Dólar faz 1 ano acima de R$ 5,00; política e fiscal devem manter nível

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Foto de notas de dólar
Foto: Freeimages.com/ Mokra

São Paulo – Há exato um ano, o dólar comercial fechava na inédita marca de R$ 5,00 ante o real refletindo o temor com a pandemia do novo coronavírus que se alastrava pelo mundo à época. Passados 365 dias, a moeda norte-americana ficou abaixo deste nível em apenas quatro pregões e chegou a se aproximar dos R$ 6,00. Para analistas, a política doméstica e o risco fiscal devem ajudar a sustentar o dólar acima deste nível pelo menos até o fim deste ano.

A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, destaca que com a crise desencadeada pela covid-19, as moedas de países emergentes experimentaram “alguma desvalorização”, com o real sendo uma das divisas que mais perdeu valor nos últimos 12 meses.

“Nós tínhamos uma taxa de câmbio menor do que deveria e com a pandemia, tivemos uma forte correção do real e de outras moedas emergentes. Com a nossa moeda, a desvalorização foi maior por causa do risco fiscal”, comenta, avaliando que alguns eventos na política, como a saída de ministros no início da pandemia, refletiram em um “agravamento doméstico com a insegurança jurídica” e provocou forte estresse nos ativos domésticos.

O cientista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, ressalta que o Brasil já vinha de um contexto de deterioração das contas públicas e, com a pandemia, houve uma “magnitude da percepção de risco” do endividamento fiscal. Já o chefe da mesa de câmbio da Terra Investimentos, Vanei Nagem, diz que “não se pode culpar” a covid-19, já que a economia do país “está parada” há algum tempo.

“Temos vários pacotes [econômicos] que não andam. O governo não está cumprindo certas promessas e o crescimento econômico tem sido muito baixo. Acreditamos que o nível de R$ 5,00 praticamente veio para ficar”, diz, apostando que a moeda tende a oscilar entre R$ 5,20 e R$ 5,50 até o fim do ano.

Abdelmalack ressalta que os eventos externos, além dos efeitos da pandemia nas principais economias do mundo, também contribuíram para sustentar a taxa de câmbio acima de R$ 5,00 por um ano, como a eleição nos Estados Unidos, em novembro. À época, as economias emergentes captaram um grande fluxo de investidores estrangeiros, incluindo a bolsa de valores brasileiras, a B3, o que resultou em alívio do dólar no último trimestre de 2020.

Mas o cenário doméstico limitou a continuidade de ganhos do real com novas instabilidades no cenário político. “No último mês, tivemos a questão da Petrobras e o receio com outras estatais, o que ajudaram a piorar o cenário doméstico, junto às dúvidas com a PEC Emergencial, com o auxílio emergencial e consequentemente, com o risco fiscal”, diz a economista.

Após fazer duras críticas à política da Petrobras em relação aos preços dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro indicou a troca de comando da companhia sugerindo que faria interferências em outras estatais como a Eletrobras e o Banco do Brasil. Em paralelo, a extensão do pagamento do auxílio emergencial era discutida no Congresso, pauta que foi votada e aprovada
na semana passada.

Segundo Cortez, mesmo com a aprovação da PEC Emergencial, “há chances” de a política trazer um viés de desvalorização para o dólar em razão do debate que deverá acontecer quando acabar a nova rodada do benefício. “Diante dos atrasos do programa de imunização [contra a covid-19], deverá haver uma pressão política muito significativa para a extensão do auxílio”, avalia, reforçando que as principais fontes de pressão do câmbio são a questão fiscal e a eleitoral.

LULA NO RADAR

Instituições financeiras e o Boletim Focus do Banco Central (BC) já apostam em dólar acima de R$ 5,00 para o fim de 2022, com as eleições no radar e o mercado monitorando o “risco Lula”, após a decisão que pegou investidores “de surpresa”. Na semana passada, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, anulou as condenações envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava Jato. Com isso, o petista torna-se elegível para cargos públicos.

Para Abdelmalack, da Veedha, “não é positivo” pensar agora na eleição de 2022, já que o cenário doméstico é permeado de incertezas. “Se a gente ficar pensando na eleição, o patamar da moeda deve ficar acima dos R$ 5,40. Se nada mais acontecer [na política] e a agenda de reformas andar, podemos ver um alívio. Com a redução da percepção de risco, a gente experimenta um fluxo de entrada de investidor estrangeiro melhor e reflete na taxa de câmbio”, analisa.

Nagem, da Terra Investimentos, endossa que é “muito cedo” para falar em “risco Lula”, mesmo com o ex-presidente sinalizando que poderá ser candidato em 2022. “O fator Lula ainda não vai mexer com o mercado. Na véspera da eleição, se ele for candidato, acredito que esse fator prevaleça e que pode começar a pesar no câmbio”, comenta.

“Diante da forte incerteza em relação a transição de 2022, sobretudo com os movimentos do ex-presidente Lula, a tendência é de uma pressão sobre o câmbio diante da ausência de uma alternativa política ao petismo e ao bolsonarismo. O que poderia gerar algum sinal de tranquilidade ao mercado”, avalia Cortez, da Tendências, acrescentando que a percepção é de que a política vai trazer pressões em direção a depreciação dos ativos locais.

Edição: Eduardo Puccioni