Eleições venezuelanas abrem caminho para retomada da confiança externa

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Por Caroline Aragaki

São Paulo – A retomada do crescimento econômico da Venezuela está diretamente ligada ao retorno da confiança internacional no país, o que depende de um entendimento entre o governo e a oposição que garanta a estabilidade política, segundo analistas consultados pela Agência CMA.

O país terá duas chances para isso acontecer: em 5 de janeiro com a eleição do presidente da Assembleia Nacional e no final de 2020, com eleição que definirá a composição do órgão legislativo.

“Vai ser difícil retomar a economia independente de quem estiver no poder. O essencial é ter um acordo interno entre oposição e governo”, afirmou a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Denilde Holzhacker. Se não houver um aumento do diálogo, a docente diz que as expectativas serão de pouca mudança.

A análise é compartilhada pelo professor de Relações Internacionais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Leandro Consentino. “Qualquer um que vencer, precisará reunificar”, disse.

Nesse contexto, Consentino acredita que “o esforço de diálogo vem sendo feito, mas as eleições são um grande teste para saber o quanto a mesa de negociações está disposta a receber os resultados. Se a vitória for chavista, o que isso pode levar? Acho que é a grande pergunta, ainda sem resposta”. Atualmente o legislativo é comandado pela oposição.

CRISE DE COMANDO

No Executivo, o ano de 2019 foi marcado por uma crise de comando no país. O resultado das últimas eleições indicou vitória de Nicolás Maduro, sucessor do líder Hugo Chávez. No entanto, a oposição política venezuelana e diversos países contestaram o processo eleitoral e não reconheceram a legitimidade do segundo mandato de Maduro, que assumiu no dia 10 de janeiro.

Em 23 de janeiro, o então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, invocou artigos da Constituição da Venezuela para se autoproclamar presidente interino do país. O ato foi apoiado por mais de 50 países – entre eles Estados Unidos e Brasil.

“Guaidó conseguiu se firmar como principal opositor porque agregou o maior número de deputados e forças políticas. Por muito tempo a Venezuela teve uma fragmentação grande, mas com o aumento da crise econômica, as figuras de oposição começaram a procurar uma liderança que pudesse unir”, explicou Holzhacker, da ESPM.

Agora, tanto Maduro quanto Guaidó estão fragilizados por conta da situação econômica do país. “Dado o histórico de Maduro, houve uma perda de confiança do poder na Venezuela e no mundo inteiro, e a confiança internacional é importante para a economia”, afirmou Consentino, do Insper.

O diretor-geral da consultoria Teneo, Nicholas Watson, chama atenção ainda para a diminuição do interesse internacional para as causas defendidas pela oposição venezuelana.

“O fracasso de Guaidó trouxe à tona rivalidades internas reprimidas dentro da coalizão de oposição heterogênea. Essas questões não apenas afetam a oposição internamente, mas também contribuíram para diminuir o interesse internacional pela causa da oposição”, disse Watson.

APOIO INTERNACIONAL

Dentre os mais de 50 países que apoiam o líder oposicionista venezuela, estão os Estados Unidos, que há meses aplicam sanções ao governo de Maduro.

Em outubro, Washington assinou um acordo bilateral com representantes de Guaidó que prevê destinação de US$ 116 milhões à Venezuela.

O Brasil também integra a lista dos que que consideram o governo interino de Guaidó legítimo mas, segundo Constantino, não oferece uma motivação para o diálogo com o governo de Maduro, algo visto pelo professor do Insper como negativo.

“A política externa brasileira não se pauta pelo pragmatismo, mas pela ideologia. Poderíamos estar conduzindo um processo de diálogo entre as duas forças, oferecendo mediação, mas compramos o lado dos Estados Unidos irrestritamente”, afirmou Constantino.

Holzhacker, da ESPM, lembra ainda que o governo de Maduro conta com o apoio de Rússia e China. “Os países que não reconhecem Guaidó, dificilmente apoiam Maduro, que conta com o apoio internacional mais relevante apenas de Rússia e China”, afirmou.

Para ela, há um esforço internacional para que se chegue a uma mudança de maneira pacífica. “Os Estados Unidos tentaram forçar uma situação de mudança mais dura com o uso da força, mas os governos se posicionaram contrários a isso, inclusive o Grupo de Lima do qual o Brasil faz parte.”

No campo interno, segundo Watson, da Teneo, “o objetivo do regime Maduro é forçar Guaidó a deixar seu cargo ou, ao menos, minar a liderança para dividir a oposição”.

DISPUTAS ENTRE GOVERNO E OPOSIÇÃO

Em 16 de dezembro, 20 parlamentares da oposição foram acusados de “crimes de traição, conspiração, instigação de insurreição, rebelião civil e conluio para cometer crimes” pela Assembleia Constituinte, instituição controlada por participantes de Maduro. Um dos acusados, Luis Stefanelli, alegou anteriormente que o regime Maduro estava oferecendo subornos em dinheiro para aqueles que não votarem em Guaidó em 5 de janeiro.

Um acordo dentro da oposição tende a colocar Guaidó como favorito à presidência da Assembleia Nacional por mais um ano, em uma estratégia para que sua liderança continue a pressão contra Maduro. Entretanto, Guaidó afirmou que até 31 legisladores de oposição estão no exílio autoimposto ou presos, o que poderia prejudicar a votação.