Precisa mandou três versões erradas de invoice, diz consultor à CPI

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O consultor do Ministério da Saúde William Amorim Santana. (Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado)

São Paulo – A Precisa, empresa responsável pela venda da vacina contra a covid-19 Covaxin ao governo brasileiro, enviou três versões de invoice (nota fiscal) para o Ministério da Saúde, e todas elas continham erros, alguns deles passíveis de forçar o governo a pagar custos que não estavam previstos em contrato, afirmou William Amorim Santana, responsável por fiscalizar as informações destes documentos.

Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga erros e omissões do governo no combate à pandemia de covid-19, ele detalhou que a Precisa, além de erros menores nas invoices, manteve nas duas primeiras versões do documento a previsão de pagamento antecipado das vacinas – diferentemente do que previa o contrato – e, na terceira versão ainda mantinha na invoice disposição que obrigaria o governo a pagar pelo seguro e o frete da carga – também em contrariedade ao que havia sido negociado.

Santana, que disse ser consultor técnico da Organização Panamericana de Saúde – e não funcionário público concursado -, disse que em 16 de março deste ano recebeu da Precisa o primeiro e-mail referente à compra das vacinas que trazia em anexo o contrato da empresa com o governo, solicitando os procedimentos para abertura da licença de importação. O contrato havia sido assinado semanas antes, em 25 de fevereiro.

No dia 17 de março, a Precisa perdeu o primeiro prazo para o envio de 4 milhões de doses da Covaxin ao governo, e um dia depois, em 18 de março, enviou um segundo e-mail, desta vez com documentos técnicos para a abertura da licença de importação, para o Ministério da Saúde. Dentre eles estava uma primeira versão da invoice.

No mesmo dia, segundo Santana, ele enviou os documentos à área de fiscalização “para conhecimento e orientação acerca das tratativas para processo”. Naquela data, ainda não havia ninguém diretamente responsável pela fiscalização do contrato.

No dia 19 de março, a Precisa enviou um novo e-mail, sem documentos, perguntando sobre o andamento do processo. A autora do e-mail era Emanuela Medrades, diretora técnica da Precisa. “Não respondi. Como havia submetido à área de fiscalização deveria esperar manifestação deles”, disse Santana.

Em 22 de março, ele disse ter enviado novamente os dados apresentados pela Precisa à área de fiscalização do contrato, que neste dia já havia encarregado Regina Célia Silva Oliveira de monitorar a compra da Covaxin, e pontuou que a Precisa havia perdido o primeiro prazo para a entrega das vacinas.

“Externo que prazo da primeira parcela encontrava-se em atraso. E, tendo em vista que vacina não possuía registro sanitário junto à Anvisa, fazia-se necessário pedido de concessão de excepcionalidade para a importação”, disse Santana à CPI.

No mesmo dia 22, ele disse ter recebido da área de fiscalização autorização para enviar à Anvisa os documentos solicitando a importação em caráter excepcional. “Elaborei minuta de ofício para que fosse encaminhado à Anvisa, direcionei a minuta para departamento de logística para que fosse assinado, devolvido e feito peticionamento”, disse o consultor.

ERROS NAS INVOICES

Foi em 22 de março também que Santana fez uma análise inicial a respeito da informações da invoice apresentada pela Precisa. Os erros mais evidentes incluíam a quantidade de vacinas – que era de 3 milhões, inferior à de 4 milhões prevista em contrato -, e que a empresa fornecedora no invoice chamava-se Madson, e não Precisa. Estas informações, segundo ele, foram repassadas para a área de fiscalização.

Além disso, naquela mesma data, ele pediu ao despachante do Ministério da Saúde que fizesse uma análise complementar da invoice, e mais erros foram detectados ali. “Eu analsei pontos que me cabiam, mas sempre submetemos ao despachante para que faça análise mais completa, porque documento vai ser apresentado na aduana quando a carga chegar, para ser feito desembaraço, e despachante tem expertise maior em alguns pontos que porventura a gente não observa”, disse ele à CPI.

O despachante respondeu no dia 22 de março, apontando outros erros no nome do ministério, a ausência do nome do aeroporto em que o produto seria entregue, a falta do “incoterm’ – o termo que indica quem fica responsável pelas despesas de seguro e envio da carga -, o código de nomenclatura do Mercosul para a vacina, o peso da carga e a descrição de como ela seria enviada, além de vários erros de grafia.

“Também não informava se produto tinha registro, mas neste caso sabíamos que não tinha registro, tanto que pedimos concessão da excepcionalidade. O despachante pediu um packing list, descritivo de como a carga virá – embalagem, altura, peso, volumes”, disse Santana.

“No mesmo dia encaminhei pedido de correção para a empresa, tendo a empresa informado que iria corrigir. Também solicitei alteração do pagamento, que estava na condição de antecipado. A invoice tem que dispor os termos que estão no contrato.”

Ele disse que fez o primeiro contato por telefone, e que a segunda versão da invoice foi enviada pela Precisa no dia 24 de março. Esta versão ainda trazia informações incorretas a respeito do pagamento – constava que deveria ser pagamento antecipado, em vez de após a entrega, como previa o contrato de compra da Covaxin.

“Mandei por e-mail pedindo que se atentasse que contrato não tinha essa cláusula e fizesse essa correção”, disse Santana, afirmando que a Precisa “sempre se prontificou a fazer as correções que nós pedíamos”. Ele acrescentou que na terceira versão da invoice a informação sobre o pagamento havia sido corrigida, mas ainda havia outras incorreções.

“A terceira invoice ainda apresentava dois erros. O primeiro o é o incoterm. O que fornecedor fez: apresentou CIF. Quando vai ler descritivo, dispõe das regras de transporte marítimo. Pedi para trocar para CIP, porque prevê que carga venha via aérea. O CIP também determina frete e seguro. O termo diz que todo o transporte será de responsabilidade da empresa, inclusive seguro da carga”, acrescentou.

Ele disse também que solicitou à empresa para deixar claro na invoice os valores referentes ao frete e seguro para que isso não fosse embutido nos preços da vacina. O valor recuperado pela CPI, era de US$ 950 mil. “Frete e seguro não pode constar no somatório total”, afirmou.

FISCALIZAÇÃO AUTORIZOU

Ele ressaltou que prosseguiu com o processo de importação depois que a área de fiscalização dos contratos liberou a operação, ainda que na invoice constasse o nome da Madson – e não da Precisa – como a fornecedora das vacinas. Tanto o governo quanto a fiscal do contrato alegaram que a operação foi aceita porque a Madson era a representante logística da Bharat Biotech.

O quantitativo menor que o previsto – de 3 milhões de doses, em vez de 4 milhões – também foi aprovado pela fiscalização porque supostamente as 1 milhão de doses que ficariam faltando seriam entregues posteriormente.

Santana disse à CPI que é normal haver erros nas invoices, mas que na quantidade observada neste caso da Precisa é “não é comum”.

“Existem casos que fornecedores enviam documentação que precisa ser corrigida, e o papel da divisão de importação é exatamente esse. Geralmente isso é comum em proforma invoice – não ter incoterm, peso líquido, peso bruto. Estamos ali justamente para fazer análise”, disse ele. Questionado se é normal haver tantos erros quanto no caso da Precisa, ele disse: “não nessa quantidade”.

Veja abaixo a íntegra da audiência: