Suspender monopólios ajudaria a conter covid-19, diz especialista

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Foto: União Europeia (UE)

São Paulo – A suspensão de monopólios existentes tanto nas vacinas contra a covid-19 quanto em insumos de saúde usados no combate à doença ajudaria a acelerar a contenção da pandemia, segundo Pedro Villardi, coordenador do grupo de trabalho sobre propriedade intelectual da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).

“A quebra de patente parece coisa muito radical, mas a licença compulsória é uma atuação estatal muito sutil sobre a propriedade, uma medida legal, legítima, que tem começo meio e fim”, disse ele em entrevista à Agência CMA. “Não se trata de roubo, expropriação. Tem muito terrorismo ideológico. O detentor da patente recebe royalties. A única coisa que acontece é a suspensão do monopólio”, acrescentou.

Segundo Villardi, com a licença compulsória, seria possível economizar dinheiro público e melhorar o acesso a insumos úteis no combate à covid-19.

“Tem os kits para UTI, tem oxigênio comprimido, equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde. As máscaras n95 tem patente no Brasil há três anos. Tem componente do respirador que tem patente. Se suspende os monopólios sobre estes dispositivos, é possível que a gente possa ou importar ou fabricar no Brasil”, afirmou.

A quebra de monopólio via licenciamento compulsório é um mecanismo previsto em acordos internacionais de comércio e acontece quando um governo autoriza a produção de um produto ou processo patenteado sem o consentimento do dono da patente.

Esta possibilidade não é nova – consta do chamado Acordo Trips, que regula o direito sobre a propriedade intelectual, desde 1995 – e está sendo debatida na Organização Mundial do Comércio (OMC) para agilizar a produção de equipamentos e medicamentos capazes de conter a pandemia de covid-19.

Há exigências, no entanto, para adoção do licenciamento compulsório. A abrangência e a duração da medida devem ser restritas, o detentor da patente deve continuar autorizado a fabricar o produto patenteado e o processo precisa ser passível de revisão.

No caso de emergências nacionais ou uso da patente por governos, o licenciamento compulsório pode ser feito sem negociação prévia com o detentor da patente, que no entanto deve continuar recebendo algum tipo de remuneração.

Além disso, desde a rodada de Doha, o licenciamento compulsório permite que os países façam uso deste recurso inclusive para exportar o produto patenteado para outros territórios.

O assunto do licenciamento compulsório ganhou notoriedade recentemente por causa do debate no Senado a respeito da quebra de patentes de vacinas contra a covid-19 – algo que foi criticado pelo diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. A instituição é a responsável no Brasil pela distribuição da vacina desenvolvida pela Sinovac contra a doença.

“A deficiência neste momento da disponibilidade de vacinas [no Brasil] não decorre da proteção patentária, decorre da nossa insuficiência do ponto de vista industrial. O Brasil não tem indústria de biotecnologia desenvolvida”, disse ele na semana passada durante uma audiência no Senado.

“Mesmo se ocorresse quebra de patentes, neste momento não haveria como incorporar a produção de muitas destas vacinas, principalmente as mais complexas. A transferência de tecnologia seria fundamental. A quebra de patente quebraria de início a transferência de tecnologia”, acrescentou.

Villardi, no entanto, argumenta que esta saída ainda deveria ser considerada. “A AstraZeneca nunca teve uma vacina no seu portfólio, não é laboratório conhecido por produzir vacina. Em pouquíssimo tempo conseguiu adaptar plantas para produzir insumo. É um campo tecnológico complexo. Cada dia que a gente perde é um dia a menos que a gente poderia trabalhar para aumentar a capacidade produtiva nacional.”

Ele ressalta que o impacto da adoção da licença compulsória não seria imediato, mas acrescenta que este debate está “atrasado” e cita que há um projeto de lei (PL 1462/2020) sobre o assunto apresentado em abril do ano passado, mesma época em que várias organizações, como a Oxfam Brasil, começaram a defender a ideia.

“É muito conveniente agora, em abril de 2021, com média móvel de quase 4 mil mortes por dia, dizer a gente não vai conseguir [ter resultados] com a licença compulsória”, afirmou.

Villardi também argumentou que a adoção da licença compulsória aumentaria o poder de negociação do governo brasileiro com as empresas farmacêuticas.

“Israel emitiu licença compulsória para medicamento lopinavir quando imaginou-se que antiviral seria útil, e foi um dos países que melhor conseguiu negociar a compra de vacinas”, afirmou citando também o caso do Chile, país em que a Câmara dos Deputados aprovou resolução que trata da adoção de licenciamento compulsório de patentes. “O Chile também foi um dos países que melhor conseguiu negociar vacinas”, avaliou.