da Rússia indicaram que faria sentido aprofundar os cortes – embora sem qualquer indicação de qual nível seria satisfatório”, disse o estrategista global e economista chefe da ADM Investor Services International, Marc Ostwald.

Na última quinta-feira, o ministro da Energia da Rússia, Alexander Novak, disse que seu país quer continuar com a cooperação bilateral e multilateral com a Arábia Saudita e que nunca teve divergências com o reino sobre a redução da produção dentro do acordo da Opep+.

A declaração foi uma resposta às notícias da semana passada indicando que os sauditas estariam considerando romper a aliança de quatro anos na produção de petróleo com a Rússia em função da resistência de Moscou em se juntar ao novo plano de limite de produção.

Em uma reunião de emergência no início de fevereiro, a Rússia rejeitou a tentativa da Arábia Saudita de aumentar os atuais cortes de produção da aliança em 600 mil bpd.

“A Rússia tem demorado a adotar os cortes de oferta sugeridos até o momento, no entanto, esperamos que eles venham à mesa de negociação neste encontro”, afirmou Fitzmaurice, do Rabobank, acrescentando que a produção de petróleo russa tem sido instável, oscilando apenas 250 mil bpd abaixo do recorde de 11,5 milhões de bpd.

“Dada essa dinâmica, a Rússia tem condições de participar de qualquer aumento dos cortes de produção sem precisar ceder muita participação de mercado. Por esse motivo, não esperamos que a Rússia seja um obstáculo neste encontro”, acrescentou Fitzmaurice.

OS SAUDITAS QUEREM MAIS

Em meio aos sinais de tensão com Moscou, a Arábia Saudita prepara uma proposta de corte adicional da produção ainda mais arrojada do que o comitê técnico da Opep sugeriu no mês passado, da ordem de 600 mil bpd.

A Arábia Saudita pretende propor um corte adicional de 1 milhão de bpd neste encontro da Opep+, já que as preocupações com o novo coronavírus continuam a minar as previsões de demanda de petróleo.

Neste cenário, Riade está pronta para assumir a maior parte dos novos cortes, enquanto as reduções restantes seriam distribuídas entre o Kuwait, os Emirados Árabes Unidos e a Rússia.

“A proposta saudita parece ser de 1 milhão de bpd. Embora não seja suficiente para equilibrar o mercado, e considerando que, em janeiro, o nível de adesão da Opep aos limites de produção atuais foi de 134% – ou seja, acima do que o que foi acordado -, a questão é se isso será suficiente, uma vez que existem algumas estimativas que sugerem que a queda na demanda de petróleo da China pode chegar a 3,0 milhões de barris no primeiro e segundo trimestres de 2020”, afirmou Ostwald, da AMD.

Os especialistas ouvidos pela Agência CMA apontam que o fiel dessa balança é a Líbia, cuja produção caiu de uma média de 1,14 milhão de bpd em dezembro de 2019 para 120 mil bpd atualmente, em função da instabilidade política do país e de conflitos com milícias que levaram à paralisação de campos de petróleo.

“Há incertezas sobre quando o fornecimento da Líbia voltará ao normal. Se a produção no país voltar ao normal rapidamente, provavelmente precisaremos de cortes mais próximos de 1 milhão de bpd pelos quais a Arábia Saudita está pressionando”, disse Patterson, da ING.

Cálculos da ADM mostram que a produção de petróleo da Líbia deve cair para menos de 100 mil bpd em fevereiro. “Se um cessar-fogo obtiver alguma tração na Líbia, e a produção for restaurada para o nível de janeiro, ou para 1,0 milhão de bpd vistos em grande parte de 2019, isso terá que ser levado em consideração pela Opep+, embora essa situação seja difícil de monitorar no momento”, disse Ostwald.

DEMANDA E PREÇOS

O surto do novo coronavírus tem um forte impacto em curto prazo na economia global e no crescimento da China, resultando em previsões abrangentes de perda de demanda de petróleo.

A Opep, por exemplo, espera perda de demanda de, em média, 200 mil bpd em 2020 como resultado do vírus, enquanto a British Petroleum estima perdas de demanda de até 500 mil bpd. Já a ING prevê uma desaceleração da demanda em torno de 400 mil bpd ao longo do ano, fazendo com que o aumento da demanda em 2020 some 800 mil bpd.

“Essa é uma estimativa muito difícil de calcular, já que depende, por exemplo, se mais países irão restringir o movimento aéreo e/ou rodoviário em seus esforços para conter o surto e, em segundo lugar, por quanto tempo esses bloqueios continuarão”, afirmou Ostwald, da ADM.

O outro ponto apontado pelo estrategista global e economista chefe da ADM é que, quando a China estiver em condições de recuperar sua economia, haverá um aumento na demanda. “A medida que essa recuperação for acontecendo, podemos acompanhar o surgimento de alguns gargalos”, acrescentou.

Diante dessas variáveis, a ADM projeta que os preços do WTI se estabeleçam na faixa entre US$ 40 e US$ 50 o barril no primeiro semestre do ano, enquanto o Brent – referência no mercado internacional – flutue entre US$ 43 e US$ 53 o barril no mesmo período.
“Tudo depende muito de quão prolongado e extenso o surto e os esforços para contê-lo serão”, concluiu Ostwald.

As estimativas do Rabobank são um pouco mais otimistas. O banco holandês espera que o WTI fique, em média, em US$ 60,50 o barril nos primeiros seis meses do ano, enquanto o Brent deve ser cotado, em média, em US$ 65 o barril nesse período.

“Embora esperemos que o consumo de petróleo se recupere acentuadamente à medida que a situação se estabilize, reduzimos nossas previsões de preços como resultado da natureza imprevisível do surto”, disse Fitzmaurice.

Ele lembra que o Rabobank espera uma interrupção prolongada do fornecimento de 600 mil bpd na Líbia este ano, o que compensaria amplamente as perdas de demanda esperadas pelo novo coronavírus.