Estratégia de ‘dupla circulação’ na China deve estimular oferta e demanda

1620

São Paulo, 26 de novembro de 2020 – O termo pode ainda ser desconhecido no universo econômico, mas a estratégia de dupla circulação (dual circulation, em inglês), que deve caracterizar a próxima fase do desenvolvimento da China a partir de 2021, dificilmente será uma palavra-chave de curta duração.

A proposta desse novo ciclo, apresentada pela primeira vez em maio e que deve fazer parte do 14º Plano Quinquenal, a ser lançado pelo Partido Comunista Chinês (PCCh) no ano que vem, torna o consumo interno um dos pilares da economia chinesa, ao mesmo tempo em que ajuda a melhorar a autossuficiência do país em setores importantes, como a tecnologia.

“A dupla circulação significa que as ‘circulações’ interna e internacional se complementam”, diz a chefe de Economia da Ásia-Pacífico do Scotiabank, Tuuli McCully.

Ela afirma que com essa nova estratégia, o modelo de crescimento econômico da China baseado nas exportações – que têm sido um dos principais motores desde a adesão do país à Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001 – será agora oficialmente substituído por uma abordagem que, simultaneamente, atenta-se aos lados interno e externo da economia.

O novo padrão de desenvolvimento de promoção mútua de ciclos duplos – doméstico e internacional – é uma proposta nova, que vem sendo repetidamente mencionada pelo presidente da China, Xi Jinping, nos últimos meses. Até então, era conhecido apenas o termo circulação internacional, cunhado no fim dos anos de 1980 por um pesquisador do governo chinês, que defendia que o país deveria buscar uma estratégia de crescimento liderada pela exportação.

Este foi, então, um princípio orientador desde o início dos anos 2000. Com a junção ao termo circulação interna, a China propõe fortalecer o próprio mercado doméstico, mas ainda se mantendo aberta ao mundo.

“O novo padrão de desenvolvimento não será de forma alguma um ciclo doméstico fechado. Em vez disso, é uma circulação dupla aberta, envolvendo os mercados interno e externo”, afirmou Xi, durante o Quinto Plenário do PCCh, realizado no fim de outubro.

McCully, do Scotiabank, corrobora a visão de que a estratégia não implica que a China esteja “se voltando para dentro”. “A realidade é que a economia chinesa está – e já há vários anos – em meio a uma transição estrutural em direção a uma economia mais voltada ao consumo e aos serviços”, afirma.

A economista lembra que um fator importante na busca por um maior desenvolvimento econômico é evitar a “armadilha da renda média”.

O economista Paulo Gala explica que o termo refere-se ao momento em que um país esgota o estoque ocioso de mão de obra, antes de atingir um estágio de sofisticação produtiva minimamente decente. “Muitos países chegam a um nível de renda per capita [por habitante] de US$ 10 mil e por aí ficam e por muito tempo”, afirma, citando o Brasil como exemplo.

Segundo Gala, para evitar essa armadilha é preciso “subir todos os degraus” da escada tecnológica. “É caminhar na sofisticação produtiva e virar um país rico”, diz.

DOIS CICLOS

E é exatamente por isso que a China não deve se fechar para o mundo, pois necessita expandir o excesso de oferta da capacidade industrial e de capital para além das fronteiras do país. Essa exportação produtiva e financeira leva em conta acordos multilaterais de comércio assinados por Pequim, bem como projetos do governo de grande envergadura, como a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) e o Made in China 2025.

“Está claro que a China pretende se manter relevante no mercado global”, afirma a economista do Scotiabank, acrescentando que as lideranças chinesas promovem uma maior integração comercial em nível regional e mundial, além de laços de investimento mais profundos.

“Esses esforços devem permanecer nos próximos anos, constituindo um aspecto-chave da circulação internacional dessa nova estratégia”, acrescenta McCully.

Entre os exemplos mais recentes, está a Parceria Regional Econômica Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), assinada em meados deste mês por 15 países da Ásia-Pacífico, representando, então, o maior acordo de livre comércio do mundo, cobrindo 30% do Produto Interno Bruto (PIB) global.

“É um excelente exemplo de como a China será capaz de aumentar sua influência em termos regionais e globais”, afirma a economista do Scotiabank.

Já as políticas relacionadas à circulação interna estarão focadas em aumentar a renda familiar e o papel do consumidor na economia chinesa. McCully avalia que salários mais elevados podem ser alcançados por meio de reformas no sistema fundiário e de residência, apoiando a urbanização, enquanto melhorias na rede de segurança social tendem a reduzir a taxa relativamente alta de poupança na China. Essas medidas podem ajudar a transformar o país em um mercado consumidor, ao invés de uma fonte de produtos baratos.

“Mas o elemento-chave da circulação interna é o avanço tecnológico, que será crítico para mover o país para cima na cadeia de valor global, tornando a China uma potência tecnológica, sustentada pela inovação doméstica”, diz a economista do Scotiabank, relacionando as aspirações tecnológicas chinesas à estratégia industrial do país.

“A China quer fortalecer e diversificar suas cadeias de suprimentos, impulsionando a fabricação de ponta. Simultaneamente, a nação pretende desenvolver ainda mais o setor de serviços e apoiar a manufatura orientada para os serviços, auxiliando assim na escalada da economia para um nível mais alto de desenvolvimento, que está mais em linha com as principais economias avançadas”, completa McCully.

Portanto, é com essa dupla circulação que a China almeja, por um lado, criar cadeias de abastecimento totalmente domésticas e autodesenvolvidas, fazendo da autossuficiência uma questão de segurança nacional; por outro, abrir-se mais às empresas estrangeiras, tornando-as mais dependente do mercado consumidor chinês e, assim, deixar de ser um país menos vulnerável às pressões externas.

“Não é apenas o que a China precisa para seu desenvolvimento, mas algo que irá enriquecer as pessoas de todos os países”, afirmou o presidente Xi, em discurso de abertura da Exposição Internacional de Importação da China (CIIE), realizada no início deste mês em Xangai.