‘Estou aberto a conversar com o presidente Lula a qualquer momento’, diz presidente do BC

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O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, durante cerimônia de transmissão de cargo.

São Paulo – O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que “a história vai mostrar” que as decisões relacionadas à elevação da Selic, a taxa básica de juros do Brasil, foram técnicas e que a autonomia da autoridade monetária foi boa para o Brasil, em entrevista ao jornalista Fernando Rodrigues, do “Portal 360”, nesta quinta-feira, em Brasília.

Ele disse que na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, foi unânime entre os membros do colegiado de que o corte de 0,50 ponto percentual era um nível adequado e que uma das principais diferenças em relação à reunião anterior é que a meta de inflação já estava definida, o que também influenciou na decisão de baixar a taxa de juros.

O presidente do BC disse que teve apenas um encontro com o presidente Luis Inácio Lula da Silva e que “foi muito boa” e que já esperava receber críticas. “Estou sempre aberto a conversar com o presidente Lula a qualquer momento.”

Ao ser questionado sobre a diferença entre superávit alcançado no primeiro semestre e o déficit no primeiro de 2023, ele disse que “é preciso ter cuidado ao comparar um ano do outro. É preciso avaliar se houve influência de uma mudança conjuntural ou estrutural. Mas, no Brasil, independente do governo, há um gasto muito alto, muito acima do mundo emergente e da América Latina. Não é um tema desse governo ou de outro, é estrutural.”

Sobre a mudança do marco fiscal, ele avalia que a percepção de estabilidade fiscal e monetária devem andar junto e que, no novo arcabouço, ele entende que está definido que terá uma âncora fiscal e uma âncora monetária. “O BC não pode trabalhar sem expectativa de inflação. Se os economistas entenderem que isso não vai ser feito, há uma desancoragem. Há dúvida se as medidas serão aprovadas e se haverá arrecadação.”

No entendimento do presidente do BC, “o Brasil precisa crescer, mas também precisa de responsabilidade fiscal” e que acredita que o governo está empenhado nisso.

Em relação ao fim do seu mandato, RCN disse que deve ir para o mercado privado e que não tem intenção em seguir carreira política. “Acho que quatro anos é um período bom para ficar no BC, dá para fazer muita coisa.”

FIM DO ROTATIVO

Ao falar sobre o possível fim do rotativo do cartão de crédito, ele reafirmou as declarações recentes de que é preciso achar uma “solução com equilíbrio” nessa questão e que o BC vai trabalhar com a parte técnica das mudanças, enquanto o Congresso trabalhará com as questões políticas. “Entendemos que o parcelado sem juros é importante para o consumo, mas o que se pensa em fazer é como fazer isso sem aumentar o endividamento. É preciso achar uma solução que equilibre. Uma inadimplência muito grande também pode acabr impactando o consumo. Mas queremos uma solução que seja boa para todos.”

Campos Neto também ressaltou que os juros do cartão de crédito não está relacionado com uma taxa básica alta. “O rotativo não está ligado à Selic, por que os juros cresceram mesmo com a taxa parada. Os juros são altos no Brasil. Quanto melhor a garantia, como no consignado, por exemplo, mais baixo é o juro.”

“Viemos de um sistema que tínhamos cheque pré-datado para o parcelado sem juros, o que transferiu o risco do lojista para emissor. Hoje, 40% do consumo é cartão de crédito. A massa de crédito do que tem parcelado sem juros é maior e a emissão de cartões é muito grande. Aí tem uma inadimplência muito grande.”

PIX SAQUE – O presidente do Banco Central também disse que o Pix e o real digital fazem parte de uma modelagem para digitalizar a economia. “O Pix Saque será bom para pequenas cidades que não tem caixas eletrônicos. Queremos melhorar a qualidade de vida das pessoas.”

MERCADO DE CAPITAIS – Ele considera que a entrada de empresas no mercado de capitais ajuda a economia, pois alivia os balanço dos bancos e amplia a oferta de crédito para empresas de menor porte. “Quanto mais as empresas forem para o mercado de capitais, menos vai para o balanços dos bancos, o que faz com que eles olhem mais para as empresas menores.”

POLITICAS MONETÁRIAS INTERNACIONAIS

Campos Neto considera que houve uma avaliação errada dos impactos da pandemia e as medidas tomadas por Bancos Centrais e diversos países geraram recessão, por conta do excesso de cautela. “Houve uma avaliação errada, em termos de política monetária, do que poderia ser causado em colocar tanto dinheiro na economia sem causar inflação.”

No caso do BC brasileiro, Campos Neto disse que eles avaliaram qual seria o impacto inflacionário de se injetar muito dinheiro na economia e o desequilíbrio entre o consumo de bens e serviços, com o primeiro subindo, por que as pessoas estavam em casa, e o segundo caindo, e que esse processo resultou numa inflação persistente.

Em relação à economia da China, RCN disse que ela é muito importante para o Brasil e para o mundo emergente e que a deflação apresentada surpreendeu, junto com o fato de que algumas empresas imobiliárias começaram a entrar em regime falimentar. “O BC chinês reduziu os juros em 15% e temos uma percepção de que o governo está com menos apetite para tomar medidas de estímulo e está trabalhando para ter um crescimento mais baixo.”

Campos Neto disse que ficava impressionado com a questão fiscal nos Estados Unidos após injeção de US$ 900 bilhões na economia. “Lá, os gastos estão altos, agora está difícil identificar qual será o impacto, mas vemos que os núcleos da inflação estão caindo.”

Em relação à Argentina, RCN disse que o país está em um momento eleitoral e que o candidato de extrema direita Javier Milei teve destaque nas eleições primárias, no último domingo (13), por que tocou nas pessoas sobre a desorganização do Estado e a falta de confiança em relação à moeda. Em relação à dolarização, ele disse que é possível “botar um preço muito barato, mas se [a política] não tiver credibilidade, não garante que vai atrair dinheiro. Eu também não li os detalhes de como isso será feito. Eles entendem que o governo tem tão pouca credibilidade que uma nova moeda criada pelo governo não teria credibilidade, por isso, a opção pelo dólar”.

O presidente do BC também avalia que a eficiência dos serviços públicos na Argentina poderia ser feita reduzindo o governo e com a adoção de muita tecnologia, como foi feito na India.