PERSPECTIVA: Investimento em estatais após a troca de governo: é hora de comprar, manter ou vender?

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São Paulo – As incertezas relacionadas à mudança de governo, com a volta do PT à presidência após a Lava Jato, têm gerado volatilidade na Bolsa e nas ações das estatais federais, principalmente da Petrobras. Analistas e bancos de investimentos colocam em dúvida o futuro da governança e da rentabilidade da petrolífera, do Banco do Brasil e, em menor grau, da privatizada Eletrobras, em relação à remota chance de o atual governo reverter o processo.

É consenso de que o mercado não gosta de indefinições em geral, sejam elas favoráveis ou não para os investimentos, nem da interferência do acionista controlador na gestão das companhias. O que é certo é que, com o ruído instalado, as revisões de recomendação e preço-alvo por bancos de investimento já começam a derrubar o preço das ações, que podem cair ainda mais caso se confirmem as mudanças que possam afetar negativamente os resultados das companhias.

Na Petrobras, o governo federal detém 28,67% das ações da empresa. A ação ordinária (ON) da companhia na B3 é a PETR3, que permite o exercício do direito de voto nas Assembleias de Acionistas. A ação preferencial (PN) é a PETR4, que não dá direito a voto, mas oferece outras vantagens, como destacar o direito de receber o seu dividendo de forma prioritária e nos percentuais mínimos estabelecidos no Estatuto, desde que a companhia apure lucro no exercício social.

Toda a área de governança da empresa foi reformulada, a partir de 2015, depois do acordo com o Departamento de Justiça americano imposto pela operação Lava-Jato. O presidente da República, em nome do acionista majoritário, a União, indica o nome mas quem lhe dá posse é o conselho de administração.

Desde que chegou ao Palácio do Planalto, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro demitiu três indicados que ele mesmo sugeriu para o comando da estatal. Todos saíram após a companhia anunciar reajustes nos preços dos combustíveis.

No terceiro trimestre deste ano, a companhia conquistou o título de maior pagadora de dividendos do mundo, com US$ 9,7 bilhões no terceiro trimestre. No ano, a companhia distribuiu praticamente todo o lucro de 2022 (que foi cerca de R$ 26,3 bilhões) devido ao seu baixo plano de investimentos. Assim como Bolsonaro e seus aliados criticaram o lucro da empresa, a distribuição de dividendos da Petrobras também tem sido alvo de críticas pelo governo eleito.

No Banco do Brasil, o governo federal possui o controle da instituição, com 50% das ações. Em abril de 2021, anunciou Fausto Ribeiro no lugar de André Brandão, que renunciou menos de quatro meses após sua posse após pressão de Bolsonaro depois do anúncio do plano estratégico da companhia de fechar 112 agências e desligar 5 mil funcionários. A nomeação de Ribeiro causou polêmica por seu currículo e levou à renúncia de parte do conselho de administração.

No caso da Eletrobras, após a capitalização, em junho, tornou-se uma corporation, empresa sem controlador definido. O governo possui 34,85% do capital social da empresa, ou 40% das ações via União ou BNDES, além de uma golden share, ação especial capaz de vetar determinadas decisões, sem precisar consultar os demais acionistas. O estatuto da empresa tem uma trava que impede que acionistas tenham mais do que 10% dos votos, mesmo que possua mais do que isso de ações ordinárias (com direito a votar nas decisões da empresa). Essa restrição diminui a capacidade de influência da União na gestão da empresa, mas pode ser alterada pelos controladores.

O atual governo também inseriu uma pílula do veneno para que qualquer acionista que tentar tomar o controle da empresa precise pagar até três vezes mais pelas ações, de modo a desestimular esses movimentos e sua retirada depende de um acordo com os demais sócios.

O que dizem as corretoras

O analista de research da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman, acredita que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já conta com um primeiro desafio: tem de dialogar com o Congresso Nacional e o Senado, que são compostos majoritariamente por parlamentares de centro-direita. Entre as estatais federais, a escolha de Arbetman é pela Eletrobras, que tem recomendação de compra, por conta das condições societárias pós capitalização e do alto custo de uma provável re-estatização, de cerca de R$ 300 bilhões, para a União, o que deve afastar as chances de que isso aconteça.

Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos. Divulgação.

Para a Petrobras, a Ativa mudou a recomendação de compra para neutra, por causa da grande volatilidade pela qual a ação passa. O caráter social realçado pela próxima gestão federal pode sim resultar em um conflito maior com o ganho dos investidores, comenta Arbetman.

Em relação ao Banco do Brasil, a Ativa vê o papel sendo historicamente negociado com desconto perante os pares privados, mas avalia que, adepender de quem vai ser o próximo CEO do banco público no próximo governo, o desconto pode ser maior e, por isso, a recomendação também é neutra. Como a Petrobras e o BB têm o controle do governo federal,o mercado está enxergando um risco maior.

O analista Jader Lazarini, do hub de investimentos TradeMap, disse que o investidor deve avaliar qual é a equipe econômica, suas propostas e se elas vão ao encontro do que ele espera para aqueles ativos se existe a possibilidade de privatização ou de maior influência estatal motivada por viés político, por exemplo. Existem empresas controladas pelo governo que possuem riscos diferentes no que se refere à governança. No caso da Petrobras, há a possibilidade de mudança na precificação dos combustíveis; no Banco do Brasil, há a chance de os juros serem mais subsidiados. Ambos são riscos, embora de natureza e gravidade diferentes. Entretanto, há estatais que independem do viés federal e caminham para uma solução de mercado, como é o caso da Copel e da Sabesp, que podem se aproximar das privatizações, detalhou Lazarini.

Jader Lazarini, do TradeMap.

O analista também lembrou que o investidor que deseja investir em ações de estatais deve, prioritariamente, observar o preço e a possibilidade de mudança drástica dos rumos, caso as empresas estejam sendo bem geridas, o que é difícil dada a falta de clareza acerca da transição do governo. É natural que as estatais negociem com desconto em relação a seus pares por conta da aura negativa sobre a governança. Então, não é de se esperar que atinjam valuations do setor privado, mas podem existir exageros. Atualmente, o Banco do Brasil negocia a 2,4 vezes seus lucros, o múltiplo é três vezes menor do que a média dos últimos 36 meses. O banco já está muito depreciado, ponderou Lazarini.

Para Rodrigo Cohen, cofundador da Escola de Investimentos, o investidor que pretende comprar ações de estatais deve observar qual é o estilo de gestão do governo, muito mais do que a empresa especificamente. Caso seja um governo que coloca o estado na frente, como o PT, que escolhe, na maioria das vezes, políticos e não técnicos para dirigir a companhia, existe uma intervenção muito grande sobre a estatal e, com isso, uma grande imprevisibilidade, observou Cohen, que lembrou que no último dia 22, o UBS BB rebaixou a recomendação da ação preferencial da Petrobras de compra para venda e cortou o preço-alvo das ações de R$ 47 para R$ 22.

Cohen também comentou que o investidor que já tem ações de estatais deve, neste momento, olhar a estratégia que utilizou quando comprou o ativo. Caso tenha entrado porque vê a estatal com uma boa gestão, agora deve reavaliar já que empresa pode começar a ter resultados desfavoráveis. Eu não investiria em estatal. É preciso estipular um limite de perda e sair, caso atinja esse limite. A outra opção é se conformar e entender que o ativo é para longo prazo, independentemente do governo, e mantê-lo. Isso depende do estilo do investidor e de sua estratégia, avaliou.

Lazarini, do TradeMap, destacou que a Petrobras, a maior dentre as estatais, apresentou resultados sólidos no terceiro trimestre deste ano, tendo geração de caixa livre de 50% do valor de mercado na visão anualizada e anunciado a distribuição de fortes dividendos. A companhia é a estatal que mais sofre com o fluxo de notícias relacionadas à transição do governo, mas tem negociado a múltiplos que a tornam a petroleira mais barata do mundo. Deve começar 2023 com a mesma eficiência operacional dos últimos dois anos, mas com o Brent em menor patamar, o que pode pesar sobre as receitas, explicou.

Do lado financeiro, Lazarini disse que Banco do Brasil, BB Seguridade e Caixa Seguridade apresentaram resultados sólidos, com forte alta do lucro na comparação anual. O incremento das margens é um fator que deve continuar aparecendo ao longo de 2023, com a completa reprecificação dos produtos de crédito e seguridade.

Milton Rabelo, analista da VG Research, avalia que o momento é de manutenção das posições em Petrobras e Banco do Brasil, já que, no momento, há um baixo nível de visibilidade sobre como se dará a relação entre o governo eleito e as empresas estatais. Por um lado, o governo eleito sinaliza que pretende aumentar o nível de ingerência, por outro, não está claro se haverá condições políticas para contornar a Lei das Estatais e o fortalecimento da governança dessas ocorrido nos últimos anos.

No caso do Banco do Brasil, especificamente, Rabelo afirma que existe um temor que o governo eleito venha a aumentar o crédito subsidiado e direcione a carteira da instituição para produtos com menores spreads, o que poderia vir a deteriorar o ROE do banco. No entanto, o banco estatal conta com uma governança relativamente blindada contra as intervenções políticas por possuir um planejamento estratégico de longo prazo a ser seguido independentemente da presidência do banco. Além disso, 50% do conselho de administração do banco é formado por conselheiros independentes que também participam dos comitês de assessoramento.

Idean Alves, sócio da Ação BrasilPara Idean Alves, sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, as estatais surfaram na recuperação econômica em 2022, com PIB crescendo mais de 3% no ano, superávit primário, maior demanda pelos serviços prestados por elas, e boas gestões atuando, que permitirão um ano bem acima da média em especial para Petrobrás, Copel, Banco do Brasil, entre outras, o que vai refletir diretamente nos dividendos distribuídos por elas.

“Em 2023 temos uma grande incógnita se as condições do “jogo” vão continuar as mesmas, se sim, podemos ter uma manutenção ainda que parcial dessa boa performance. Agora se tivermos ingerência por parte do governo, manobras para controle da inflação via estatais, o que afeta os lucros, e os acionistas, crédito cada vez mais caro, poderemos ter as estatais lucrando menos, e com muitos acionistas evitando esse tipo de empresa. Cenas para os próximos capítulos”, explicou Alves.

Idean Alves, sócio da Ação Brasil

Por outro lado, o chefe da mesa de operações da Ação Brasil lembrou que, normalmente, o mercado exagera, tem um “excesso de zelo”, e precifica um cenário muito pior do que pode acontecer, e até por isso os ativos em Bolsa sofrem por antecipação e corrigem.

Para Alves, caso o governo eleito consiga aprovar a PEC da Transição, furando o teto fiscal, que hoje é a principal âncora fiscal do país, haverá aumento do risco Brasil, elevação da carga tributária e consequentemente de imposto, que será “compensado” via inflação e alta de juros, o que pode deixar a economia brasileira em “stand by” em 2023, com uma perspectiva não muito positiva.

Para Rodrigo Moliterno, head de Renda Variável da Veedha Investimentos, se o investidor gostar das estatais, ele recomenda montar posições devagar, trabalhar com derivativos, para não ficar tão exposto ao ativo, e considerar por quanto tempo ficar com esse investimento em carteira. Depois, passada a turbulência, pode desmontar e definir a posição.

Neste momento, especialmente, em que há um cenário de instabilidade fiscal no cenário local e de inflação e taxa de juros no exterior, o mercado está assustado e as melhores oportunidades estão disponíveis. O ideal é alocar com diversificação e com um parcelamento, avalia Sidney Lima, analista da Top Gain, que vê como principal temor do grande investidor a possibilidade do governo do PT trocar os conselheiros e o presidente da Petrobras e mexer na política de preços, o que pode rebaixar ainda mais o preço das ações.

Sidney Lima, analista da Top Gain.

Comparar as estatais com seus pares privados é a recomendação de Fabiano Vaz, sócio e analista de ações da Nord Research, em relação à entrega de resultados e geração de valor para o acionista. O investidor precisa ficar atento a essas intervenções, para mim não faz muito sentido o governo possuir essas estatais e, no final das contas, acaba sendo usado para fazer políticas que acabam custando muito caro para o país e para os contribuintes de maneira geral, opina.

A eleição de Lula é apontada como principal motivo para evitar investir nas ações das estatais federais, principalmente a Petrobras, na visão de Nícolas Merola, analista da Inv, que avalia que, apesar de trabalhar no limite da responsabilidade, o mercado teme de ingerência na companhia pelo histórico de 16 anos do governo do PT. “O humor mudou depois das eleições, isso está perceptível nos preços [das ações], tudo indica que o futuro governo vai ser mais intervencionista, menos eficiente e vai trazer mais pessoas para dentro das empresas sem necessariamente retornar em mais lucros para elas, em eficiência e mais receitas, consequentemente o ROE [retorno sobre o patrimônio], vai diminuir”, enfatiza o analista da Inv.

Nícolas Merola, analista da Inv.

Merola aponta que o mercado está precificando que a Petrobras vai entregar para o acionista lá na frente um retorno de 10% apenas sobre o patrimônio, ou seja, que a rentabilidade dela vai achatar bastante, seja pelo fator de intervenção, ou por inchaço, estrutura da empresa, ou por uma perspectiva mais negativa em relação ao preço da commodity. Com a recessão global cada vez mais perceptível em 2023, muitos analistas de mercado precificam que o petróleo pode voltar a cair e impactar nos preços das ações.

Em relação ao Banco do Brasil, o analista da Inv. também recomenda evitar a ação devido ao risco-retorno e diante das oportunidades do mercado. “Prefiro uma renda fixa como Tesouro IPCA+, o investidor tem mais garantias e retorno, a rentabilidade e proteção são altíssimas, é melhor que o BB”.

Por fim, sobre Eletrobras, o analista da Inv. vê a governança pulverizada da empresa como fator positivo e também não acredita na reestatização, mas recomenda monitorar sua reestruturação. “Ela já foi ‘privatizada’ então a gente inclui no mix de empresas a serem acompanhadas e fazemos investimentos nela, mas sempre de forma comedida. É uma empresa com potencial grande, com muita gordura para queimar e estrutura muito inchada com potencial para chegar a 5 mil funcionários, hoje com 15 mil”, explica. Não precisa ter pressa; vai demorar muito para ela apresentar todo resultado que ela tem de potencial, as mudanças não são fáceis”, conclui.

No CMA Entrevista desta semana sobre as perspectivas para o investimento em ações de empresas que têm o Estado como acionista nos próximos meses, Antônio Samad Júnior, diretor geral da Axia Investing afirma que o momento de indefinição política e de incertezas fiscais exige cautela e muita paciência do investidor até que haja sinais mais claros sobre os rumos da economia. Além disso, o especialista aponta que, ao mesmo tempo que existe um temor em relação ao desempenho do governo do PT em empresas como a Petrobras, mudanças implementadas nos últimos anos na governança e na legislação podem blindar a companhia de interferências indesejáveis.

Assista a entrevista na íntegra aqui:

Reportagem: Cynara Escobar / Camila Brunelli / Emerson Lopes / Soraia Budaibes

Edição: Cynara Escobar / Agência CMA.