Economia do Irã sofre com sanções, mas pressão máxima de EUA não funciona

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São Paulo – A economia do Irã tem sido fortemente afetada pelas sanções econômicas aplicadas pelos Estados Unidos, as mais recentes delas anunciada este mês, mas ainda assim a campanha de pressão máxima do presidente norte-americano, Donald Trump, contra Teerã não está funcionado, segundo analistas consultados pela Agência CMA.

“A campanha de pressão máxima falhou ao fazer o Irã mudar suas políticas na direção que Washington deseja. Em última análise, essa é a medida do sucesso das sanções”, disse a pesquisadora de Oriente Médio do Quincy Institute for Responsible Statecraft, em Washington, Annelle Sheline.

“A menos que a dor econômica que Teerã esteja sentindo se traduza em uma mudança em suas políticas, a campanha de pressão máxima de Trump fracassará. Até o momento, não vemos evidências de mudança no Irã”, acrescentou.

Além disso, o Irã também não foi convencido a renegociar o acordo nuclear. Sob o pacto, assinado em 2015 com Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Rússia e China, Teerã se comprometeu a limitar seu programa nuclear em troca da suspensão de sanções econômicas. Mas os Estados Unidos se retiraram do acordo em maio de 2018, e reimpuseram as sanções, como o congelamento de ativos e a proibição do comércio de matérias-primas.

“O Irã não aceitou renegociar e, se mudou alguma coisa, foi se comportar de maneira mais agressiva em relação aos Estados Unidos”, disse a pesquisadora de política econômica no Kings College, em Londres, Negar Habibi.

Segundo ela, o Irã já havia desistido de partes significativas de seu programa nuclear com a assinatura do acordo, e o retorno das sanções em 2018 deixou o país de mãos vazias para futuras negociações.

“Portanto, o Irã ficou sem opção a não ser se afastar de seus compromissos no âmbito do acordo nuclear, a fim de fortalecer sua mão para possíveis negociações no futuro. Definitivamente, essa não é uma mudança de comportamento desejada pelos Estados Unidos, mas é uma reação racional à retirada de Washington do ponto de vista dos iranianos”.

Um ano após a saída dos Estados Unidos, em maio de 2018, o Irã anunciou que iria reduzir seus compromissos com o acordo. Este mês, Teerã disse que não cumprirá os limites de enriquecimento de urânio previstos no pacto, após o ataque norte-americano que matou o líder de uma ala da Guarda Revolucionária do Irã, Qassem Soleimani.

O economista da Focus Economics, Steven Burke, disse que “a campanha de pressão máxima de Trump foi projetada para martelar as finanças do governo e a economia. Isso foi alcançado, embora a campanha não tenha tido um impacto significativo sobre a capacidade nuclear do Irã”.

Segundo ele, a campanha representa um revés do ponto de vista humanitário. “Em última análise, o povo iraniano está sofrendo com o impacto das sanções”, disse Burke. “Os Estados Unidos ainda permitem que o Irã importe commodities agrícolas, alimentos, medicamentos e outros itens básicos, mas criaram mecanismos de transação que restringem pagamentos e comércio humanitário de chegar a funcionários do governo”, acrescentou ele.

Segundo Habibi, do Kings College, pesquisas mostram que os efeitos das sanções têm sido devastadores para segmentos da população iraniana que já estavam à beira da pobreza. “Um estudo recente mostra que, devido à alta inflação, 1,6 milhão de pessoas no Irã caíram na pobreza somente em 2018”.

AS SANÇÕES EM NÚMEROS

O governo norte-americano anunciou no último dia 10 uma nova rodada de sanções que tem como alvo os maiores fabricantes de aço, alumínio, cobre e ferro do Irã, em resposta ao ataque de Teerã a bases militares dos Estados Unidos no Iraque no início do mês. A ação não deixou mortos, e foi uma reação do Irã ao bombardeio que matou Soleimani.

“A campanha de pressão máxima, incluindo as novas sanções anunciadas pelo governo de Trump, afetou fortemente a economia do Irã”, disse Sheline do Quincy Institute.

O presidente do Irã, Hassan Rouhani afirmou em um discurso recente que atribui perdas de US$ 200 bilhões às sanções econômicas, refletidas em US$ 100 bilhões em receita de petróleo e outros US$ 100 bilhões em crédito de investimento estrangeiro perdidos.

“Não está claro como isso foi calculado, mas, como reflete apenas a perda de receita do petróleo e de crédito para investimentos estrangeiros, o número poderia ser maior, devido à insuficiência de fundos para investir no futuro do país, ou seja, infraestrutura, educação e assistência médica, o que levará a custos futuros mais altos”, disse a pesquisadora.

Em 2015, o Produto interno Bruto (PIB) do Irã caiu 1,6%. Com a assinatura do acordo nuclear e a suspensão de sanções, a economia iraniana se recuperou e cresceu 12,5% em 2016, desacelerando para a alta de 3,7% em 2017. No ano seguinte, porém, quando as sanções ao Irã foram reimpostas, o PIB caiu 4,8%.

Para 2019, a projeção é de queda de 9,5% no PIB iraniano, segundo relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicado em outubro. A situação não deve melhorar em 2020, destacou Sheline. “O governo tem poucas opções em termos de atendimento a seus déficits orçamentários”.

Burke afirmou que as sanções têm como alvo os setores de energia, transporte e financeiro do Irã e, mais recentemente, os setores de manufatura e metal. “A escalada mais recente das sanções dos Estados Unidos representa um risco significativo para a economia do Irã e pode levar a uma deterioração mais acentuada da atividade econômica no ano iraniano de 2020”, de abril deste ano a março de 2021, disse.

A Focus Economics projeta contração de 7,7% no PIB no ano iraniano de 2019, seu menor nível em décadas. No ano iraniano de 2020, a economia deve recuar 0,1%.

Burke, da Focus Economics, destacou os impactos das sanções no setor petrolífero iraniano. A produção de petróleo do Irã diminuiu quase 40% desde a reimplementação das sanções, enquanto as estimativas das exportações de petróleo do Irã caíram de um pico de 2,8 milhões de barris por dia (bpd) em maio de 2018 para menos de 400 mil de bpd nos últimos meses.

Além disso, as sanções fizeram com que os preços domésticos subissem. “A inflação média é de 40% desde que os Estados Unidos desistiram do acordo nuclear. Isso prejudicou o poder de compra das famílias e pesou bastante no consumo privado”, disse Burke.

No final do ano passado, em uma tentativa de apoiar as finanças do governo, o regime cortou subsídios a combustíveis em aproximadamente 50%, atingindo ainda mais os níveis de gastos das famílias. A decisão levou a protestos em massa, violentamente reprimidos pelo regime.

ALIADOS DO IRÃ

Com a economia fortemente impactada pelas sanções, restam poucas opções ao Irã para contornar a situação. Segundo os especialistas, a Rússia não está em condições de ajudar, com uma economia enfraquecida, enquanto a China já tem problemas demais com os Estados Unidos e a União Europeia (UE) sinalizou que também pode retomar as sanções.

“A economia da Rússia é muito fraca para ajudar o Irã a suportar as sanções, embora tenha demonstrado sua disposição em ajudar militarmente quando seus interesses se alinham com os do Irã, como na Síria”, disse Sheline, do Quincy Institute.

“A Iniciativa da Rota do Cinturão da China pode eventualmente levar o Irã à órbita da economia global mais ampla, integrando o Irã à esfera econômica da Ásia Central que a China está trabalhando para construir”, acrescentou.

Para Burke, da Focus Economics, a China e a Rússia são signatárias do acordo nucelar original e podem retirar-se dele, aplicando sanções, o que pressionaria ainda mais o Irã. “Há evidências mínimas para sugerir que a China ou a Rússia salvaguardariam o Irã de sanções econômicas”.

Segundo ele, porém, dados do transporte de navios-tanque mostraram que o Irã ainda consegue encontrar alguns compradores internacionais para seus produtos de energia à luz de sanções, principalmente da China e da Síria.

Com relação à Europa, houve tentativas de salvar o acordo nuclear, com a implementação de um sistema de pagamentos para contornar as sanções secundárias dos Estados Unidos e a transferência de alimentos e medicamentos aos iranianos. O Irã, porém, violou o acordo nuclear, levando os europeus a acionaram o mecanismo de disputa do pacto, o que pode resultar na reimposição de sanções e no provável colapso do acordo.

“O domínio econômico dos Estados Unidos e a falta de vontade política nos outros signatários tornaram muito difícil contornar as sanções”, disse Habibi, do Kings College. Segundo ela, as sanções secundárias impediram as grandes empresas europeias e chinesas de continuarem atuando com o Irã.

“Enquanto isso, os Estados Unidos usam o comércio internacional como uma  ferramenta de pressão para afetar as políticas dos outros signatários do acordo em relação ao comércio com o Irã”, acrescentou.

Mesmo sem apoio externo, porém, “a economia do Irã é a segunda maior do Oriente Médio, possui reservas cambiais significativas para lidar temporariamente com choques externos e é relativamente diversificada”, disse Burke, da Focus Economics.

Além disso, os dados mostram queda na taxa de desemprego de junho a setembro devido a um setor privado não petrolífero resistente, o que deve amortecer o impacto das sanções. “A produção e as exportações de aço do Irã expandiram-se fortemente nos últimos trimestres, o que provavelmente também proporcionou algum alívio à economia afetada”, concluiu.