União Brasil precisa aparar arestas para ganhar relevância

817
O presidente do PSL e futuro presidente do União Brasil, deputado Luciano Bivar, após encontro com o presidente Jair Bolsonaro. (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

São Paulo – O União Brasil, partido que resultará da fusão entre o Democratas e o Partido Social Liberal (PSL), será uma agremiação à direita do espectro político e com bastante alinhamento interno de seus membros a respeito da necessidade de uma economia mais liberal, mas terá dificuldade em se diferenciar da plataforma política do presidente Jair Bolsonaro caso não apare arestas em relação à postura de seus integrantes em assuntos sociais.
O PSL, embora seja um dos maiores partidos na Câmara, com 53 deputados, surfou a onda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro na eleição de 2018. Com a desfiliação do chefe do Executivo, será mais difícil ter o mesmo sucesso nas urnas em 2022. O Democratas tem 28 deputados, mas está longe da lista dos partidos com mais representação na Casa – é o décimo primeiro em número de assentos.
No Senado, o PSL tem duas cadeiras, e o Democratas, seis. Somados possuem cerca de 10% dos 81 assentos na Casa Revisora. O Democratas perdeu força no Congresso com a desfiliação de seu integrante com o mais importante cargo público, Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, que optou pelo Partido Social Democrático (PSD), almejando disputar a Presidência da República.
A fusão dos dois partidos era esperada pelo menos desde a metade deste ano e reflete os obstáculos crescentes à operação de partidos menores no Congresso Nacional – decorrentes da proibição de coligações nas eleições para deputados e da cláusula de barreira.
A proibição de coligações impede que partidos possam se unir em grupos nas eleições para o Legislativo. Esta prática, em anos anteriores, ajudou a beneficiar agremiações menores e com pouca representatividade. Isso porque elas ganhavam notoriedade ao se unir com partidos maiores, que em contrapartida ganhavam mais tempo de propaganda eleitoral na televisão.
A cláusula de barreira determina critérios mínimos para o acesso aos recursos do Fundo Partidário. A ideia por trás da regra é dificultar a sobrevivência financeira de partidos com poucos votos, que dependem essencialmente deste fundo. Em 2020, ele somou R$ 934 milhões.
A verba é distribuída de acordo com os assentos que cada partido conquistou na Câmara nas eleições de 2018 – ou seja, quem teve mais votos recebe mais recursos. Em 2020, o PSL foi o partido mais beneficiado (R$ 98 milhões), seguido do Partido dos Trabalhadores (PT), que recebeu R$ 82 milhões.
Com a cláusula de barreira, fica gradativamente mais difícil acessar este dinheiro. A partir de 2030, haverá duas alternativas para que os partidos continuem tendo acesso aos recursos do fundo.
A primeira via é obter ao menos 3% dos votos válidos na eleição para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas. A segunda via é conseguir eleger pelo menos quinze deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.
Em 2022, os critérios serão um pouco mais frouxos do que a regra de 2030, porém mais rigorosos que na eleição de 2018. No caso da primeira via, seriam necessários no mínimo 2% dos votos válidos em um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Na segunda, os partidos teriam que eleger ao menos onze deputados federais em no mínimo um terço das unidades da Federação.
“O sistema político brasileiro premia partidos maiores, sobretudo por conta do aspecto proporcional ao número de votos dos recursos eleitorais – financeiros e no horário eleitoral. Diante desta tendência de redução no número de partidos a partir dessa proibição [das coligações] e da cláusula de barreira, pode resultar uma chance de sucesso maior em manter representação mais elevada a partir de 2023”, disse o sócio e cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez.
Ele acrescentou que, além da questão de adaptação à legislação eleitoral, a fusão dos dois partidos “cria um fato novo” capaz de atrair lideranças políticas – e votos – para o União Brasil.
“A fusão partidária sinaliza um fato novo e traz uma preocupação que não se reflete só para 2022. E com isso aumentam as chances de esta nova legenda eventualmente se transformar num polo aglutinador do eleitorado de direita, dado que o presidente Bolsonaro não institucionalizou a vitória de 2018 numa legenda para mobilizar e organizar este eleitorado”, acrescentou.
ESTRATÉGIA ELEITORAL
Para atrair o eleitorado da direita, no entanto, o União Brasil terá o desafio de se diferenciar de Bolsonaro, uma tarefa que exigirá maior coordenação interna nos temas sociais. Isso porque PSL e DEM votaram praticamente em uníssono nos principais temas econômicos levados ao plenário da Câmara dos Deputados neste ano.
Ambos foram favoráveis à privatização da Eletrobras e dos Correios, ao aumento da CSLL, à autonomia do Banco Central e à reforma do imposto de renda, por exemplo.
Os dois partidos também foram contrários a suspender temporariamente ações de despejo durante a pandemia de covid-19, e votaram majoritariamente a favor de tornar a educação uma atividade essencial – o que na prática ajudava a forçar o retorno presencial das aulas, algo considerado condicional para a retomada das atividades presenciais.
Foi em assuntos fora da pauta econômica que foram observadas as poucas discordâncias entre as duas agremiações. A mais notória delas aconteceu na revogação da Lei de Segurança Nacional e substituição dela por novos itens no Código Penal.
O PSL votou contra as alterações – em particular por não conseguir incorporar ao projeto dispositivos que permitissem criminalizar grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, enquanto o Democratas foi com a maioria e aprovou o projeto.
Os partidos também discordaram quando a Câmara dos Deputados votou sobre a instituição da semana escolar de combate à violência contra a mulher. O PSL foi contra o projeto por receios de que ele fosse usado para doutrinar estudantes. O Democratas votou a favor.
A deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), disse na ocasião que “automaticamente nós estaríamos absorvendo o conteúdo integral da Lei Maria da Penha, no qual há dispositivos bastante, sim, polêmicos e problemáticos, como, por exemplo, as questões de gênero e dos famigerados direitos sexuais e reprodutivos. A Lei Maria da Penha já trata disso no seu bojo. Se nós colocarmos a Lei Maria da Penha na escola, evidentemente esse conteúdo será ali absorvido.”
A deputada Dorinha Rezende (DEM-TO), que falou minutos depois de Tonietto naquele dia, afirmou: “não existe nada que nos preocupe neste projeto, ao contrário. Ele vai ser desenvolvido com orientações em cada uma das escolas, com discussões sobre as relações e sobre a proteção da mulher.”
Para Cortez, da Tendências Consultoria, o União Brasil pode se diferenciar de Bolsonaro mostrando-se um defensor dos valores democráticos. “De alguma maneira este tema emergiu como importante no discurso político. A estratégia de combinar condição democrática com agenda econômica percebida como liberal. Mas não me parece que vai ser suficiente para criar identidade muito diferenciada.”
O presidente do União Brasil, Luciano Bivar, confirmou a análise de Cortez. Em entrevista à Agência CMA, ele afirmou que os grandes diferenciais do partido são dois: “Um, tem uma política identitária. Outro, tem política que atenta aos princípios das democracias e das instituições. Com Isso nós nos distanciamos [de outros partidos] de forma abissal.”
No lado do Democratas, o discurso é semelhante: “defendemos as causas sociais, inclusive a superação da pobreza, com a educação como vetor de transformação, com a defesa rigorosa pela democracia das instituições e liberdade econômica”, disse o líder do partido na Câmara dos Deputados, Efraim Filho (DEM-PB).
DISSIDÊNCIAS
O alinhamento com o governo Bolsonaro é outro aspecto que pesa no União Brasil e deve provocar a saída de dois importantes nomes do Democratas: a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, e o ministro do Trabalho e da Previdência, Onyx Lorenzoni, ambos deputados federais com aspiração a voos mais altos.
Onyx é potencial candidato ao governo do Rio Grande do Sul e Tereza Cristina deve concorrer ao Senado por Mato Grosso do Sul. O diretório do Democratas do Rio Grande do Sul, presidido por Rodrigo Lorenzoni, filho do ministro, votou contra a fusão com o PSL.
O ministro disse haver muitas dúvidas em relação ao posicionamento doutrinário do União Brasil. “O partido vai ter candidato próprio à Presidência da República? O partido vai liberar os estados ou vai apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro? Para nós bolsonaristas isso é fundamental”, disse Onyx.
Na entrevista concedida após a aprovação da fusão, Bivar – que preside o PSL – e o presidente do Democratas, ACM Neto, indicaram que o União Brasil tanto pode ter candidato próprio como apoiar um nome de outro partido em 2022.
“É uma eleição que não tem lugar para muro. Fico preocupado que esse partido resolva ter uma atitude de tucanato de direita: aquele partido que fica em cima do muro, que não desce do muro e, portanto, não responde ao que o eleitorado quer”, afirmou o ministro.
Para Onyx, é preciso, nas próximas eleições, consolidar o governo de direita e evitar a volta do PT ao poder. “Queremos outro caminho para o Brasil que me parece bastante distante da forma como a cúpula do União Brasil enxerga o Brasil de hoje e o Brasil de amanhã”, completou.
Cortez, da Tendências, ressalta que o União Brasil pode ser um partido de direita expressivo mesmo sem lançar candidato próprio para a Presidência da República por possuir participação relevante no Congresso. “A barganha política vai ficando mais custosa. Se conseguir gerar uma assimetria de poder, mesmo não disputando eleição para a presidência, isso o coloca numa posição mais privilegiada.”
Para o deputado Efraim Filho, o União Brasil “tem tudo para ser protagonista nas eleições de 2022. A sigla tem excelentes quadros e muita disposição. Apostamos nisso e com uma grande possibilidade de ter um cenário nacional próprio, já com grandes nomes fazendo parte, como por exemplo o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, e o apresentador [José Luiz] Datena.”