Governador e ex-secretário do Amazonas entram em relatório da CPI

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O governador do Amazonas, Wilson Lima. (Foto: Diego Peres / Arquivo Secom)

São Paulo – O senador Renan Calheiros (MDB-AL) colocou o governador do Amazonas, Wilson Lima, e o ex-secretário de Saúde do estado Marcellus Campêlo entre os que terão pedido de indiciamento arrolado no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga erros e omissões do governo no combate à pandemia de covid-19.
Ele manteve, porém, o presidente Jair Bolsonaro no centro das acusações, e pouco antes do início da reunião da comissão chegou a chamar o chefe do Executivo de “serial killer que tem compulsão de morte e continua a repetir tudo o que fez anteriormente”.
“A insistência no tratamento precoce em detrimento da vacinação aponta para o presidente da República como o principal responsável pelos erros de governo cometidos durante a pandemia da covid-19, já que foi corretamente informado e orientado pelo Ministério da Saúde, e mesmo assim agiu em contrariedade à 1165 orientação técnica, desprezando qualquer alerta que se contrapusesse a suas ideias sem fundamento científico, ou simplesmente demitindo os técnicos responsáveis por esses alertas”, afirmou o senador no documento.
Renan também acrescentou ao texto a afirmação do presidente Bolsonaro de que pessoas vacinadas contra a covid-19 tinham contraído o vírus da Aids – declaração que foi amplamente rechaçada por autoridades de saúde e que motivou a suspensão de canais do presidente em redes sociais.
“Ele demonstra claramente que não tem respeito nenhum com a vida dos brasileiros e nem zela pela saúde pública”, disse o senador. “Evidente que nós fizemos um registro que demonstra sobretudo que ele não muda, ele não aprende. Como a CPI está se encaminhando par ao final de seus trabalhos ele acha novamente que pode falar sozinho”.
INVESTIGAÇÃO DE BOLSONARO
No documento, Renan Calheiros pede que Bolsonaro seja investigado por 10 crimes – o maior número de imputações atribuídos a uma única pessoa – e aponta o chefe do Executivo como sendo o maior responsável pela decisão do governo federal de ser “omisso” e “agir de forma não técnica e desidiosa no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa”.
Segundo o relatório, ficou comprovada a existência de um “gabinete paralelo” composto por médicos, políticos e empresários sem investidura formal em cargos públicos. Este grupo, de acordo com Renan Calheiros, “prestava orientações ao presidente da República sobre o modo como a pandemia da covid-19 deveria ser enfrentada e participava de decisões sobre políticas públicas, sem que fossem observadas as orientações técnicas do Ministério da Saúde.”
O senador disse também que ficou evidente a intenção do governo de imunizar a população por meio da contaminação natural, ideia que teria sido originada no gabinete paralelo e defendida por Jair Bolsonaro.
“Essa estratégia levou o presidente Jair Bolsonaro, por um lado, a resistir obstinadamente à implementação de medidas não farmacológicas, tais como o uso de máscara e o distanciamento social e, sobretudo, a não conferir celeridade na compra de imunizantes, mas, em sentido oposto, a dar ênfase à cura via medicamentos, por meio do chamado ‘tratamento precoce'”, afirmou Renan Calheiros.
Ele acrescentou que Bolsonaro e outras autoridades federais – mas principalmente o presidente- estimularam a população brasileira “a seguir normalmente com sua rotina, sem alertar para as cautelas necessárias, apesar de toda a informação disponível apontando o alto risco dessa estratégia”.
“A ênfase do governo foi em proteger e preservar a economia, bem como em incentivar a manutenção das atividades comerciais, inclusive, com propaganda oficial apregoando que o Brasil não poderia parar”, afirmou.
“O presidente da República repetidamente incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a covid-19. Essa estratégia, na verdade atrelada à ideia de que o contágio natural induziria a imunidade coletiva, visava exclusivamente à retomada das atividades econômicas.”
A alternativa ao uso de máscaras e ao distanciamento social apresentada pelo governo federal foi “a defesa incondicional e reiterada do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, bem como de outros fármacos, como a ivermectina e a azitromicina, mesmo após estudos científicos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras autoridades sanitárias em todo o mundo demonstrarem a ineficácia desse tratamento”
“Tal defesa permaneceu inclusive no decorrer de 2021, quando o mundo já abandonara tal tratamento desde meados de 2020, até mesmo na recente exposição do Presidente na Assembleia Geral das Nações Unidas. Atuando assim, a opção levada a cabo sobretudo pelo chefe do Executivo Federal contribuiu para uma aterradora tragédia, na qual centenas de milhares de brasileiros foram sacrificados e outras dezenas de milhões foram contaminados”, disse Renan Calheiros.
O relatório aponta também que a veiculação de notícias falsas ajudou a alcançar o “objetivo negacionista” do governo federal, assim como a omissão dos órgãos oficiais de comunicação no combate aos boatos e à desinformação. “Também existiu forte atuação da cúpula do governo, em especial do presidente da República, no fomento à disseminação de fake news”.
“Com efeito, verificou-se a existência de um grande volume de notícias que desinformaram a população brasileira no processo de enfrentamento da covid-19. Foram identificadas campanhas feitas nas redes sociais com conteúdo claramente contrário a evidências técnicas e científicas”, diz o documento.
 
ATRASO NA COMPRA DE VACINAS
O senador Renan Calheiros disse no relatório que houve “atraso deliberado” do governo na compra de vacinas contra a covid-19 e que esta foi “a mais grave omissão” do governo federal.
“O atraso na compra e obtenção de vacinas pelo governo federal e a imposição de escassez à sociedade, com várias interrupções na vacinação, conforme observado por todo o ano de 2021, foi fator que contribuiu decisivamente para o alto índice de novos casos e de mortalidade no País, assim como facilitou o alastramento de novas variantes”, afirmou.
Segundo o parecer, as investigações feitas pela CPI apontou que durante a gestão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco, foram feitas as primeiras ofertas de aquisição preferencial de vacinas, com destaque para o imunizante CoronaVac, da empresa Sinovac, em parceria com o Instituo Butantan, e o da Pfizer.
“Não obstante, as tratativas e a conclusão das negociações do governo federal sofreram injustificável e intencional atraso, que impactou diretamente na compra das vacinas e no cronograma de imunização da população brasileira”, afirmou, acrescentando que o Brasil poderia ter começado a vacinar a população em dezembro de 2020, juntamente com o Reino Unido, mas que isso não aconteceu por negligência do governo.
“O governo federal centralizou sua atenção na vacina AstraZeneca, em vez de ampliar suas opções, para outros imunizantes como a CoronaVac, que tinha o Butantan como parceiro, a Pfizer, que tinha uma estrutura promissora para a produção de grande quantitativo de vacinas, a Janssen, que detinha a tecnologia de dose única, entre outros.
“Os trabalhos da comissão revelaram que a aquisição de imunizantes não foi uma prioridade. De fato, verificou-se demora na conclusão dos contratos de compra do imunizante, falta de iniciativa do governo federal em ajustar a legislação para permitir a aquisição e o uso das vacinas. Essa atuação negligente apenas reforça que se priorizou a cura via medicamentos, e não a prevenção pela imunização”, afirmou.
AMAZONAS
Outro ponto do relatório trata do aumento de casos no estado do Amazonas no início de 2021 e da falta de leitos e insumos hospitalares na região para tratar os doentes, o que resultou num aumento no número de mortes provocadas pela covid-19.
“Foi possível observar que, já na primeira onda da pandemia [em meados de 2020], os sistemas de saúde do Amazonas evidenciaram dificuldades de resposta à covid-19. Os leitos de UTI alcançaram a quase totalidade de ocupação e um enorme número de pessoas vieram a óbito, sobrecarregando, inclusive, o sistema funerário.”
“Passadas as festividades de Natal de 2020, já era possível antever uma segunda onda do novo coronavírus. No entanto, o Ministério da Saúde somente enviou uma equipe ao Estado no início de janeiro de 2021, quando houve nova duplicação de internações. Ademais, não foram encontradas evidências da adoção de medidas para abrandar o previsível colapso do sistema de saúde local, mesmo tendo havido solicitação do Secretário de Saúde do Amazonas ao Ministério da Saúde, no dia 30 de dezembro, solicitando o envio da Força Nacional do SUS para auxílio no monitoramento e orientação técnica.”
Renan Calheiros também ressaltou que o Ministério da Saúde agiu para oferecer ao Amazonas “orientações de intervenção precoce para covid-19” mesmo sem haver evidência científica que justificasse este tipo de política. “Essas ações e omissões revelaram que, a um só tempo, o povo amazonense foi deixado à própria sorte e serviu de cobaia para experimentos desumanos”, acrescentou.