Faltou campanha e vacina anticovid, diz ex-coordenadora do PNI à CPI

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Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, Francieli Fantinato. (Foto: Edilson Rodrigues / Agência Senado)

São Paulo – O Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde teve que trabalhar no combate à pandemia de covid-19 com escassez de vacinas e de campanhas publicitárias capazes de estimular a população a buscar a imunização contra a doença, disse a ex-coordenadora do programa, Franciele Fantinato.

“Por que o maior programa de vacinação do mundo teve dificuldades em executar o seu papel? O PNI sabia muito bem o que precisava fazer, sempre soube. É assessorado pelos conselhos, sociedades científicas, pelos maiores especialistas brasileiros na área de vacinação. São 47 anos de ampla expertise”, disse ela à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga erros e omissões do governo no combate à pandemia de covid-19.

“Faltou para o PNI, sob a minha coordenação, quantitativo suficiente para a execução rápida de uma campanha e campanhas publicitárias. Portanto, há que se considerar que o PNI, estando sob qualquer coordenação, não consegue fazer campanha exitosa sem vacina e sem comunicação, sem campanha publicitária efetiva”, disse ela

“Para programa de vacinação ter sucesso, é simples: é necessário ter vacina, e necessário ter campanha publicitária efetiva. Infelizmente não tive nenhum dos dois”, acrescentou.

Fantinato, que foi exonerada recentemente da coordenação do PNI a pedido dela própria, foi chamada à CPI porque enquanto ocupava o cargo editou nota técnica aos estados recomendando a vacinação de gestantes que tinham recebido a primeira dose da Astrazeneca com qualquer vacina que estivesse disponível, sem haver comprovação de segurança ou eficiência disso em gestantes.

Sobre isso, ela disse que o PNI, juntamente com uma câmara técnica, havia recomendado a vacinação de grávidas algumas semanas antes porque a taxa de mortalidade por covid-19 neste grupo estava alta – 19 a cada 100 mil. “Foi feita uma avaliação do perfil de benefício e risco em relação a esta vacinação, com toda a responsabilidade que precisa ter com este grupo”, disse Fantinato, acrescentando que a Organização Mundial da Saúde (OMS) não restringe o uso das vacinas em uso no Brasil em grávidas.

No entanto, no dia 7 de maio, a morte de uma gestante após receber a vacina da AstraZeneca levou a uma reavaliação da decisão. O PNI discutiu o assunto nos dias 8 e 9 e 10 de maio, sem chegar a uma conclusão específica – porque segundo Fantinato a morte da mulher, por trombose, poderia ter acontecido mesmo se ela não estivesse grávida -, mas no dia 10 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o uso da vacina da AstraZeneca em gestantes.

Isso, no entanto, gerou um outro problema – o que fazer com as cerca de 15 mil mulheres grávidas que já haviam recebido a primeira dose da vacina e precisavam da segunda dose para completar o ciclo de imunização contra a doença.

“Seguimos a orientação da Anvisa, e aí emitimos nota técnica em 14 de maio”, em que foi defendida a vacinação com doses de outras vacinas, algo que segundo ela já estava sendo analisado em outros países e que fazia sentido do ponto de vista técnico porque as vacinas são semelhantes. “Todas as plataformas de vacina utilizam proteína S como antígeno”, afirmou.

A nota técnica foi vetada por decisão do ministro da Saúde, que queria mais discussões acerca do tema, segundo Fantinato. Ela, no entanto, reiterou que a decisão do PNI na ocasião foi acertada, que hoje há estudos indicando que a intercambialidade de vacinas é viável e que o cenário pandêmico justificaria esta abordagem, visto que atualmente morrem 39 a cada 100 mil gestantes por covid-19.

Sobre sua saída da coordenação do PNI, ela disse ter deixado o cargo “por questões pessoais” e “pelos últimos acontecimentos da politização do assunto em relação à vacinação”.

BOLSONARO E  VACINAÇÃO

Os comentários do presidente Jair Bolsonaro contestando a segurança das vacinas contra a covid-19 geraram dúvidas na população quanto à campanha de imunização que estava sendo desenhada pelo Ministério da Saúde, disse Fantinato.

“A gente sabe que tem evidências científicas, sabe que vacinas trazem bastante benefício, e espera que todas as pessoas falem em prol da vacinação”, disse ela durante depoimento, acrescentando em seguida que “ter uma politização do assunto por meio do líder da nação” com declarações que “muitas vezes colocam em dúvida” a confiabilidade das vacinas jogava contra a campanha de imunização.

“Não dá para colocar em dúvidas a vacinação quanto meio efetivo para controle da pandemia. Quando a gente tem ciência, quando a gente tem segurança no produto que a gente está usando, quando os resultados apontam de forma favorável que aquilo pode trazer resultado para a população”.

“Quando temos todas as evidências que mostram que vacinação é meio eficaz para que a gente possa controlar a pandemia, qualquer indivíduo, qualquer pessoa que fale contrário à vacinação vai trazer dúvidas à população brasileira. Há necessidade de comunicação única. Seja de qualquer cidadão, de qualquer escalão.”

De 2020 até agora houve várias ocasiões em que o presidente Jair Bolsonaro colocou em dúvida a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19. Ele criticou publicamente, por exemplo, cláusulas do contrato da Pfizer que isentavam a companhia de responsabilidade por efeitos colaterais do imunizante. “Se você virar um jacaré é problema de você, pô”, disse ele, na ocasião.

Ele chegou inclusive a dizer que não tomaria as vacinas contra a covid-19. “Alguns falam que estou dando péssimo exemplo. Ô imbecil, idiota, que está dizendo que estou dando um péssimo exemplo: eu já tive o vírus, eu já tenho anticorpos. Para que tomar vacina de novo?”

O presidente também ironizou os resultados de testes sobre a eficácia da CoronaVac – vacina desenvolvida pela Sinovac e envasada no Brasil pelo Instituto Butantan, vinculado ao governo de São Paulo, de seu adversário político, o governador João Doria.

Na época, foi divulgado que a vacina tinha 50,38% de eficácia geral na prevenção da covid-19, evitava sintomas leves em 78% dos casos e sintomas graves em virtualmente todas as situações. Bolsonaro disse que “se jogar uma moedinha para cima é 50% de eficácia”.

Veja abaixo a íntegra da reunião: