Autonomia do BC, papel de Haddad e debate sobre os juros se destacam no início de relação conturbada do mercado com governo Lula

3014
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante cerimônia de posse da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, no Palácio do Planalto.

São Paulo, 24 de fevereiro de 2023 – Tanto quanto a independência do Banco Central, a autonomia do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai pesar na relação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o mercado financeiro.

 

Essa relação, segundo o cientista político Márcio Coimbra, professor da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília, será modulada pelo nível de influência do presidente no Ministério da Fazenda.

 

“O ministro poderá servir como freio de arrumação entre o governo e o mercado, se tiver autonomia para levar as suas propostas econômicas adiante. Ou será mais um ministro cumpridor de ordens”, disse.

 

“Se Haddad tiver autonomia, teremos um caminho mais amigável com o mercado, mas, se Lula assumir a postura de ministro da Fazenda, talvez tenhamos mais solavancos pela frente”, completou.

 

O cientista político afirmou que Haddad já deu provas de que é um bom gestor, tanto no Ministério da Educação como na prefeitura de São Paulo, onde conseguiu equilibrar as contas municipais. Também já demonstrou disposição de dialogar com os principais atores econômicos e tem habilidade na negociação política.

 

“Para mim, Lula não é de esquerda. Lula é pragmático. O que precisar ser feito vai ser feito para o desenvolvimento do país. A esta altura da vida, depois de dois mandatos de presidente e com quase 80 anos, Lula quer deixar marcas, em especial na área social”, afirmou.

 

“Neste momento, Lula está entre o discurso para os seus eleitores e o que precisa ser feito na economia. E entregou essa tarefa a Haddad. Resta saber o quanto Lula vai influir nas decisões da Fazenda”, completou.

 

Neste terceiro mandato, Lula procurou repetir, no comando da área econômica, o modelo que deu certo em 2003, quando colocou no Ministério da Fazenda o médico Antonio Palocci, ex-deputado e ex-prefeito, conhecido pela habilidade política. Porém, segundo Coimbra, o cenário atual é diferente de 20 anos atrás.

 

“O cenário externo não é bom. As previsões são de turbulências externas. Temos uma guerra no Leste Europeu, o consumo da China está caindo e isso afeta nossas exportações. Há uma instabilidade nos mercados externos e o Brasil está solto nessa maré”, afirmou.

 

“Além disso, o cenário interno também não é igual. Em 2003, Lula pegou uma economia mais estável: foi necessário fazer manutenção, mas agora é necessário correção de rumo. O Congresso também era mais favorável ao governo”, completou.

 

Na época, o PT elegeu 91 deputados federais e ficou com a presidência da Câmara dos Deputados, que foi ocupada por João Paulo Cunha (PT-SP) e agia como um líder do governo. O Senado Federal era presidido pelo ex-presidente José Sarney (MDB-AP).

 

Incertezas fiscais domésticas e Fed hawkish são desafios do dólar para 2023 

 

2023 começou com tudo. Em menos de dois meses do terceiro mandato de Lula, desafios domésticos e globais se desenham no horizonte: discussões que envolvem a metas de inflação e os 13,75% da Selic por aqui, enquanto lá fora a economia dos Estados Unidos não dá sinais de arrefecimento, o que leva a crer que o Fed terá de prosseguir o ciclo contracionista.  

 

O economista da BlueLine Flávio Serrano entende que o mercado de câmbio segue muito volátil, impactado por fatores internos e externos: “Mais recentemente, a moeda americana passou a ganhar força contra outras moedas. Aqui no Brasil não foi diferente, com o movimento potencializado pelos ruídos políticos em torno da autonomia do Banco Central e das metas de inflação”, opina.  

 

Já o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, diz que “as tensões entre mercado e governo retornaram em fevereiro, após o início das críticas do governo à política de juros do Copom, as ameaças à independência do BC e sugestões de aumentar as metas de inflação’.  

 

A economia norte-americana também é um fator que joga contra a moeda brasileira, já que os recentes indicadores, em especial o último payroll, foram um banho de água no frio na expectativa de que a instituição pudesse começar a cortar os juros ainda este ano: “As incertezas com a política monetária do Fed também elevaram a volatilidade no dólar, após dados de mercado de trabalho acima do esperado e menores chances de recessão levarem os diretores do Fed a declarar que o ciclo de altas de juros pode ser mais longo que o antecipado no fim de 2022, levando à apreciação global do dólar e alta nas taxas de juros internacionais”, explica Borsoi.  

 

Os dois economistas ainda mencionam a reabertura da economia da China que, contudo, não animou o mercado.  Por outro lado, a situação política parece longe de ter um desfecho, já que o novo Governo ainda tem a árdua tarefa de conseguir aprovar a reforma tributária ainda para 2023. Neste cenário, Serrano projeta que o dólar termine 2023 na faixa entre R$ 5,30 e R$ 5,40.  

 

Juros: perspectiva de debate acerca da taxa é benéfico para o país

 

Em termos gerais, a taxa de juros básica do Brasil, a Selic, tem sido historicamente alta. Em 2020, a Selic atingiu um mínimo histórico de 2% ao ano, mas desde então tem aumentado em resposta às pressões inflacionárias. Em fevereiro de 2023, a taxa Selic está em 13,75% ao ano.

 

Para 2023, ainda é incerto o patamar da Selic ao final do ano. Por um lado, há divergências públicas entre o presidente Lula e o Banco Central do Brasil (BCB) quanto à política monetária adotada sob a liderança do atual presidente Roberto Campos Neto.

 

Lula fez críticas à política monetária do BCB, alegando que a alta taxa de juros estava prejudicando a economia brasileira. Ele já afirmou intenção de reduzir as taxas de juros para estimular o crescimento econômico.

 

Por sua vez, o BCB, em diversas ocasiões, defendeu sua política de aumento gradual da taxa de juros, que teve início em março de 2021, com o objetivo de controlar a inflação, que tem estado acima da meta estabelecida pelo governo brasileiro. O BCB tem afirmado que a política monetária é independente e baseada em análises técnicas e fundamentos econômicos, e não deve ser influenciada por questões políticas.

 

Essas declarações públicas de Lula e do BCB geraram debates e discussões sobre a independência do BCB e sobre qual seria a melhor política monetária para o Brasil em um momento de incertezas econômicas e políticas. Alguns analistas argumentam que a independência do BCB é crucial para garantir a estabilidade econômica e a confiança dos investidores, enquanto outros defendem que uma política monetária mais expansionista poderia estimular o crescimento e o emprego.

 

Segundo o economista André Perfeito, em relatório, o debate sobre a atuação do Banco Central e a taxa de juros no Brasil ganhou ares de campeonato brasileiro, com “jogos importantes” como as entrevistas de André Lara Resende no Canal Livre da Band e Roberto Campos Neto no Roda Viva da TV Cultura.

 

“Acho tudo isso muito bom porque juros é o tema central de qualquer economia”, afirmou o economista. “Lara Resende apontou com firmeza em sua entrevista que a elevação da Selic levou a uma explosão do pagamento de juros e ele está certo”, prosseguiu.

 

Em maio de 2022, o fluxo acumulado de pagamento de juros em 12 meses atingiu quase R$ 600 milhões. “A última vez que pagamos esse montante em juros foi durante o impeachment de Dilma”, lembrou Perfeito.

 

“Acredito que Campos Neto também ache que pagamos muito juros, mas poderia argumentar com facilidade que em proporção do PIB a elevação não é tão significativa”, disse. De fato, essa proporção, que já foi de quase 10%, atingiu 6% em novembro do ano passado.

 

Para o economista, o sistema de metas de inflação, em 3,5%, não é “uma verdade”, e sim uma gramática. “Desde o início do plano Real o perfil da dívida vem melhorando de maneira clara. Em 1997, o prazo médio da dívida Federal era de irrisórios 2,9 meses. Com o passar dos anos, a situação foi melhorando e o Tesouro conseguiu emitir sua dívida com 45 meses de média.

 

“Mas agora estamos num platô, num ponto em que podemos voltar a melhorar o perfil da dívida”, disse Perfeito. “O que eu acho mais fascinante sobre o debate de juros é que não há de fato um ponto fixo e fixar um ponto na marra pode custar muito caro”, afirmou. “O que há de fato é a construção contínua de uma nação, das suas instituições e o debate sobre juros faz parte desse amadurecimento e das possibilidades políticas”, completou.

 

Em resumo, embora não tenha havido uma briga direta entre Lula e o BCB, suas divergências públicas em relação à política monetária destacaram questões importantes sobre a independência do BCB e sobre as escolhas políticas que podem afetar a economia brasileira.

 

É importante lembrar que a Selic é influenciada por diversos fatores, incluindo o desempenho da economia brasileira, as políticas governamentais e as condições globais do mercado financeiro.

 

Outro fator importante a ser considerado é a situação fiscal do Brasil. O país tem enfrentado desafios significativos em relação ao déficit fiscal, à dívida pública e à sustentabilidade das contas públicas. A capacidade do governo de lidar com essas questões pode ter um impacto significativo nas perspectivas para o mercado de juros.

 

Em resumo, embora não seja possível prever com certeza as perspectivas para o mercado de juros no Brasil em 2023, é provável que a taxa Selic continue subindo em resposta às pressões inflacionárias, mas também pode ser influenciada por diversos fatores, incluindo a situação fiscal do país e as condições globais do mercado financeiro.

 

Luiza Damé, Paulo Holland e Pedro do Val de Carvalho Gil / Agência CMA

 

Copyright 2023 – Grupo CMA