Como a guerra mudou a concepção e produção de energia na Europa. E como isso afeta a economia

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São Paulo, 5 de outubro de 2022 – Do lado da crise energética da Europa, a situação é bastante preocupante. O inverno se aproxima e a redução quase completa de fornecimento de gás da Rússia, por conta das sanções europeias ao país, trazem bastante incerteza.

 

“A inflação da energia na Europa continua aumentando bastante, em a direção oposta à do resto do mundo, das grandes economias do mundo”, diz o economista da XP Investimentos, Francisco Nobre. No caso europeu, os países ainda continuam muito dependentes do gás russo, e os preços continuam subindo muito, “e essa subida terá que ser repassada para o consumidor. Isso deve começar a ser refletido nos próximos dois meses, de modo geral, e ainda não tem perspectiva de que os preços devem começar a ceder”.

 

Mesmo com o aumento dos estoques de gás, que chegou a 91%, isso não significa que o continente passará pelo inverno com tranquilidade. “Isso não deve trazer muito alívio para os preços da energia. Deve evitar uma situação pior, de falta de energia, mas os preços vão continuar subindo. O impacto na economia é inevitável”.

 

Como não é possível prever os desdobramentos da guerra, o impacto do preço da energia na Europa vai depender mesmo de qual acordo os países chegarão sobre o preço limite do petróleo russo, e como esse aumento será absorvido. “Acho que o pior cenário seria um que a Rússia zerasse o fornecimento de gás e de energia como um todo. O BCE ficará em uma posição muito difícil, em que eles teriam que continuar aumentando os juros pra tentar conter alta na inflação, mas ao mesmo tempo, as condições financeiras mais apertadas teriam um impacto ainda maior, o que esfriaria ainda mais a economia”, disse.

 

O impacto da falta de gás na Europa, em especial, traz um cenário de estagflação. Para o professor Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) do Instituto de Economia da UFRJ, há pouca margem de manobra para os governos fugirem da crise no curto prazo.

 

“Reverter no curto prazo é muito difícil. O gás russo é o mais barato do mundo”, explica o professor. “O cenário de estagflação obriga a Europa a adotar medidas heterodoxas, aumentando a dívida pública, tabelando preços de energia e estatizando empresas do setor para que a crise não se agrave”, acrescenta.

 

Se por um lado há o risco de milhares de pessoas passarem frio nos próximos meses, a crise para a indústria europeia, uma das mais competitivas do mundo, já começou. “A guerra na Ucrânia foi o elemento catalisador para a transição energética na Europa. A grande dependência por energia no continente o fez ser o líder da bandeira por sustentabilidade no mundo”, explica Castro.

 

O especialista explica, porém, que essas mudanças na geopolítica mundial abrem um leque de possibilidades para mercados secundários, como o Brasil. Com o aumento dos custos na Europa à medida que os preços da energia sobem, Castro explica que muitas dessas bases produtivas devem se deslocar para mercados mais competitivos.

 

“Essas indústrias vão buscar países amigos para abrir suas bases produtivas. Caso o Brasil adote uma política de estado voltada à reindustrialização, podemos ter uma onda de investimentos que não vemos há décadas”, afirma ele.

 

A invasão da Ucrânia pela Rússia evidenciou a necessidade de a União Europeia (UE) repensar suas políticas energéticas. Em meio às reiteradas sanções impostas ao Kremlin, as nações europeias decidiram romper a dependência dos combustíveis fornecidos pela Rússia.

 

Antes da guerra, a Rússia fornecia 40% do gás do bloco e 27% de seu petróleo importado. Nesse contexto, o continente vive um dilema. Ao mesmo tempo em que tenta reduzir a dependência do gás importado da Rússia, a UE se comprometeu em zerar suas emissões líquidas de gases do efeito-estufa até 2050.

 

“Eu não sou dos pesquisadores mais otimistas sobre as metas. Reconheço que elas são imprescindíveis, mas mesmo que a União Europeia atinja as metas dela, precisamos que o mundo todo atinja”, diz o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do setor de energia, Diego Malagueta.

 

Diante da urgência para cortar o fornecimento de gás russo a curto prazo, espera-se que a demanda da Europa em relação à Rússia caia 30% até 2030. Para o pesquisador, a UE deve intensificar as medidas que já vinha adotando, como a expansão da energia eólica offshore e eletrificação da frota veicular. Entretanto, diz ele, não podem abdicar de um importante papel que a energia nuclear pode exercer nisso.

 

“Cada país tem uma postura diferente, e considero um erro estratégico da Alemanha, por exemplo, querer fechar tanto [usinas] termelétricas fósseis como termonucleares. A meu ver só há margem para fechar um desses grupos, sendo o carvão a prioridade a ser combatida”, afirma.

 

O conflito na Ucrânia só aumentou a importância do investimento em energia verde. “A única forma de energias menos emissoras se expandirem é sendo mais baratas que as tradicionais”, pontua o professor da UFRJ.

 

“Há alguns anos, a energia eólica onshore e a solar caíram bastante de preço e passaram a ser mais baratas que as fósseis em muitos países, a offshore também vem caindo e se expandindo. Quanto mais países e empresas investem nelas, em pesquisas e em mercado, e expandem produção, mais baratas elas vão ficando”, completa.

 

Vanessa Zampronho, Larissa Bernardes e Darlan Azevedo / Agência CMA

 

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