Americanas admite que demonstrações financeiras foram fraudadas pela diretoria anterior

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São Paulo, SP – A Americanas informou hoje que assessores jurídicos apresentaram relatório contendo achados preliminares acerca dos fatos narrados no Fato Relevante de 11 de janeiro de 2023 sobre lançamentos contábeis. Os documentos analisados indicam que as demonstrações financeiras da companhia vinham sendo fraudadas pela diretoria anterior da Americanas.

Os documentos que deram origem ao relatório demonstram ainda os esforços da diretoria anterior das Americanas para ocultar do Conselho de Administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da companhia.

As informações do relatório, associadas aos trabalhos de refazimento das demonstrações financeiras históricas que já vinham sendo realizados pela Americanas e seus assessores financeiros e contábeis, levaram ao entendimento de que a fraude das demonstrações
financeiras se dava predominantemente como se segue.

“Foram identificados diversos contratos de verba de propaganda cooperada e instrumentos similares (VPC), incentivos comerciais usualmente utilizados no setor de varejo, que teriam sido artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais da Companhia como redutores de custo, mas sem efetiva contratação com fornecedores. Esses lançamentos, feitos durante um significativo período, atingiram, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 21,7 bilhões em 30 de setembro de 2022, destacou o comunicado.

As contrapartidas contábeis em balanço patrimonial desses contratos de VPC criados ao longo do tempo, os quais não tiveram lastro financeiro associado, se deram majoritariamente na forma de lançamentos redutores da conta de fornecedores, totalizando, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 17,7 bilhões em 30 de setembro de 2022. A diferença de R$ 4 bilhões teve como contrapartidas lançamentos contábeis em outras contas do ativo da companhia.

Em adição às operações de VPC, e como forma de gerar o caixa necessário para a continuidade das operações das Americanas, a diretoria anterior contratou uma série de financiamentos nos quais a companhia é devedora perante instituições financeiras, sem as devidas aprovações societárias, todas inadequadamente contabilizadas no balanço patrimonial de 30 de setembro de 2022 na conta fornecedores: Operações de financiamento de compras (risco sacado, forfait ou confirming) de R$18,4 bilhões, em números preliminares e não auditados; Operações de financiamento de capital de giro de R$ 2,2 bilhões, em números preliminares e não auditados.

A indevida contabilização dessas operações de financiamento nos demonstrativos financeiros da Americanas não permitiu a correta determinação do grau de
endividamento ao longo do tempo.

Finalmente, também foram identificados lançamentos redutores da conta de fornecedores oriundos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter transitado pelo resultado ao longo do tempo, totalizando, em números preliminares e não auditados, o saldo de R$ 3,6 bilhões em 30 de setembro de 2023.

“Os ajustes contábeis são preliminares, não auditados e ainda estão sujeitos a alterações. Os ajustes contábeis definitivos estarão refletidos nos demonstrativos financeiros históricos auditados que serão reapresentados assim que os trabalhos estiverem concluídos. Da mesma forma, o efeito desses ajustes nos resultados da Companhia ao longo do tempo ainda está sendo apurado, mas a expectativa da Administração é de que o impacto nos resultados mais recentes seja significativo”, detalhou a Americanas

O relatório indica, ainda, a participação na fraude do ex-CEO Miguel Gutierrez, dos ex-diretores Anna Christina Ramos Saicali, José Timótheo de Barros e Márcio Cruz Meirelles, e dos ex-executivos Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes.

Miguel Gutierrez desligou-se da companhia em 31 de dezembro de 2022. José Timótheo de Barros foi afastado de suas funções executivas em 3 de fevereiro de 2023 e comunicou sua renúncia em 1 de maio de 2023. Os desligamentos de Anna Christina Ramos Saicali, Márcio Cruz Meirelles, Fábio da Silva Abrate, Flávia Carneiro e Marcelo da Silva Nunes, também afastados de suas funções executivas na companhia desde o dia 3 de fevereiro de 2023, assim como dos demais colaboradores identificados até o momento, já foram determinados pela administração.

Por fim, o Conselho de Administração orientou a companhia e os assessores a apresentar o relatório a todas as autoridades competentes e avaliar as medidas visando ao ressarcimento dos danos causados pela fraude em suas demonstrações financeiras.

LOCK-UP DE AÇÕES

A companhia disse ainda que vem mantendo conversas com seus credores. Nestas conversas, como parte de uma negociação mais ampla, um grupo de credores solicitou a inclusão de um período de lock-up para venda de ações da companhia pelos acionistas de referência.

“A abrangência desse lock-up ainda está em discussão no âmbito do acordo mais amplo. Em que pese ainda não haver consenso com seus credores financeiros em relação à
última proposta apresentada, a companhia segue empenhada em manter negociações construtivas com seus credores em busca de uma solução que permita a continuidade de suas atividades”, explicou a Americanas.

O comunicado da companhia é uma resposta à notícia veiculada no jornal Valor Econômico, ontem (12), intitulada Sicupira, Telles e Lemann aceitam ficar cerca de 3 anos sem vender ações da Americanas, dizem fontes.

De acordo com a reportagem, os acionistas bilionários da Americanas aceitaram ficar um período de cerca de três anos sem vender ações da empresa como parte de um plano de reestruturação, disseram pessoas a par do assunto.

O exato período de lock-up de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Sicupira ainda não está definido, e os bancos credores sugerem que ele seja ao menos até 2027, disseram as pessoas, pedindo para não serem identificadas porque as negociações não são públicas.

Lemann, Telles e Sicupira possuem hoje conjuntamente cerca de 30% da Americanas, e, ao injetar R$ 10 bilhões por meio de um aumento de capital deteriam uma participação ainda
maior que vai depender do interesse de outros acionistas na oferta pública.

ACIONISTAS MINORITÁRIOS

Um grupo de cerca de 40 acionistas minoritários das Americanas, liderados pelo Instituto Ibero-americano da Empresa (Instituto Empresa), associação de investidores que atua em prol da Governança Corporativa, requereram à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acesso à lista integral dos acionistas da empresa, em janeiro, data da divulgação dos fatos relacionados à operação de risco-sacado e à fraude dos balanços. A entidade ainda não teve acesso à lista e acusa a Americanas de tirar do ar um site criado para mobilizar acionistas que se sentem prejudicados pelo rombo contábil.

A autarquia afirma que o tema objeto de sua demanda está sendo analisado no âmbito do processo CVM 19957.006543/2023-64. “Sem prejuízo do acima exposto, esclarecemos quea CVM acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário, respondeu a CVM, em resposta enviada à Agência CMA sobre o assunto.

Em janeiro, o por meio do Escritório Monteiro de Castro Setoguti Advogados, de São Paulo, o Instituto Empresa pediu diretamente à Americanas, valendo-se de norma da Lei de Sociedade por Ações, que prevê que, para a defesa de direitos dos acionistas e esclarecimento de situações ao mercado de valores mobiliários, os minoritários possam requerer acesso a tais dados, tornando possível a mobilização dos investidores para quaisquer efeitos. Em se tratando de companhias de capital aberto e de investidores dispersos, somente a própria empresa pode fornecer os elementos que tornem possível a organização e reunião de eventuais lesados, explica Adilson Bolico, que integra o Escritório Mortari Bolico, que assina a petição promovida pelo Instituto Empresa.

O recurso foi apresentado à CVM em regime de urgência depois que foi constatado que as Americanas derrubaram o site que reunia investidores que reunia acionistas lesados pela fraude contábil (www.indenizaamericanas.com).

Segundo o Instituto Empresa, primeiro, a Americanas solicitou a derrubada do site ao provedor, alegando propriedade da marca e violação de direitos autorais. Depois, a empresa teria reconhecido a falha e alegou ter sido um equívoco. Mas, até o envio deste texto, em 13 de junho, o site não havia sido reestabelecido e o domínio continuava suspenso.

O Instituto Empresa afirma que a CVM também recebeu reclamação quanto à tentativa da Americanas interferir no engajamento dos minoritários. Trata-se mesmo de algo muito grave, porque fere o direito político dos acionistas exercerem suas pretensões e reclamações, argumenta Bolico.

Por fim, o Instituto Empresa afirma que tramita na Câmara da B3 um procedimento que, além de ressarcir os próprios investidores, pretende responsabilizar os controladores por abuso de poder na gestão. Para o instituto, “a sobrevivência de tal feito depende do quórum de acionistas reunidos. E, daí, a possível resistência da companhia em fornecer a lista e, talvez, em não facilitar a reunião dos investidores”, opina.

A Agência CMA entrou em contato com a Americanas e com a B3 e aguarda posicionamento sobre o caso.