Política monetária do BCE não deve mudar em última reunião de Draghi

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Por Cristiana Euclydes

São Paulo- Após o amplo pacote de estímulos anunciado em setembro, o Banco Central Europeu (BCE) não deve divulgar mudanças de política monetária na quinta-feira, quando ocorrerá a última reunião de Mario Draghi como presidente da instituição. Novas medidas, porém, podem vir em dezembro, segundo analistas consultados pela Agência CMA.

Na reunião anterior, o BCE cortou a taxa de depósitos em 0,1 ponto percentual (pp), para -0,5% ao ano, e anunciou que as compras de ativos seriam retomadas em um ritmo mensal de 20 bilhões de euros, a partir de 1 de novembro, entre outras medidas de afrouxamento monetário.

“Depois de introduzir medidas significativas de estímulo na reunião de 12 de setembro, é improvável que outras medidas sejam feitas neste momento, mas detalhes adicionais em torno da implementação são possíveis”, disse o
economista do Scotiabank, Derek Holt.

“Draghi pode estender o tema de sua coletiva de imprensa anterior, no qual enfatizou a necessidade de a política fiscal assumir o controle”, acrescentou ele. Na coletiva, Draghi disse que a política fiscal é necessária para potencializar as medidas monetárias, e que os países com espaço fiscal devem usá-lo, com um apelo especial à Alemanha.

Para Holt, a reunião será “apenas o canto dos cisnes do presidente Mario Draghi”, já que a ex-diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, assumirá as rédeas da próxima decisão de política monetária em 12 de dezembro.

Draghi deixará um Conselho dividido, como mostrou a ata da reunião de setembro, segundo a qual os membros discordaram em especial sobre o reinício do programa de afrouxamento quantitativo, mas também sobre cortes nos juros, sobre as reservas em camadas e sobre as novas operações direcionadas de refinanciamento de longo prazo (TLTROs, na sigla em inglês).

“Na quinta-feira, Mario Draghi realizará sua decisão final de política
monetária no BCE, em meio à crescente divisão do Conselho. Não esperamos novas medidas e será um evento de despedida depois de oito anos no comando”, afirmou o analista do FXTM, Hussei Sayed.

“Dadas as divisões do Conselho, não há chance de mudanças nas políticas na próxima semana”, disse o economista da Capital Economics, Jack Allen-Reynolds. De acordo com ele, o BCE pode declarar “que os riscos para o crescimento mudaram ainda mais para o lado negativo”.

O economista destacou que as tensões comerciais e o maior protecionismo devem pesar, assim como a Organização Mundial do Comércio (OMC) de dar o aval para os Estados Unidos aplicarem tarifas a US$ 7, bilhões em bens importados europeu devido aos subsídios à Airbus. “Isso aumentou a chance de a UE se envolver em uma guerra comercial”.

A Capital Economics prevê que o BCE reduza a taxa de depósito em mais 0,30 pp no próximo ano, para -0,80%, e aumente suas compras de títulos corporativos. O Rabobank também prevê novos estímulos em breve, com um potencial corte de juros de 0,1 pp a partir de dezembro, acompanhado de outro rebaixamento nas projeções de crescimento da economia.

“Considerando que os dados continuam fracos e os riscos para as
perspectivas não são melhorando, pensamos que o BCE verá a necessidade de reforçar esta mensagem de determinação. Em outras palavras, eles podem precisar agir novamente mais cedo do que mais tarde”, disseram os analistas Bas van Geffen e Elwin de Groot.

LIMITES

Os analistas consultados pela Agência CMA ainda têm dúvidas sobre a eficácia do amplo pacto de estímulos anunciado pelo BCE, e afirmam que o BCE terá que discutir mais cedo ou mais tarde mudanças nas regras das compras de ativos.

“Uma discussão sobre como o banco poderá afrouxar a política no futuro, inclusive aumentando seus limites de detenção de títulos, será lançada no meio do campo”, disse Allen-Reynolds.

Atualmente, o limite de dívida de um determinado país que pode ser detido pelo BCE é de 33%. Além disso, a alocação de títulos públicos nas jurisdições elegíveis é orientada pela subscrição do capital dos respectivos bancos centrais nacionais à chave de capital do BCE.

Na reunião de setembro, Draghi disse que uma discussão sobre limites “poderia esperar até que a questão se tornasse mais urgente”. Para Bas van Geffen e Elwin de Groot, a fala de Draghi sugere que o Conselho está lentamente começando a ver um esgotamento potencial dos ativos disponíveis.

“A menos que as perspectivas melhorem substancialmente até o primeiro semestre de 2020 (o que não esperamos), o BCE provavelmente terá que quebrar uma das regras fundamentais inicialmente imposta ao programa da compra de ativos”, disseram, em referência à chave de capital e o limite do emissor.

Além disso, a retomada das compras de ativos tem gerado dúvidas sobre sua eficácia. “O BCE reiniciará seus 20 bilhões de euros em compras de ativos por mês em novembro, e a questão principal permanece: é o suficiente?”, questiona Sayed, do FXTM.

“Os economistas acreditam que o atual esquema não será eficaz no aumento da inflação, nem será o corte da taxa de 0,10 pp. Portanto, é provável que Draghi use sua reunião final para pressionar os governos a usar suas políticas fiscais para trazer o crescimento de volta”.

Por outro lado, o pacote de estímulos pode desestimular os governos a usarem a política fiscal, destacou Holt, do Scotiabank. “Pode-se argumentar, no entanto, que reduzir cada vez mais os custos dos empréstimos reduz a disciplina de mercado imposta aos governos para adotar soluções mais criativas para impulsionar o crescimento a longo prazo”, disse ele.

Segundo Allen-Reynolds, da Capital Economics, “continuamos céticos em relação aos governos afrouxarem a política fiscal o suficiente para que o BCE se mantenha firme”. Ele destacou que os planos orçamentários de 2020 mostram expansões fiscais na Alemanha e outros países, mas “qualquer alteração em impostos e gastos provavelmente será bem pequena”.

LAGARDE

Esta é a última reunião de Draghi como presidente do BCE, antes de Lagarde assumir o posto no dia primeiro de novembro. A nova chefe do banco, porém, terá que lidar com um Conselho dividido, em meio a um cenário global de desaceleração econômica e de tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China.

Em discurso ao Parlamento Europeu, no início de setembro, ela sinalizou que pode rever as taxas de juros negativas da zona do euro, amplamente criticadas por países como a Alemanha. Segundo ela, é preciso “estar atentos aos possíveis efeitos colaterais” de políticas monetárias não convencionais.

Os analistas do Rabobank, Bas van Geffen e Elwin de Groot, ressaltaram que
“as crescentes brechas entre os diferentes membros correm o risco de interferir com a eficácia do BCE”, em especial em termos de orientação e
sinalização.

“Um Conselho fraturado terá muito mais dificuldade em concordar com o próximo curso de ação. Portanto, o Conselho deve consertar suas pontes e construir um novo consenso. Este será o primeiro de muitos desafios aguardando Lagarde quando ela assumir o cargo em novembro”, disseram eles.