Mercado de juros foi marcado por choque inflacionário e riscos fiscais

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante cerimônia de posse da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, no Palácio do Planalto.

O primeiro ato do ministro Fernando Haddad à frente da Fazenda foi afirmar, em entrevista, que a taxa de juro real está “fora de propósito”, comparando a inflação do Brasil com a de países da Europa e dos Estados Unidos. 

“Então você tem um mundo onde você tem uma taxa de inflação menor que EUA e Europa, só que nós estamos com a taxa de juros maior do planeta. Então olha o paradoxo que nós estamos vivendo”, disse.  

Segundo o ministro, é uma situação “completamente anômala uma inflação comparativamente baixa, e uma taxa de juros real fora de propósito para uma economia que já vem desacelerando”, completou Haddad. 

Para além do comentário sobre política monetária, incumbência do Banco Central independente, e que Haddad havia prometido não fazer, os anos que passaram ajudam a explicar o patamar elevado da nossa taxa básica de juros.  

Em 2021, a inflação já dava sinais de aceleração no Brasil, assim como em outras economias avançadas e em mercados emergentes, determinada inicialmente pela disparada dos preços dos alimentos e da energia, fruto da quebra da cadeia de produção pós-Covid-19. 

Em 2022, a situação não foi menos dramática. A guerra na Ucrânia foi outro choque inflacionário para a região. Estimativas do Fundo Monetário Internacional sugerem que um aumento de 10 pontos percentuais nos preços globais do petróleo levaria a um aumento de 0,2 pontos percentuais na inflação na América Latina, enquanto um aumento de 10 pontos percentuais nos preços globais dos alimentos resultaria em uma alta de 0,9 pontos percentuais na inflação. Um choque combinado de 10 pontos percentuais nos preços do petróleo e dos alimentos elevaria a inflação em 1,1 pontos percentuais. 

Portanto, logo no início do ano passado, o mercado enfrentou um forte choque, com a guerra na Ucrânia e os ecos da pandemia. Os Bancos Centrais pelo mundo começaram a entender, ainda que timidamente, que precisavam agir.  

Segundo o economista da ASA Investments, Angelo Polydoro, o início de 2022 “foi uma pancada”. 

“As economias ainda não tinham se ajustado ao choque de oferta e demanda, energia, além do prejuízo humanitário. Tínhamos um custo energético e também de alimentação muito alto”, disse. 

Para Polydoro, se fosse apenas a guerra, mesmo que muito ruim, as economias teriam condição de administrar os impactos.  

“Mas a gente descobriu que a inflação estava muito mais forte do que a gente imaginava. Todos os Bancos Centrais erraram muito nas projeções de inflação, estavam atrás da curva”, lamentou. 

Com as autoridades monetárias “atrás da curva”, os mercados poderiam questionar a credibilidade das instituições. E isso, segundo Polydoro, seria o pior cenário possível, porque desancoraria as expectativas dos bancos centrais.  

“Felizmente, nós começamos o processo de ajuste mais rápido, descarregamos do Fed (o banco central norte-americano)”, disse o economista. Em outras palavras: o Brasil começou mais cedo o processo de alta de juros para combater a inflação.  

“Temos tradição nisso e logo ativamos o modo alerta: que é subir bastante juros”, disse Polydoro.  

Como o processo foi iniciado com brevidade, segundo ele, de fato as taxas já poderiam ter começado a ser cortadas a partir do segundo semestre de 2022, como lamentou Haddad, mas o processo eleitoral e todos seus desdobramentos aumentaram o risco fiscal.  

E é este ponto que o novo ministro da Fazenda ignora quando reclama do atual patamar da Selic (a taxa básica de juros): o risco fiscal.  

O mercado entendeu que a PEC da Transição, em tramitação a partir do último trimestre do ano, que permitiu ao novo governo aumentar em R$ 145 bilhões o teto de gastos para bancar despesas como o Bolsa Família, o Auxílio Gás e a Farmácia Popular, liberou gastos acima do que era necessário.  

“Houve uma deterioração fiscal que deve aumentar a demanda da economia e pressionar a inflação”, explicou Polydoro. Por isso, o Banco Central mantém a taxa no atual patamar de 13,75% a.a., que Haddad diz não entender.  

Para o economista, a própria credibilidade da política econômica como um todo ficou abalada após a aprovação da PEC.  

“O juiz nem apitou o início da partida e o pacote já era muito alto”, lamentou. “Todos os cortes na taxa de juros que estavam na curva foram retirados e começamos a namorar a volta do processo de ajuste”, explicou o economista da ASA Investments. 

Segundo ele, neste início de ano “estamos no processo de entender em que medida a deterioração de fundamentos afeta o mercado”.  

“Até que ponto os investidores estarão dispostos a colocar dinheiro no Brasil? Isso é perigoso. Dado o nosso nível atual de dívida e o esforço em termos de arrecadação para garantir a sustentabilidade da dívida, achamos muito difícil que o sistema arrecade tudo que está sendo ventilado”, disse. “Precisamos arrecadar mais 2% do PIB, mas aumentar impostos não é um processo simples”, alertou. 

O risco de perda de credibilidade como país é o pior cenário possível, mas qual é o melhor? Polydoro crê que é um governo comprometido com reformas, aumento da arrecadação e corte de gastos.  

“O Banco Central pode ser o primeiro a começar a cortar juros, mas não vemos isso acontecendo dado o esforço para ajustar o fiscal”, disse.  

Para este primeiro semestre, o economista acredita que o mercado de Depósitos Interfinanceiros (DI) ainda vai ser dominado pelo noticiário político e fiscal. “Os juros no mundo, hoje, estão acima do que deveriam ser quando as economias acalmarem e vamos começar a debater sobre seu patamar dado o risco de recessão”, afirmou. Mas ele alerta: “Estrangeiros estão prontos para comprar no Brasil, a questão é se vamos querer voltar a ser Brasil”.