Proximidade de eleição impede medidas agressivas de Trump contra a China

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O vice-primeiro-ministro da China, Liu He, ao lado do ex-presidente norte-americano, Donald Trump, na Casa Branca / Foto: Shealah Craighead/ Casa Branca

São Paulo – A retórica mais agressiva do presidente norte-americano, Donald Trump, contra a China está ganhando volume e, embora muitos não esperem neste momento uma guerra financeira entre as duas maiores economias do mundo, a tensão entre Washington e Pequim deve permanecer elevada até a eleição presidencial dos Estados Unidos, marcada para 3 de novembro, segundo especialistas consultados pela Agência CMA.

“O presidente Trump parece acreditar que há votos a serem conquistados se agir duramente contra a China. Mas achamos que ele provavelmente evitará qualquer ação que arrisque mais danos significativos à economia dos Estados Unidos e, portanto, suas chances em novembro”, disse o economista sênior da Capital Economics, Jonas Goltermann.

Nos últimos dias, a administração de Trump passou a analisar algumas opções contra a China, incluindo a possibilidade de impedir que empresas chinesas sejam listadas nos Estados Unidos ou que fundos de pensão do governo norte-americano invistam em ações chinesas.

“O conflito entre Estados Unidos e China pode se espalhar para o setor financeiro. Trump estuda restringir o investimento do governo norte-americano em ações chinesas, enquanto alertou sobre o fechamento de empresas chinesas nas bolsas dos Estados Unidos. A eleição presidencial norte-americana está prevista para novembro e provavelmente alimentará mais incertezas sobre a relação entre os dois países nos próximos meses”, afirma o estrategista do Mizuho para a Ásia, Ken Cheung.

A narrativa anti-China recebeu um impulso adicional de uma entrevista da Fox Business na semana passada, quando Trump sugeriu que poderia cortar completamente o relacionamento com Pequim e economizar US$ 500 bilhões.

“O relacionamento entre os Estados Unidos e a China parece estar se deteriorando novamente, com Trump atacando continuamente Pequim e o FBI acusando hackers patrocinados pelo governo de tentar invadir uma pesquisa sobre a covid-19. O risco de novas sanções econômicas parece estar aumentando, embora duvide que isso se transformará em uma guerra comercial completa, pois prejudicaria a campanha eleitoral de Trump”, disse o chefe de pesquisas globais do Danske Bank, Jakob Magnussen.

ACORDO COMERCIAL EM RISCO

A escalada de tensão entre Estados Unidos e China colocou o acordo comercial de primeira fase, fechado entre os dois países em 15 de janeiro deste ano, sob os holofotes. O mercado passou a duvidar a continuidade do pacto diante das seguidas acusações de Trump de que Pequim seria responsável pela pandemia do novo coronavírus.

“Trump vem tentando culpar a China pela pandemia do novo coronavírus e sugeriu que os chineses pagassem pelos danos econômicos causados, o que pode ser considerado apenas retórica e não uma substância”, afirmou Goltermann, da Capital Economics.

A covid-19 foi detectada pela primeira vez em dezembro do ano passado na cidade chinesa de Wuhan. Há algumas semanas, Trump chegou a sugerir que o governo chinês permitiu a disseminação do novo coronavírus de maneira deliberada como uma maneira de punir Washington pelas duras condições impostas no acordo comercial de primeira fase.

Sob o pacto, Pequim deve comprar bilhões de dólares em produtos norte-americanos nos próximos dois anos, além de garantir proteção à propriedade intelectual, entre outros pontos. No entanto, circulou na imprensa chinesa a notícia de que Pequim tentaria anular o acordo de primeira fase em busca de um pacto mais favorável.

“À luz da pandemia do novo coronavírus, é improvável que a China atinja sua meta de compra de bens dos Estados Unidos sob o acordo comercial de primeira fase, enquanto Trump fecha as portas para a renegociação. Isso coloca em risco o pacto, com a possibilidade de um reescalonamento das tarifas”, disse Cheung, do Mizuho.

A RESPOSTA NOS TREASURIES

Sempre que as tensões entre norte-americanos e chineses aumentam, os Treasuries ressurgem como uma arma poderosa de Pequim contra Washington. Isso porque a China é a segunda maior detentora da dívida dos Estados Unidos, perdendo apenas para o Japão.

De acordo com dados divulgados pelo Tesouro norte-americano na sexta-feira, a China detinha US$ 1,081 trilhão em Treasuries em março, enquanto o Japão, que ocupa a primeira posição, aparece com US$ 1,271 trilhão.

Para Goltermann, da Capital Economics, enquanto os Estados Unidos usam sanções e tarifas contra Pequim, o governo chinês poderia retaliar qualquer tentativa norte-americana de impor parte do custo financeiro da pandemia do novo coronavírus com os Treasuries.

“Uma opção seria usar suas grandes participações em Treasuries que costumam fornecer uma alavancagem significativa, vendendo todas de uma só vez, causando caos nos mercados dos Estados Unidos, afirmou.

“No entanto, achamos que as chances de tudo isso acontecer são reduzidas. Somos céticos, por exemplo, de que a China escolheria descarregar seus títulos do Tesouro. Esse curso de ação seria muito caro – porque a China perderia muito dinheiro vendendo suas participações do Tesouro com rendimentos mais altos – ou não teria muito impacto, já que o Federal Reserve poderia absorver facilmente o que a China vendesse”, acrescenta Goltermann.

Segundo ele, uma resposta alternativa da China seria tornar a vida mais difícil para as empresas norte-americanas que operam no país ou instruir suas empresas a limitar as importações dos Estados Unidos, como já havia feito no passado.

“Isso pode prejudicar as empresas norte-americanas que já estão sofrendo com o impacto do novo coronavírus”, completou.