Brasil contraria critérios dos EUA para manipulação cambial

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São Paulo – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou o Brasil de realizar uma “desvalorização massiva” de suas moedas, sugerindo que o País está gerenciando a taxa de câmbio para ter vantagem nas exportações. No entanto, o Brasil não se enquadra nos critérios de manipulação cambial determinados por lei nos Estados Unidos.

Segundo a legislação dos Estados Unidos, um país pode ser considerado manipulador do câmbio se possuir políticas para manter a taxa de câmbio em um nível que impeça ajustes no balanço de pagamentos ou para conseguir vantagem competitiva injusta no comércio global. Essa análise precisa ser feita em conjunto com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Além disso, se o secretário do Tesouro dos Estados Unidos decidir que há manipulação cambial e que o país acusado da prática possui “superávits relevantes em conta corrente global e excedentes comerciais bilaterais significativos com os Estados Unidos”, então o governo norte-americano buscará corrigir o desequilíbrio por meio de negociações.

A situação do Brasil, porém, está fora deste escopo. O saldo em conta corrente no acumulado de janeiro a outubro foi deficitário em US$ 7,874 bilhões, segundo os números mais recentes do Banco Central. Além disso, embora o Brasil acumule superávit comercial em termos globais, com os Estados Unidos o déficit é de US$ 1,136 bilhão no mesmo intervalo. Além disso, o Brasil opera oficialmente sob um regime de câmbio flutuante – que depende da oferta e demanda – desde 1999.

Para fins de comparação, a China – que em agosto foi classificada como manipuladora do câmbio pelos Estados Unidos – possuía até setembro um superávit comercial de mais de US$ 260 bilhões com os norte-americanos e possui saldo positivo no balanço de pagamentos pelo menos desde 1993. Os chineses possuem uma política cambial que prevê limites à variação da moeda local, o iuane.

“No caso da China, o governo define uma taxa de câmbio como estratégia, então há um controle que não existe no Brasil”, afirmou a professora de Economia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Cristina Helena Pinto de Mello.

“A taxa de câmbio brasileira está desvalorizada por conta de ações dos próprios Estados Unidos de 2008, quando o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) aumentou muito a oferta de moeda como maneira de contornar a crise da época, desvalorizando o dólar”, disse ela.

Mello acrescentou que o Fed decidiu reverter essa política monetária expansionista, que visou à compra de títulos com moeda, para gerar uma política contracionista de valorização do dólar. No entanto, “isso encarece os produtos norte-americanos e valoriza os produtos brasileiros. O Brasil ganha mercado”, explicou.

Nos últimos anos, a diferença entre a taxa de juros entre Estados Unidos e Brasil se estreitou. “Quando isso ocorre, o investimento financeiro aumenta nos Estados Unidos, com grande venda de títulos do governo e de empresas norte-americanas”, afirmou o economista e professor da FGV, Mauro Rochlin.

O fluxo de câmbio deficitário no Brasil também pode ser entendido por conta das turbulências políticas que assolam a América Latina. De acordo com o professor da FGV, “esse contexto aumenta a aversão ao risco de investimentos externos e, consequentemente, há uma queda de dólares na região”.

Rochlin analisa que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China é outro fator importante, pois pode “diminuir muito o comércio internacional e as exportações brasileiras, ocasionando uma pressão para a alta do dólar”.

REAL FRACO E EXTERIOR

A externalidade que afeta o real foi reconhecida pelo próprio Departamento do Tesouro em maio, quando divulgou a versão mais recente de seu relatório sobre o câmbio. O órgão disse à época que a valorização do dólar em relação a moedas emergentes – em particular o real e a rúpia – era resultado de pressões externas, entre elas crises em andamento na Turquia e na Argentina, e da fraqueza econômica nos parceiros comerciais.

Um dos pontos em comum entre a China e o Brasil, no entanto, são as intervenções no mercado de câmbio. Quando colocou os chineses entre os manipuladores de moeda, a Casa Branca citou um histórico de “intervenção em larga escala no mercado de câmbio” e falta de transparência nesta prática por parte da China.

No Brasil, o Banco Central também promove intervenções no câmbio para evitar movimentos bruscos do câmbio. Segundo o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, as operações têm como objetivo suprir liquidez e afastar a disfuncionalidade do mercado. As intervenções mais recentes tiveram, na prática, o efeito de impedir a desvalorização do real – o oposto do que disse Trump.

“A acusação não tem nenhum fundamento técnico. Com o sistema de câmbio flutuante, o governo brasileiro só pode intervir minimamente e o faz apenas para impedir a alta do dólar”, afirmou Rochlin.

A designação de um país como manipulador do câmbio pelos Estados Unidos significa que os norte-americanos começarão uma rodada de negociações para trazer a taxa a níveis que consideram justos. Essas conversas podem ocorrer no Fundo Monetário Internacional (FMI) ou bilateralmente.

Caroline Aragaki / Agência CMA

Edição: Gustavo Nicoletta (g.nicoletta@cma.com.br)