PERSPECTIVA: Setor de saúde busca recuperação após efeitos da pandemia

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Foto: Marcos Santos/USP Imagens

São Paulo – Os investidores ficam atentos às perspectivas relacionadas às ações do setor de saúde, após alguns dados recentes que chamaram a atenção sobre uma possível crise financeira no setor e resultados fracos no primeiro trimestre. Mas, com diante de alguns sinais de recuperação neste trimestre e melhores previsões para o cenário macro, algumas ações de saúde listadas na Bolsa voltaram a subir após despencar em abril. Entenda o que está por trás deste quadro.

O que aconteceu?

Após lucro recorde de de R$ 18,7 bilhões em 2020, com a chegada da pandemia, depois R$ 3,8 bilhões em 2021 e, em 2022, os planos de saúde registraram lucro conjunto de apenas R$2,5 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Esse valor representa só 0,001% das receitas totais, que somaram R$237,6 bilhões. Ou seja, um único centavo de lucro para cada R$1.000.

Em 11 de maio, a agência reguladora revisou o prejuízo operacional das operadoras médico-hospitalares de R$ 11,5 bilhões, para prejuízo de R$ 10,7 bilhões, após as retificações promovidas pelas operadoras. Até 2 de maio, o resultado das operadoras médico-hospitalares foi de prejuízo de R$ 529,86 milhões, 0,23% da receita efetiva de planos. Com o ajuste realizado, o aumento do lucro total agregado ficou em R$ 606,38 milhões, o que representa 0,25% da receita efetiva de operações de saúde do setor ou seja, para cada R$ 100,00 de receita efetiva, o setor auferiu R$ 0,25 de lucros ou sobras em 2022.

O resultado ligeiramente no verde foi em grande parte cortesia dos ganhos com aplicações financeiras das operadoras de saúde, que renderam R$9,4 bilhões para o setor em 2022, quando os juros chegaram aos atuais 13,75%.

Um dos principais indicadores do setor, o índice de sinistralidade – que mostra a porcentagem da receita das empresas que é gasta para pagar as consultas, exames, cirurgias e demais procedimentos médicos de seus contratantes — chegou a 89,21% no quarto trimestre. Isso indica que a cada R$ 100 da receita dos planos, R$ 89,21 foram destinados ao pagamento de despesas assistenciais com consultas e exames. Desde 2018, o indicador só cresce, exceto em 2020, por conta da pandemia (83,2% em 2018, 84,5% em 2029, 77,7% em 2020, 87,10% em 20221 e 89,2% em 2022).

A sinistralidade representa 90% do resultado financeiro de uma operadora de saúde, explicou o analista financeiro Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos.

Outro levantamento, realizado pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa as operadoras, indica que as receitas dos planos de saúde cresceram 5,6%, enquanto as despesas aumentaram 11,1%, no período entre 2021 e 2022.

Pedro Serra, analista de research da Ativa Investimentos, considera difícil falar sobre o cenário atual do setor sem comentar o que aconteceu da pandemia para cá, com todo o contexto que trouxe uma pressão de custos para o setor. As pessoas usando mais o sistema de saúde, a princípio, parece bom para hospitais e laboratórios. Mas eles têm que repassar para planos de saúde, que estão pressionados pelos custos, com muitos casos de glosas [o não pagamento, por parte das operadoras, de inúmeros procedimentos, como atendimentos, internações e exames, entre outros, realizados pelas prestadoras de serviços de saúde]. Nesse ano e em 2022 houve muitos casos de fraudes. As mudanças no rol taxativo trouxeram mais insegurança jurídica e mais custos para o setor, e tudo isso começou a pesar o setor como um todo. Além disso, houve inflação de custos, de médicos, de materiais e o componente dólar, contextualiza.

Pedro Serra, analista de research da Ativa Investimentos. Crédito: Divulgação/Ativa.

A crise financeira do setor também esbarra em decisões da ANS, como a inédita queda de 8% nos planos de saúde individuais após recuo no uso dos serviços em 2020, e no contexto da pandemia. Em julho de 2021, a ANS definiu que os planos individuais e familiares tivessem um reajuste negativo no período de maio de 2021 a abril de 2022, fase da pandemia. A decisão foi tomada pela diretoria colegiada em base à redução do serviço à época devido à pandemia da covid-19. Mas, os reajustes voltaram com força e a ANS autorizou um aumento para os planos individuais familiares e individuais contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei 9.656/98 em 15,5%.

Além dos procedimentos eletivos que ficaram represados por conta da pandemia, as pessoas começaram a se preocupar mais com a saúde ou acumularam problemas de saúde e, com a reabertura, lotaram os serviços médicos. Isso trouxe um descompasso entre a receita, por conta da determinação da ANS, e da própria dinâmica do setor que, estava mais agressiva, fazendo promoções para adquirir novos beneficiários e, por outro lado, uma grande utilização por parte deles”, explica Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research.

Segundo Ferrer, 2022 foi recorde em termos de sinistralidade, ou seja, os beneficiários utilizaram muito os serviços e “as empresas acabaram acumulando grandes prejuízos; nos últimos trimestres elas tiveram resultados muito ruins”, afirmou Ferrer.

Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research. Crédito: Divulgação.

O pior já passou?

Apesar dos dados ruins em abril, agora, o mercado financeiro avalia que o pior já passou. A frase é um bom resumo para traduzir o sentimento dos analistas sobre as perspectivas para o setor de saúde para os próximos meses.

O BTG Pactual aponta que os resultados do primeiro trimestre das principais empresas de saúde (Hapvida, Rede DOr e Fleury) mostraram que o setor chegou a um ponto de inflexão e vai, gradualmente, recuperando os níveis de lucratividade. Os balanços mostraram que o indicador de sinistralidade-caixa (MRL) melhorou na maioria das operadoras, reflexo do aumento dos tickets médios e da diminuição da sinistralidade. Por outro lado, o aumento das mensalidades, em média 11%, fez o número de vidas recuar na maioria dos planos, mas isso também deverá ajudar as operadoras a recompor suas receitas devido à menor utilização, o que é bom para os custos.

Com relação ao desempenho das ações, a análise do BTG mostrava a situação das ações do setor em relação ao Ibovespa, que subiu 3% nos últimos três meses. Em alta, Oncoclínicas (ONCO) +35%; Fleury (FLRY) +11%; Rede DOr (RDOR) +4% MaterDei (MATD) +3%; Alliança Saúde (AALR) +2%. Em baixa: Kora Saúde (KRSA) -6%; Viveo (VVEO) -10%; ; Qualicorp (QUAL) -10%; Odontoprev (ODPV) -16% Blau (BLAU) -25%; e Hapvida (HAPV) -25%. Não acreditamos em uma recuperação do setor em forma de V tão cedo. Mas estamos mais otimistas em relação ao crescimento da lucratividade, mas de uma forma gradual. Mantemos nossas preferências no setor em Rede DOr, Hapvida e Mater Dei, comentou o BTG, em relatório divulgado em 22 de maio.

Para Pedro Serra, da Ativa Investimentos, em 2023, o setor está com o desafio de repassar o aumento de custos para os clientes finais. Em 2023, provavelmente haverá melhora no tíquete médio dos hospitais e laboratórios, conseguindo repassar essas coisas para os planos de saúde, e os planos de saúde reajustando em média 10%, 15% e 20% para esse ano para repassar tudo isso que está acontecendo e fazer um ajuste grande.

Entre as empresas que a Ativa cobre, Hapvida e Rede D’Or, a perspectiva é positiva, pois prevê uma dinâmica de normalização da expectativa, cada empresa com suas questões específicas. A Hapvida tem uma integração da fusão com a NotreDame para fazer, e a Rede D’Or com a SulAmérica. Mas olhando para o setor como um todo, a tendência é positiva de ir melhorando, ir voltando ao normal, aliviando e repassando custos, avalia Serra.

Rafael Barros, analista de saúde da XP, avalia que as expectativas para o setor de saúde nos próximos meses dependerão dos dados sobre adição de beneficiários e como cada operadora está absorvendo isso. Para que a performance dessas ações se sustente nos próximos meses, dependerá da apresentação de dados positivos, tanto em número de planos de saúde, quanto em dados financeiros das operadoras de saúde, que acabam tendo impacto em todo o setor, pontua. Por que a gente tem visto esse número vir um pouco fraco nos últimos meses, o que significa que, olhando para frente, o número de pacientes e o número de planos que usariam a rede de hospitais de laboratórios acaba ficando de lado, o que limita um pouco o crescimento orgânico dessas empresas.

Rafael Barros, analista de Saúde e Educação da XP. Foto: XP.

Segundo o analista da XP, será importante observar se a tímida melhora de margem e de lucratividade das operadoras no primeiro trimestre deve continuar nos próximos trimestres. Isso é um fator que vai impactar bastante a percepção dos investidores e, por consequência, a performance das ações. Quer dizer, se os investidores passarem a acreditar que o mercado de planos de saúde vai crescer ou que as operadoras conseguem continuar melhorando a perspectiva de margens, é muito provável que as ações continuem performando bem.

Barros destaca que há uma pressão muito grande dos planos de saúde em cima dos hospitais, laboratórios e clínicas, para conseguir controlar um pouco melhor o custo, o que tem pressionado as margens e o crescimento de receita dos prestadores. Isso tem uma correlação muito forte com essa pressão de margem das operadoras que as fontes pagadoras estão sofrendo. Então, à medida que o setor como um todo se torna mais saudável, os prestadores também devem se beneficiar de uma melhora da rentabilidade do setor como um todo.

Fernando Ferrer, analista da Empiricus Research disse que o setor estava “largado às traças e depois de muito tempo começa a chamar a atenção do investidor, é resiliente, cresce e tem bastante oportunidade de consolidação”.

As perspectivas para a saúde do setor parecem melhores, como a do grupo hospitalar Rede D’Or e da operadora Hapvida, e o ponto de inflexão no primeiro trimestre é a melhoria da sinistralidade, capacidade de repasse de preço e nível mais controlado de suas operações. “As empresas estão focando mais em rentabilidade e menos em crescimento, acho bastante benéfico dado esse cenário de crise do setor”, ressaltou Ferrer.

O analista da Empiricus Research comenta que as pessoas continuam usando bastante seus planos, o que acaba sendo ruim para as companhias prestadoras de serviço como a Hapvida, mas dada a precificação mais correta que elas fizeram nos últimos tempos, ele também vê ponto de virada no setor.

Em relação à Hapvida (HAPV3), o analista da Empiricus Research recomenda a compra, pois vê o papel muito barato, sendo negociado a valores bem depreciados do que pode oferecer. Os riscos são grandes porque a empresa está passando por uma situação mais complicada por conta do cenário que já comentei e o setor de saúde segue com uma sinistralidade muito alta”.

Já a Rede D’Or, apesar de ser uma das melhores empresas do setor, segundo Ferrer, a decisão é ficar fora da ação. A companhia tem uma dívida vultosa [R$ 15,506 bilhões], grande parte do resultado operacional é corroído pela despesa financeira alta, ela tem capex, ou seja, a projeção de investimento vai consumir o capital da empresa.

Ricardo Brasil, fundador da Gava Investimentos, também acredita que o setor pode melhorar no ano que vem, com a possível queda na taxa de juros, o que impactaria na diminuição do endividamento das empresas. Os juros atuais consomem grande parte da lucratividade das empresas, quase inviabilizando o negócio. Atualmente, elas pagam, em média, 16% em taxas de dívidas. Tem empresa no setor que vive para pagar juros, que o faturamento não paga nem os juros dependendo do seu endividamento. Mas o efeito do recuo da Selic não será sentido a curto prazo, enfatizou Brasil.

FUSÕES E AQUISIÇÕES

Diante da pressão de custos e endividamento das empresas e da restrição imposta aos investimentos pelo atual patamar da taxa de juros, os analistas avaliam que, pelo menos no curto prazo, novas fusões e aquisições não devem ocorrer no setor de saúde.

Na visão de Rafael Barros, da XP, todo o setor de saúde está olhando mais para dentro de casa, buscando ganhar eficiência e tornar-se mais lucrativo. E à medida que a taxa de juros começar a baixar e que se tenha um pouco mais de clareza quanto à performance da economia como um todo, é mais possível que a gente veja fusões voltarem a acelerar.

No entanto, ele ressalta que não espera uma retomada do ciclo de consolidação do setor em todos os segmentos, mas operações em hospitais e entre empresas de segmentos diferentes têm mais chance de ocorrer, mas dependendo de uma melhoria de cenário. Alguns segmentos já se tornaram bastante consolidados, bastante concentrados, com poucas grandes aquisições para serem feitas. Um exemplo é o das operadoras de saúde. A Hapvida tem quase 20% do mercado de planos de saúde no Brasil. Então, mesmo que a companhia faça aquisições, devem ser menores, que não faria tanta diferença dentro do todo, do tamanho que eles adquiriram.

Outros exemplos são, em laboratórios, com a Dasa praticamente alcançada pelo Fleury após a fusão com o Hermes Pardini, e em oncologia, também não deve ter uma consolidação tão grande quanto a da Unity pela Oncoclínicas, que é líder de mercado. Uma outra coisa que pode acontecer são aquisições de empresas de segmentos diferentes, como o da Rede D’Or, uma prestadora de serviços hospitalares, comprando a SulAmérica, uma operadora de planos de saúde. Mas, em resumo, nas condições atuais do mercado, com as empresas com endividamento alto e juro alto, acabam limitando esse tipo de movimento.

Luiz Penno, sócio da área de Investment Banking do Ártica, também não espera, por ora, operações de fusões e aquisições no setor de saúde, pois a margem da cadeia (tanto das fontes pagadoras, as operadoras de saúde, quanto dos prestadores de serviço, como hospitais e clínicas) está espremida, então há menos capital disponível para investimentos no momento. Outro motivo são os múltiplos das empresas listadas em bolsa, o que impacta nos múltiplos que são ofertados pelos compradores ativos. Do lado dos vendedores, para quem não tem pressa para fazer negócio, o ideal é esperar. No médio a longo prazo, devemos voltar a ver um grande número de transações, porque o setor ainda é muito fragmentado, o que gera bastante ineficiência de custos, avalia.

Para o analista da Empiricus Research, os processos de aquisição e fusão só vão acontecer quando os juros começarem a cair e as empresas diminuírem a alavancagem. “É muito cedo porque as empresas estão alavancadas, elas estão focadas mais em rentabilização, em adquirir todas as aquisições que fizeram, olhando mais para a superação do dia a dia do que para outras empresas e tentar crescer. O crescimento fica em segundo plano nesse momento; quando as empresas conseguirem gerar caixa e forem reduzindo sua alavancagem, em algum momento esse ‘trend’ [tendência] vai voltar e as empresas vão voltar com seu pipeline com fusão e aquisição.”.

Reportagem: Emerson Lopes e Soraia Budaibes/ Agência CMA.