Demora em cortar juros nos EUA e risco fiscal comprometem avanço do Ibovespa

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Foto: Burak K / Pexels

São Paulo- O Ibovespa tem perdido força e se vê refém do novo cenário que se configura para o investidor em razão do corte de juros nos Estados Unidos cada vez mais distante de se concretizar, o aumento do risco fiscal doméstico, a tragédia no Rio Grande do Sul e, ainda, o conflito no Oriente Médio.

Para Caio Henrique Soares Rodrigues, sócio da Atika Investimentos, o fiscal ainda está longe de ser o ideal e continua no radar do mercado, mas o grande “trigger” é a taxa de juros nos Estados Unidos.

“A gente está sendo movido por uma correlação direta da política internacional de taxa de juros. Na ata do Fed [divulgada dia 22], apesar de não mudarem [os membros] radicalmente o discurso, mas o fato de reconheceram a ausência de progresso da desinflação repercute nos preços das bolsas. E caso a inflação não venha a cair da maneira como está projetada [meta de 2%] eles vão tomar uma postura mais dura. O mercado ainda continua acreditando em uma redução de juros em setembro, mas para dezembro já não está no preço”.

Thiago Lourenço, operador de renda variável da Manchester Investimentos, também enxerga que a postergação no corte dos juros nos Estados Unidos impede que outras economias avancem nesse processo e a redução das taxas não deve vir este ano.

“A economia do mundo inteiro está fraca e a americana forte e os países ficam sem muita alternativa para cortar juros. É pior cenário possível, se os juros não caírem, o tesouro americano se torna uma boa opção para se proteger da inflação, o dólar começa a ganhar força e o mundo inteiro fica com menos moeda estrangeira. Se lá [nos EUA] não esfriar [a atividade econômica] vai ficar mais descorrelacionado do resto do mundo. O Fed está bem inciso de não dar espaço para o mercado especular corte de juros. Acho que vai ficando cada vez mais distante um corte este ano com a comunicação do Fed de até subir os juros”.

Apesar da inflação ao consumidor [CPI, na sigla em inglês] em abril ficar em linha com as expectativas [subiu 0,3% contra previsão de 0,4%], os índices de gerentes de compras (PMI, sigla em inglês) em maio subiram mostrando uma economia em expansão. O PMI do setor industrial subiu para 50,9 pontos em maio, de 50,0 pts em abril e o do setor de serviços avançou para 54,8 pontos de 51,3 no mês anterior.

Lourenço visualiza um curto prazo ruim para a Bolsa diante do exterior e do fiscal por aqui.

“Depois da ata do Fed, o Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central] também não deve cortar [a Selic] nada, do ponto de vista do fiscal só tem notícia ruim e ainda somada à questão do Rio Grande do Sul. Nos EUA, a curva de juros está subindo, a não ser que tenha um dado muito fraco por lá para o mercado voltar a confiar em um alinhamento da situação econômica com o resto do mundo. O curto prazo é bem pessimista pra bolsa. No doméstico, o Haddad [Fernando Haddad, ministro da Fazenda] fala que a meta [da inflação] de 3% é dificílima e o governo fica revisando toda hora pra baixo estimativa de superávit. Além disso, no cenário político, o mercado fica com temeroso com a possibilidade da volta dos antigos players envolvidos em corrupção [o Supremo Tribunal Federal retirou esta semana as acusações contra Marcelo Odebrecht]. Se não tiver nenhuma mudança significativa no cenário, não tem motivo nenhum pro mercado ficar otimista no curto prazo. Existe uma boa chance de uma queda mais acentuada do Ibovespa, voltando para a região dos 115 mil pontos, 120 mil pontos. O primeiro suporte mais relevante vai ser 123 mil pontos”.

O head de renda variável da Manchester Investimentos ressaltou que nos últimos tempos o que movimentou o Ibovespa foi o fluxo estrangeiro, mas o cenário mudou. Hoje a saída de capital externo já soma mais de R$ 30 bilhões no ano e o fiscal afasta um pouco os gringos da Bolsa.

“O Ibovespa tem que ficar mais atrativo em termos de preço, tem que cair para o investidor ver novamente que o Brasil tem oportunidade”.

Larissa Quaresma, analista da Empiricus Research, disse que o fiscal doméstico contribui para a piora do Ibovespa.

“O nosso doméstico se deteriorou bastante e não permite que a Bolsa decole e o Rio Grande do Sul [a tragédia com as inundações] piorou bastante a expectativa para a inflação, o que acaba virando licença para o fiscal. O congelamento da dívida do RS [cerca de R$ 100 bilhões com a União] deteriora o macro. Para equilibrar as contas públicas, precisaria de um ajuste fiscal da máquina pública”.

Já o sócio da Atika Investimentos diz que o fiscal continua sendo um fator de risco para o mercado, mas os juros nos Estados Unidos é o fator principal para a melhora da Bolsa.

“A gente vê o governo decepcionando na contenção de despesas, tem gastado mais ao invés de buscar um fiscal mais equilibrado. A gente vê uma diminuição da receita líquida nos últimos 12 meses, maior fragilidade, o que tem gerado maior desconfiança dos investidores e aumento de risco do país. Tudo isso juntamente com os gastos necessários para o Rio Grande do Sul, mas reforço que os grandes movimentos têm maior correlação com taxa de juros americana e decisões do Fed do que necessariamente direcionadas às contas públicas”.

Em relação ao conflito no Oriente Médio, segundo Rodrigues, também é monitorado pelo mercado e não deixa de ser um risco na relação com o preço do petróleo. Qualquer problema de restrição, de exportação ou na cadeia logística de transporte de petróleo, os preços da commodity sobem e isso impede uma inflação global menor. Essa região é responsável por 60% da produção de mundial petróleo.

Larissa comenta que se não fosse a crise no Oriente Médio, o petróleo não estaria nesse patamar [de US$ 80, o contrato futuro tipo Brent com vencimento em julho de 2024].