Ação da Cosan despenca 7,5% após compra de participação na Vale; veja análises

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São Paulo – A ação da Cosan (CSAN3) fechou em forte queda, de 7,50%, a R$ 15,40, assim como sua companhia de logística Rumo (RAIL3), que caiu 4,60%, a R$ 18,23 e foram as maiores quedas do Ibovespa, que por sua vez, caiu 0,37, também influenciado pela queda de 2,01% da Vale (VALE3), a R$ 73,99, que tem forte peso no índice.

Considerando o número de ações da Cosan, a empresa já perdeu quase R$ 5 bilhões em valor de mercado desde o fechamento da quinta-feira (6), quando valiam R$ 18,24.

A Cosan anunciou na sexta-feira que adquiriu cerca de 4,9% das ações da Vale com direito a voto. Além disso, a Cosan tem acordo para adquirir outros 1,6% de ações com direito econômico, totalizando 6,5% das ações da Vale. Com esta participação, a Cosan será o terceiro maior acionista da Vale, atrás apenas da Previ (fundo de previdência do BB) e Capital World (fundo de investimento americano).

O BTG Pactual avaliou positivamente a entrada da Cosan como acionista da Vale, por seu amplo histórico de criação de valor e disse que a transação deve ser vista como um alerta para a comunidade de investidores que negligenciou a Vale nos últimos meses (principalmente por preocupações macro).

“Nós reconhecemos que a Vale ainda é altamente influenciada por fatores exógenos na China e o fato de que um investidor estratégico esteja fazendo uma aposta tão grande na companhia reforça nossa confiança na subvalorização material das ações. Neste momento, acreditamos que há mais elementos qualitativos em jogo aqui, mas ainda vemos potencial para a reclassificação da ação versus pares australianos para continuar um pouco mais”, escreveram os analistas analistas Leonardo Correa e Caio Greiner, ao reiterar a classificação de compra das ADRs da Vale, com preço-alvo de US$ 18,00, considerando acurva de minério de ferro de US$ 77 por tonelada, negociadas em torno de 4,5x EBTIDA para 2023.

O BTG também destacou que o valor da transação, assumindo que a Cosan eventualmente converta todos os derivativos em ações da Vale, pode chegar a R$ 22 bilhões, ou quase dois terços do valor de mercado da Cosan.

Em um tom positivo, a análise do BTG cita a capacidade da Cosan de se transformar de uma empresa de açúcar e etanol puro “em um dos conglomerados mais diversificados (e bem sucedidos) de energia, renováveis, logística e recursos naturais.”

“Mais do que nunca, isso é verdade agora. De muitas maneiras, o acordo se encaixa na tradição de longa data da Cosan de investir em empresas com fortes vantagens competitivas e que pode de alguma forma contribuir com sua visão e expertise de gestão. Seu histórico após adquirir participações na Rumo (antiga ALL), Comgás e até mesmo nos negócios de distribuição da Shell atestam isso”, escrevem os analistas do BTG.

Em relação ao financiamento da operação, o BTG destaca que as estruturas equivalem a R$ 21,7 bilhões, sendo a primeira de R$ 13,7 bilhões a mais simples, com a Cosan detendo opção de compra de ações da Vale, associadas ao financiamento “collar”, enquanto as ações funcionam como garantia até sair a decisão de conversão em ações da Vale nos próximos cinco anos.

A segunda estrutura totaliza R$ 8 bilhões e será refinanciada por dois SPVs de grandes credores de ações preferenciais (sem direito a voto) da Raízen e da Compass até que a Cosan exerça a opção de adquirir as ações da Vale em algum momento nos próximos cinco anos. “A beleza desta opção é que toda esta estrutura de financiamento é sem recurso, o que significa que não representa aumento da alavancagem da Cosan do ponto de vista de seus credores”, comenta o BTG.

“Isto também não tem taxa de juros regular. Em vez disso, os juros são acumulados a uma taxa ligeiramente acima do CDI e são amortizados apenas conforme as controladas (Raízen, Compass e Vale) paguem dividendos, parte dos quais (não sabemos quanto exatamente) serão gradativamente deduzidos do principal de R$ 21,7 bilhões ao longo dos anos”, avalia.

Com o tempo, à medida que a Cosan converta as opções de ações da Vale, espera-se que o acréscimo da dívida líquida seja contrabalançado pelo aumento do EBITDA da companhia relacionado aos resultados da Vale.

A Cosan também pode optar por extinguir a estrutura e devolver as ações da Vale para os bancos a qualquer momento.

Confiante na estrutura (e cultura) corporativa construída pela Cosan ao longo dos últimos 14 anos, o BTG avalia positivamente a transação e espera que a companhia preserve a independência de suas subsidiárias. “Embora prefiramos jogar a maior parte do valor da Cosan através de suas subsidiárias no curto prazo, ou pelo menos até que prevejamos uma catalisador que reduziria o desconto (um IPO de uma subsidiária, por exemplo), mantenha-se otimista com a empresa e veja-a como uma forte jogada de transição em nossa cobertura”, comenta o BTG, com recomendação de compra de CSAN3 e preço-alvo de R$ 39,00.

Em boletim matinal, a Genial destaca que a operação levou a Cosan a ser o destaque de baixa da sessão da última sexta-feira, caindo 8,72%. “O mercado reagiu negativamente a mais um passo na diversificação da Cosan, que segue com uma alta alavancagem, adicionado mais complexidade e falta de sinergias em suas unidades de negócio”, comentou a corretora.

“A Cosan combinou ações do mercado à vista com opções para a compra de 4,9%, mais um adicional de 1,6% sujeito à aprovação do Cade para montar uma posição minoritária na Vale, com a posição no fechamento de sexta-feira valendo R$ 18,5 bilhões na bolsa. Após a notícia a ação da Vale que operava em alta, voltou para o zero a zero, enquanto a ação da Cosan caiu 8,7%, sendo mal-recebida pelo mercado pela sua alta alavancagem e falta de sinergia com outros negócios”, analisou a Genial.

O analista Gabriel Araujo, da Guide, destaca que a Vale não possui um acionista controlador desde 2020 quanto o acordo de acionistas entre Previ, BNDES, Bradespar e Mistui expirou. Em sua avaliação,a transação não é relevante para a Vale e a queda nas ações da sexta-feira é uma oportunidade de compra. “O valor elevado da transação e as incertezas sobre as fontes de financiamento devem pesar sobre as ações da Cosan no curto prazo”, opina.

“Sobre os motivos que levaram a Cosan a comprar ações da Vale, foram citados pela a companhia diversificação de portfolio, contribuir na administração da Vale, que é um ativo único e irreplicável e com grande vantagem competitiva no setor, transição energética e descarbonização”, comenta Araujo, sobre a apresentação ao mercado realizada pela Cosan na noite de sexta-feira.

“A Cosan destacou que a transição energética para mais energia eólica e solar, por exemplo, irá demandar altas quantidades de ferro e também níquel e cobre, o que é positivo para a Vale. Além disso, a Vale irá aumentar a diversificação dos negócios da Cosan e aumentar a exposição da empresa à receitas em moeda forte, acrescentou o analista.

Na visão da Levante Ideias de Investimento, a transação, analisada pela perspectiva da Vale, parece positiva e reafirma a visão de que suas ações estão subvalorizadas.

Para a Cosan, a Levante destaca que a participação adquirida chega a 6,5%, sendo 4,9% com direito a voto e 1,6% sem direito a voto, apenas com os direitos econômicos. Da participação com direito a voto, 3,4% são via collar, uma estratégia com instrumentos financeiros derivativos que limita a baixa e a alta das ações, com o restante (1,5%) em ações da Vale já compradas no mercado. Já na participação adicional de 1,6%, esta também foi através de derivativos e poderá ser convertida em ações com direito a voto após aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Com relação ao financiamento da aquisição, a maior parte (cerca de R$ 13,7 bilhões) é financiada pela estrutura de derivativos em até cinco anos e com garantia das ações da Vale. Esta estratégia dá uma maior flexibilidade à companhia, que pode desmontar a operação futuramente com a venda das ações da Vale, alongar o prazo de cinco anos fazendo uma rolagem dos derivativos, ou efetuar o pagamento do collar, ficando em definitivo com as ações.

Já os R$ 8 bilhões restantes provêm de empréstimo ponte (bridge loan) junto ao Bradesco e Itaú, sendo amortizados com dividendos da Raízen e da Compass e sem prazo fixado. Dessa forma, não há um aumento na alavancagem da holding, avaliam os analistas da Levante.

Na avaliação da analista de óleo e gás do Itaú BBA, Monique Greco, a aquisição de participação na Vale vem em linha com a declarada abertura da Cosan a novas oportunidades de investimento em setores onde acredita que o Brasil tem clara vantagem competitiva, a um preço que a empresa vê como uma boa porta de entrada, solidificando seu interesse em frente de mineração.

Já o analista de mineração do Itaú BBA, Daniel Sasson, acredita que o impacto é limitado para a mineradora no curto prazo, pois não espera mudanças abruptas na estratégia da empresa ou na composição do Conselho. “A Cosan não parece estar considerando a aquisição de uma participação adicional neste momento. A princípio, acreditamos que este evento será neutro para a Vale, pois vemos impacto imediato limitado na estratégia da empresa”, comentou.

Além disso, menciona que a Cosan tem um histórico comprovado em outros setores, mas é uma nova participante no negócio de mineração.

Na Vale, a Cosan vê um bom ponto de entrada para o estoque;vantagens competitivas de difícil replicação; e o desbloqueio de valor significativo com investimentos limitados. “Não são esperadas mudanças para os demais empreendimentos de mineração em andamento da Cosan, iniciados em 2021 com a aquisição do porto de São Luís e a criação da JV Mineração”, escreveu Sasson, em relatório com recomendação neutra para as ADRs da Vale, com preços-alvo de R$ 15,00 para 2022.

DETALHES SOBRE A OPERAÇÃO

A Cosan disse que a aquisição de participação de 4,9% na Vale, anunciada hoje, é um novo passo de sua estratégia de alocação de capital e diversificação de portfólio. A transação envolverá financiamento e empréstimo de R$ 21 bilhões com quatro bancos, segundo apresentação enviada à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na sexta-feira após o fechamento.

A transação ocorreu por uma subsidiária e por meio de uma combinação de investimentos diretos (equity) e operação de derivativos e a companhia disse que pretende aumentar sua participação acima do percentual já adquirido e buscará imediatamente a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para tanto.

Até a deliberação, a Cosan estará exposta a uma posição adicional e exclusivamente financeira de 1,6% do capital social da Vale, contratada por operação de derivativo diversa da utilizada para a aquisição, posição essa que poderá ser convertida em participação direta da Vale após autorização do Cade.

Em teleconferência na noite de sexta-feira para dar mais detalhes sobre a operação, a Cosan classificou a operação como um “ativo único e irreplicável, com exposição à moedas fortes e estrategicamente posicionado onde o Brasil tem vantagem competitiva e comparativa” e está alinhada com os seus “valores ESG” (ambientais, sociais e de governança).

A empresa disse que a estrutura financeira da operação limita riscos financeiros e traz opcionalidades para a companhia.

A aquisição de participação minoritária na Vale inclui 4,9% de participação com direito a voto, com 1,5% de equity direto e 3,4% via instrumentos financeiros derivativos com proteção de downside do preço das ações da mineradora (collar). Além de 1,6% adicionais apenas com direito econômico (segunda estrutura de derivativos também com proteção de downside do preço das ações da Vale, forward e collar).

A operação também contempla a opção de conversão da segunda estrutura de derivativos (com direitos econômicos) em estrutura de derivativos com direito a voto após a aprovação do Cade.

A empresa submeterá à avaliação do Cade um aumento de participação acima de 5%. Uma vez aprovado, a Cosan terá a opção de converter a segunda operação de derivativos na estrutura com direito a voto.

Caso haja a conversão, a Cosan terá ao final 6,5% de participação em ações ordinárias da Vale, sendo 5% com proteção contra downside da ação da Vale (collar). “Estruturas de derivativos protegem contra downside no preço da ação da Vale e, em contrapartida, limita potencial upside”, disse a Cosan na apresentação.

A transação será financiada por uma combinação de linhas de crédito non-recourse de longo prazo “Collar financing” (derivativos) do JP Morgan e Citi e empréstimo-ponte a ser refinanciado com estrutura de equity com ações preferenciais (não dívida) pelo Bradesco e Itaú.

A Cosan avalia que a estrutura da transação traz opcionalidades e reafirma a tese sobre o ativo, protegendo os interesses de seus acionistas e limitando potenciais perdas através do desmonte das estruturas de derivativos através da venda das ações pertencentes às estruturas (colateral) para os bancos financiadores sem risco de crédito; refinanciamento (alongamento do prazo) das estruturas de derivativo ou pagamento do collar financing, desfazendo da operação de derivativos e ficando exposta à ação da Vale.

A Cosan também disse que não precisará emitir capital para financiar o pagamento do collar financing.

O financiamento da operação será através de linhas de crédito de longo prazo de R$ 8 bilhões em empréstimo ponte refinanciado por operação de equity -ações preferenciais resgatáveis de holdings que possuirão as ações da Raizen e Compass e aproximadamente R$ 13 bilhões, restante da operação, é financiado via estrutura de derivativos em até 5 anos com garantia das ações da própria Vale.

A companhia estima manter a sua alavancagem “em níveis adequados” com várias alternativas de pagamento da estrutura de derivativos.

Inicialmente, haverá incremento na dívida bruta compensado pela inclusão das ações como títulos e valores mobiliários (TVM).

Em um segundo momento, ativo será classificado como investimento patrimonial com aumento da dívida líquida compensado pelo aumento do EBITDA (equivalência patrimonial).

O empréstimo ponte será refinanciado por operação de equity (ações preferenciais) que não afetam endividamento da Cosan.

Entre as alternativas para pagamento do collar financing, a companhia cita dividendos de empresas do portfolio atual e da Vale, liability management via mercado de dívida interno, externo e alongamento das estruturas de derivativos e venda de ativos e participações minoritárias nos próximos anos.

“A Cosan não precisará emitir capital para financiar o pagamento do collar financing e a operação não afeta os planos de investimento das controladas”, destacou.

Por fim, a Cosan disse que a entrada na Vale ocorre em momento favorável para o seu portfólio, pois combina mix de produtos essenciais na economia e relevantes para a transição energética, que requer consumo de metais altamente intensivo.