BC usa reservas para conter câmbio e gera polêmica

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São Paulo – Desde que o dólar iniciou a trajetória de alta e rompeu os R$ 4,00, nível no qual permanece há cinco meses, o Banco Central (BC) viu nas reservas cambiais uma saída para conter a escalada e a volatilidade da moeda norte-americana que, à época, ameaçava romper a máxima histórica no movimento intraday, ao redor de R$ 4,25. 

Em junho do ano passado, as reservas chegaram ao volume histórico de US$ 390,5 bilhões, um colchão preservado pelos últimos diretores do Banco Central, mas que passou a ser usado no fim de agosto para inibir o avanço do dólar, impulsionado pelo acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, o qual se refletiu no temor de recessão global. As reservas cambiais fecharam 2019 no menor patamar desde janeiro de 2016, a US$ 356,8 bilhões.

Entre agosto e dezembro, o BC usou ao redor de US$ 32 bilhões desse montante em operações de swap cambial e de venda de dólares no mercado à vista, de modo promover liquidez ao mercado e inibir os avanços da moeda estrangeira, que renovou máximas históricas, indo a R$ 4,27 no fim de novembro em meio à forte saída de recursos estrangeiros e aos eventos externos.

“Não é o fim do mundo o BC queimar mais de US$ 30 bilhões com isso. Temos um volume bastante relevante. Porém, operações de venda de dólar à vista só deveriam ser feitas em situações específicas”, diz o economista-chefe da Necton Corretora, André Perfeito. Para ele, as reservas são um “patrimônio” e não deveriam ser usadas para “controlar” o câmbio.

Já a estrategista de câmbio do Banco Ourinvest, Cristiane Quartaroli, avalia que a decisão do BC em usar as reservas cambiais foi positiva e permitiu que o real não se desvalorizasse ainda mais ao aumentar a oferta de dólares no mercado local, injetando liquidez.

“As reservas são ativos que servem como uma espécie de seguro para o país e faz todo o sentido usar esse recurso em momentos de crise cambial ou ausência de fluxo de capital”, comenta. Para ela, o BC ainda tem uma “boa gordura” de reservas para gastar. 

O economista da Tendências Consultoria, Sílvio Campos, reforça que o objetivo do BC não foi apenas conter pressões exageradas no câmbio, como também atender a uma demanda de mercado em um momento de escassez de recursos à vista. “O instrumento é eficaz em conter oscilações excessivas e meramente especulativas”, destaca.

Polêmica

Os instrumentos usados pelo Banco Central dividem a opinião de especialistas. Para Campos, da Tendências, o uso das reservas se mostrou a “saída” mais adequada para fornecer liquidez no mercado à vista. “Outra opção, bastante indesejável, teria sido subir a taxa de juros para manter a atratividade aos capitais de curto prazo na renda fixa. Isso era feito no passado, quando não tínhamos reservas suficientes, com um custo enorme para a economia”, explica.

Perfeito, da Necton, defende que a autoridade monetária deveria voltar a acumular reservas e não gastar mais, já que a tendência é que o dólar siga acomodado acima do nível de R$ 4,00 ao longo de 2020. Ele prevê uma taxa de câmbio de R$ 4,30 ao fim deste ano, enquanto o mais recente relatório de mercado Focus, do BC, divulgado na última segunda-feira, projeta dólar a R$ 4,04 no mesmo período.

Para o economista, não vai ser “fácil” trazer o dólar para baixo nos próximos meses. “Começamos o ano com uma ameaça de guerra [referindo-se ao conflito geopolítico entre EUA e Irã], tem a disputa comercial [entre EUA e China], e é ano de eleição norte-americana”, enumera, citando fatores exclusivamente externos.

No front doméstico, Perfeito acrescenta que, o fluxo de dinheiro via balança comercial vem diminuindo, enquanto prossegue a saída de recursos estrangeiros do país, diante da perda de atratividade do diferencial de juros, em meio à trajetória de queda da Selic.

“Há mercados rendendo bem mais que o brasileiro. Com isso, aposto em um câmbio mais alto”, reforça o economista da Necton. Cristiane acrescenta que sem aportes de recursos estrangeiros ao país e em um ambiente externo de maior aversão ao risco, dificilmente a taxa de câmbio voltará a patamares mais baixos como visto nos anos anteriores, mesmo com a venda de reservas cambiais.

Campos, da Tendências, ressalta, porém, que as reservas seguem “muito” elevadas para os padrões internacionais. “A venda de pequena parte não altera a visão benigna sobre a capacidade do país de honrar compromissos externos”, diz. Segundo ele, a redução das reservas não impediria, por exemplo, uma elevação da nota de crédito (rating) do Brasil pelas agências de classificação de risco.

Para a estrategista do Ourinvest, as agências de risco estão mais preocupadas com a evolução e a resolução das questões fiscais do país.