Bolsa cai e dólar sobe em mais uma sessão de forte influência externa

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Foto: Edrod / freeimages.com

São Paulo – O Ibovespa encerrou a sexta-feira com queda de 1,97%, aos 110.035,17 pontos. O investidor não sofreu apenas com o pregão de hoje, já que a semana foi pesada para quem aplica em ações. Na semana, o Ibovespa recuou 7,09% e, no mês, caiu 4,37%. Problemas de aversão ao risco no mercado externo e uma crise política interna que resultou na mudança do presidente da Petrobras definiram o viés da semana.

“A semana foi pesada para o mercado acionário global. A alta da inflação de curto prazo nos Estados Unidos continua gerando pressão de alta na curva de juros de longo prazo das Treasuries. Este movimento também está impactando o dólar versus outras moedas. As negociações entre Democratas e Republicanos [também nos Estados Unidos] sobre o pacote de estímulo deve ser finalizado em breve, mesmo assim as bolsas de valores seguiram pesadas”, explicou Pedro Galdi, analista da Mirae Asset.

Galdi explica ainda que “além da influência do mercado acionário no exterior, o Ibovespa sofreu influência negativa com ruídos em Brasília, da mudança do CEO da Petrobras e atraso na votação da PEC Emergencial [Proposta de Emenda à Constituição], que tem o sentido de liberar o governo para a extensão do programa de estímulo e a isenção de Responsabilidade Fiscal para o governo”, acrescentou.

Por fim, para a próxima semana, Galdi destaca indicadores relevantes como o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e dados sobre o mercado de trabalho norte-americano, o payroll. “O mercado financeiro continuará volátil, sendo influenciado por notícias em relação ao avanço das vacinas para o covid-19 ao redor do mundo e quadro político no Brasil, além de notícias de pacote de estímulos nos Estados Unidos, Brasil e na Europa”, finalizou o especialista da Mirae.

Segundo um operador de renda variável de uma corretora, a próxima semana seguirá volátil ainda refletindo novos conflitos com a interferência do governo federal em estatais. “Hoje surgiram notícias de que o presidente do Bando do Brasil colocou seu cargo à disposição de Jair Bolsonaro. Mais uma troca de presidente neste momento pode ser muito ruim para o mercado financeiro”, explicou o operador.

O dólar comercial fechou em forte alta de 1,65% no mercado à vista, cotado a R$ 5,6020 para venda, no maior valor de fechamento desde 4 de novembro de 2020 (quando encerrou em R$ 5,6570), acompanhando o exterior negativo para as moedas de países emergentes e outros ativos globais em meio ao avanço do rendimento do vencimento de 10 anos (T-Note), ao redor de 1,50%, da taxa dos títulos de dívida do governo norte-americano, as treasuries. No fim da sessão, ruídos locais ajudaram na disparada da moeda.

A sessão foi de intensa volatilidade com a tradicional disputa pela formação de preço da taxa Ptax – média das cotações apuradas pelo Banco Central (BC) – de fim de mês na primeira parte dos negócios. O avanço da moeda levou o BC a atuar novamente no mercado com a realização de dois leilões de venda de dólares no mercado à vista. “Não fosse essas intervenções do BC [hoje e ontem], a moeda estaria em um patamar bem mais alto”, avalia o chefe da mesa de câmbio da Terra Investimentos, Vanei Nagem. Ao todo, o BC colocou hoje US$ 1,545 bilhão.

Segundo o profissional da Terra, na reta final da sessão, as notícias de que o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, colocou, de fato, o cargo à disposição ajudou a estressar ainda mais os ativos domésticos, o que levou o dólar ao patamar de R$ 5,60. “O mercado vê com muito pessimismo uma nova interferência do presidente Jair Bolsonaro em outra estatal”, diz.

Na semana, marcada pela escalada mais intensa dos rendimentos da curva dos juros nos Estados Unidos, no qual o título de 10 anos chegou a 1,54% – maior valor em um ano -, a moeda se valorizou em 4,05%, maior variação percentual semanal desde o início de janeiro. No mês, a moeda subiu 2,30%, o segundo seguido de valorização. Para a equipe econômica do banco Fator, esta foi a semana do “debate sobre ‘reflação'”.

“Apesar dos esforços de Jerome Powell [presidente do Federal Reserve, o banco central norte-americano] e companheiros ao longo da semana, o que rendeu leve recuo dos juros hoje, o receio de que a economia norte-americana volte aos níveis de crescimento pré-pandemia com a vacinação é a justificativa para a inflação esperada subir, assim como a inclinação da curva de juros”, avalia, acrescentando que o susto com os juros eleva o dólar contra o mundo todo.

O estrategista do banco Modalmais, Felipe Sichel, ressalta que a economia global “sofre” com a rápida abertura das treasuries. O movimento de alta se intensificou ao longo deste mês, saindo dos níveis de 1,10% no começo de fevereiro até chegar aos 1,54% de ontem. Com isso, Sichel reforça que o cenário doméstico é automaticamente influenciado já que, em termos gerais, “todas as evidências” apontam para a necessidade de elevação da taxa Selic.    “O movimento de abertura das taxas de juros globais gera, mecanicamente, pressões para valorização do dólar. Ante o cenário de inflação já delicado, isto é mais um risco para o cenário base do Banco Central. Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas, que o ambiente está menos propenso para países emergentes hoje do que há três meses”, afirma, acrescentando que os riscos em relação à política fiscal são mais um fator que pesa sobre a situação dos ativos no país.

Na semana que vem, a agenda de indicadores estará carregada com dados do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no quarto trimestre de 2020, além dos dados de fevereiro de atividade da China e da Europa, bem como números da indústria e de emprego nos Estados Unidos.

O mercado ainda ficará atento aos desdobramentos do pacote de estímulo fiscal norte-americano, de US$ 1,9 trilhão, e do andamento das pautas no Congresso, como a PEC Emergencial, prevista para ser votada na próxima semana.

Para Nagem, da Terra Investimentos, as treasuries deverão seguir no radar dos investidores já que têm impactado fortemente as moedas de países emergentes e deixando o dólar ainda mais valorizado no mundo. “A divisa [norte-americana] pode abrir mais perto de R$ 5,70 na segunda-feira caso, no fim de semana, tenha algum comentário que atrapalhe ainda mais o cenário político. Não tem fatores muito positivos para esse dólar recuar”, pondera.

As taxas dos contratos de juros futuros (DIs) fecharam em forte alta, mas longe das máximas da sessão, acompanhando uma nova disparada nas taxas de retorno dos títulos de dez anos da dívida dos Estados Unidos no mercado secundário, as T-notes, que depois de algum alívio nas primeiras horas do dia hoje voltaram a superar a marca de 1,50%.

O DI para janeiro de 2022 encerrou a semana a 3,760%, de 3,625% no ajuste anterior; o DI para janeiro de 2023 estabeleceu-se a 5,59%, de 5,45%; o DI para janeiro de 2025 subiu a 7,22%, de 7,14% na véspera; e o DI para janeiro de 2027tinha taxa de 7,85%, de 7,80%, na mesma comparação.

Os principais índices do mercado de ações dos Estados Unidos terminaram o dia sem uma direção comum em uma sessão marcada pela volatilidade e por investidores tentando digerir as implicações do avanço expressivo dos juros dos títulos de dívida do governo norte-americano. Na semana, os índices amargaram perdas, mas garantiram ganhos mensais.

Confira abaixo a variação e a pontuação dos índices de ações dos Estados Unidos no fechamento:

Dow Jones: -1,50%, 30.932,37 pontos

Nasdaq Composto: +0,56%, 13.192,30 pontos

S&P 500: -0,47%, 3.811,15 pontos