Desconstrução da imagem do Brasil no exterior afeta ambiente de negócios e pode afastar investimentos

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Brasília, 19 de julho de 2022 – O presidente Jair Bolsonaro costuma reclamar que brasileiros enxovalham a imagem do Brasil no exterior ao abordar questões ambientais e de direitos humanos. Porém, segundo especialistas, ações ou omissões de seu próprio governo impactam decisivamente na construção da imagem do país lá fora e, consequentemente, acabam afetando o ambiente de negócios brasileiro e os investimentos estrangeiros no Brasil.

 

Recentemente, com o duplo assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Philips, no Vale do Javari, no Amazonas, o Brasil voltou ao centro das atenções de organismos e instituições internacionais. A ex-presidente chilena Michelle Bachelet, alta comissária do Conselho dos Direitos Humanos da ONU, incluiu o Brasil num grupo de 30 países que têm “algumas situações críticas que exigem ação urgente”. Bachelet pediu às autoridades brasileiras que “assegurem o respeito pelos direitos fundamentais e instituições independentes”.

 

O Parlamento Europeu divulgou uma moção que condena o governo brasileiro pelas mortes do jornalista inglês e do indigenista brasileiro, incluindo o presidente, e cobrou “uma exaustiva investigação imparcial e independente”.  Para o Parlamento Europeu, “a retórica agressiva contínua, ataques verbais e declarações intimidadoras” de Bolsonaro, bem como a violência defensores ambientais e indígenas, são “uma grave violação dos seus direitos humanos e dignidade”.

 

“O Brasil passa a imagem de que, além de não proteger seu meio ambiente, não protege as pessoas que cuidam do meio ambiente”, afirmou Nicholas Borges, analista político da BMJ Consultoria. Segundo Borges, o Ministério das Relações Exteriores tem se mobilizado para cuidar de temas sensíveis da política externa, especialmente o aumento do desmatamento na Amazônia e da violência contra ambientalistas no país.

Borges, da BMJ: “O Brasil passa a imagem de que, além de não proteger seu meio ambiente, não protege as pessoas que cuidam do meio ambiente”

Ex-ministro de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio Exterior, o embaixador Sérgio Amaral, que serviu em postos estratégicos, como a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, disse que, cada vez mais, as questões ambientais e de clima ganham força na opinião pública nacional e internacional, orientando inclusive os negócios.

 

“Eu diria que as questões ambientais e de clima são a utopia do século XXI, assim como as questões sociais foram a utopia do século 20”, afirmou o embaixador. Segundo Amaral, o comércio exterior se orienta não só pelas normas formais da Organização Mundial do Comércio (OMC) e dos acordos entre os países, mas por regras privadas baseadas em convicções dos consumidores.

 

Por exemplo, conforme Amaral, há setores que não compram café produzido com uso de mão de obra infantil nem móveis feitos com madeira de desmatamento. “Quase tudo que possamos querer das relações com outros países depende de uma boa imagem”, afirmou. “Se nós queremos trazer investimentos para o Brasil, esse investimento deverá refletir a opinião de entidades, empresas e mesmo de órgãos financeiros, que vão querer saber se estamos cumprindo com determinados objetivos que não têm necessariamente a ver com o ato de consumir”, completou. Confira a entrevista completa com o embaixador Sérgio Amaral:

As questões ambientais e de direitos humanos podem inclusive prejudicar o andamento de acordos bilaterais e multilaterais dos quais o Brasil é parte envolvida. Por exemplo, o acordo entre a União Europeia e o Mercosul, assinado em junho de 2019 e em processo de revisão. Países europeus, liderados pela França, se opõem a termos do acordo por causa da questão ambiental. O governo tem recebido comunicados de entidades privadas europeias que ameaçam boicotar produtos brasileiros devido ao aumento do desmatamento ou do uso de agrotóxicos nas lavouras.

 

Menina dos olhos do governo Bolsonaro, a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) pode sofrer as consequências do tratamento dado à questão ambiental. O Brasil prepara um memorial com os compromissos em relação às normas da OCDE, que depois será avaliado pela organização.

 

“Essas questões podem provocar a estagnação de acordos em discussão. O assassinato do jornalista britânico não deve afetar as relações com o Reino Unido, mas certamente impacta na adesão à OCDE. A pauta ambiental é um dos critérios da adesão à OCDE”, disse Nicholas Borges.

 

Segundo Sérgio Amaral, as questões ambientais permeiam normas da OMC, da OCDE e as relações com países parceiros do Brasil, como os Estados Unidos. Amaral lembrou que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi eleito com apoio de militantes das causas ambientais que têm forte influência no governo.

 

O embaixador lembrou que a partir de 1992, quando o Rio de Janeiro recebeu a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o Brasil passou a ser um país aliado das questões ambientais, mas essa postura vem perdendo força nos últimos anos. A imagem do país, conforme Amaral, atualmente não é boa nos principais centros de decisão do mundo.

 

“Nos últimos anos, quase tudo o que temos feito está erodindo a percepção que conquistamos ao longo dos anos, seja por comentários ou por indiferença ou por críticas às questões ambientais, como a célebre frase de que é preciso deixar passar a boiada e outras atitudes hostis ao exercício do controle ambiental”, afirmou Amaral, referindo-se ao comentário de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, em uma reunião com Bolsonaro. “Isso está corroendo a nossa imagem no exterior”, completou.

 

De acordo com o embaixador, hoje o Brasil tem uma postura de desafio aos princípios de países parceiros e não é mais convidado para as principais mesas de negociações internacionais. A postura do atual governo não só nas questões ambientais, mas também na política externa, cria dificuldades para o país em áreas importantes como o comércio exterior, os investimentos externos e os financiamentos de bancos internacionais.

 

Diante da postura do governo, o setor privado nacional tem se preparado para atender os anseios externos, independentemente da política externa brasileira. Um dos caminhos, segundo Nicholas Borges, vem sendo a adesão ao receituário ESG – modernas práticas de governança ambiental, social e corporativa. Já muitos potenciais parceiros internacionais estão atentos à movimentação política no país para verificar se a partir de 2023 será mantido o atual posicionamento ou haverá uma mudança de perfil em relação às questões ambientais e de direitos humanos, bem como à política externa.

 

A Agência CMA procurou o governo federal para tratar da imagem do Brasil no exterior, mas não teve retorno. Foram contatadas a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) e as assessorias do Ministério da Economia e do Ministério das Relações Exteriores. Somente o Ministério da Economia respondeu dizendo que a pauta deveria ser atendida pela Secom.

 

Luiza Damé /Agência CMA

 

Edição: Dylan Della Pasqua / Agência CMA

 

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