Piora da crise hídrica pode ter impacto maior que o previsto em empresas e economia, dizem analistas

A avaliação após novas medidas do governo, no entanto, é que o risco de um apagão é menor do que em 2001

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São Paulo – O agravamento da crise hídrica no Brasil, que reduziu os níveis dos reservatórios das hidrelétricas, pode impactar mais a economia e a demanda das empresas do que o previsto inicialmente e não está descartada uma nova piora, no entanto, o risco de um apagão é menor do que em 2001, considerando a matriz atual, avaliaram analistas após o governo federal ter anunciado novas medidas para enfrentar a situação.
Ontem, o governo anunciou um novo aumento da tarifa, incentivos à redução do consumo de energia e a flexibilização da operação das usinas hidrelétricas.
Em relatório que estima as implicações de um cenário de escassez de energia ou racionamento, o Credit Suisse indica que as siderúrgicas brasileiras parecem ser as mais expostas, dado o fato de que suas receitas derivam principalmente das vendas domésticas e também porque os clientes industriais tendem a ter requisitos de eletricidade relativamente elevados.
A análise avaliou, por exemplo, possíveis impactos no ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de uma redução potencial de embarques para companhias de mineração, siderurgia, papel e celulose (Vale, CSN, Gerdau, Usiminas, Dexco, Klabin e Suzano).
“Embora possa haver maneiras das siderúrgicas compensarem cortes de produção, a demanda de aço, em nossa percepção, seria mais negativamente impactada em uma base relativa do que a demanda de celulose, papel ou minério de ferro”, afirmam os analistas.
Por outro lado, as empresas de celulose e papel Suzano e Klabin parecem ser as ações mais isoladas desse cenário influenciadas por capacidades de autogeração consideráveis (a Suzano até exporta eletricidade) e a maior parte de suas receitas é proveniente do exterior.
Além disso, os analistas do banco suíço também consideram que, apesar dos níveis críticos dos reservatórios, ainda há uma reserva de geração por outras fontes (térmicas e renováveis), com uma nova capacidade programada para começar até 2022, além de incentivos de resposta à demanda, mais conexões e novas medidas em análise a serem anunciadas pelo governo que devem evitar o racionamento em 2021/2022.
Eles também estimam que os reservatórios alcancem uma capacidade de 12% até o fim de 2021, melhorando para cerca de 80% em janeiro de 2022.
“Nosso modelo provavelmente sugeriria um racionamento (ou maior controle de demanda) se os volumes aumentarem mais de 5% na comparação anual nos próximos meses (o consumo acumulado aumentou 7,7% no acumulado no ano de acordo com a EPE); a hidrologia continuar abaixo de 60% do LTA de setembro a dezembro; a disponibilidade de térmicas (excluindo biomassa) ficar abaixo da média de 13 GW em 2022”, escreveram, em relatório.
A Levante Ideias de Investimento conta que a nova bandeira “escassez hídrica”, que representa uma alta de 49,63% em relação à situação anterior, já vem sendo chamada informalmente de “bandeira preta”, e considera que as comparações com o apagão de 2001 são inevitáveis, pois, assim como agora, havia a convicção de que o país não tinha problemas de energia devido a seu parque gerador de usinas hidrelétricas, e que profissionais do setor elétrico vinham advertindo para gargalos e riscos de racionamento, mas essas conversas não eram muito ouvidas.
A casa de análise considera que a oferta de eletricidade tornou-se um problema mais sério e pode comprometer os prognósticos do Produto Interno Bruto (PIB) para 2022.
“Uma das provas da gravidade da situação é que o governo alterou as regras da capitalização da Eletrobras, determinando que a holding do setor elétrico antecipe um aporte de R$ 5 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) em 2022 para compensar o aumento das despesas com a contratação de energia das usinas termelétricas e com a aquisição de energia dos países vizinhos. Para pagar, a empresa deve usar o dinheiro que receberá dos acionistas privados. A modelagem da capitalização, na prática uma privatização, previa contribuições anuais nos próximos 25 anos, mas o governo quer antecipar o pagamento”, comenta o analista Rafael Bevilacqua, em nota.
O analista pondera que embora a situação atual seja melhor que a de 2001 (última vez em que o Brasil sofreu racionamento) devido à disseminação de outras fontes na matriz energética em relação à hidráulica, um eventual apagão teria efeitos drásticos sobre a economia em 2022, com o crescimento esperado caindo dos 2% previstos para perto de zero, “algo sempre explosivo em um ano eleitoral”, conclui.
O BTG Pactual disse não ter certeza da eficácia das medidas anunciadas ontem pelo governo, embora tenha considerado “bem-vindas”, e avalia que os próximos meses serão decisivos para saber se será factível esperar e apostar na ocorrência de chuvas ou se será necessário adotar medidas mais drásticas. “Parece que agora estamos esperando o melhor, mas nos preparando para o pior”, disseram os analistas, em relatório.
No entanto, mostra visão positiva para as distribuidoras de energia, destacando que o aumento da bandeira tarifária reduz a pressão sobre o caixa das distribuidoras e fornece um incentivo para um menor consumo de energia elétrica, e que o programa de redução voluntária da demanda de energia para clientes cativos vai representar economia líquida para o setor, uma vez que o custo do programa (R$ 500 por MWh) é inferior ao maior custo das térmicas despachadas hoje (R$ 1500 a 2000 por MWh).
Edição: Danielle Fonseca (daniele.fonseca.com.br)