Coronavírus piorará quadro fiscal para além de 2020

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Imagem microscópica do coronavírus
Imagem microscópica do coronavírus causador da covid-19. (Foto: Hannah A Bullock e Azaibi Tamin/CDC)

São Paulo – O esforço fiscal para o combate aos efeitos negativos da pandemia do novo coronavírus vai deteriorar o quadro das contas públicas também nos próximos anos, ainda que as medidas contra a doença fiquem restritas a 2020, de acordo com especialistas consultados pela Agência CMA.

Até o momento, a principal forma de combater a disseminação do novo coronavírus tem sido o distanciamento social. Para garantir que este tipo de medida seja respeitada, governos locais tentam desestimular as pessoas a sair de casa, obrigando o fechamento do comércio e a paralisação de atividades não essenciais.

Este tipo de gerenciamento da crise tem efeito econômico, principalmente sobre o setor de serviços, visto que a receita das empresas deve diminuir enquanto ficar em vigor a circulação reduzida de pessoas e a consequente queda no consumo.

O governo federal está respondendo a isso antecipando pagamentos – como o do 13o salário de aposentados -, oferecendo um auxílio emergencial de R$ 600 aos mais vulneráveis – pessoas com trabalho informal e microempresários, por exemplo – e subsidiando determinadas despesas – como a tarifa de energia elétrica das famílias mais pobres.

Parte destas iniciativas aumentará a despesa pública. Como o total a ser gasto ainda é incerto, assim como o impacto econômico da atual pandemia, o Congresso autorizou o governo a descumprir a meta de resultado primário deste ano – que era um déficit R$ 124,1 bilhões -, na prática liberando o governo para gastar o que for necessário no combate ao novo coronavírus.

O resultado primário equivale à despesa do governo excluindo o pagamento de juros da dívida. Se fica positivo, aponta para redução futura do endividamento, porque sobraria dinheiro para abater os empréstimos. Se fica negativo, aponta o contrário.

O mercado financeiro tem sido rápido em corrigir as projeções para a deterioração no crescimento do Brasil por causa da pandemia, mas age muito mais lentamente em relação às previsões da piora fiscal. No relatório Focus divulgado dia 6 de abril, a previsão dos agentes de mercado era de que o Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 encolheria 1,18%.

Quatro semanas antes, a projeção era um crescimento de 1,99%. A estimativa para o déficit primário, porém, estava em 1,65% do PIB – algo em torno de R$ 118 bilhões -, de 1,10% quatro semanas antes. Além disso, os dados mostravam aposta em um pequeno superávit primário a partir de 2023. O Brasil registra resultado primário negativo desde 2014.

No Focus desta semana, o mercado tirou o atraso e fez um ajuste brusco na estimativa, passando a prever um déficit primário equivalente a 4,14% do PIB, mas ainda assim espera que o resultado primário se equilibre até 2023.

NOVO CORONAVÍRUS E O DÉFICIT PRIMÁRIO

Recentemente, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, disse que o déficit primário brasileiro em 2020 ficará entre R$ 450 bilhões e R$ 500 bilhões, levando em consideração as medidas adotadas até o momento. Para o ano que vem, ele e outras autoridades têm evitado fazer estimativas. O próprio Mansueto disse que qualquer previsão, no momento atual, “é mero chute”.

Parte dos analistas, porém, não hesita em fazer os “chutes”, e projeta uma recuperação fiscal mais árdua do que a esperada pelo consenso do mercado. A Instituição Fiscal Independente do Senado, por exemplo, estima em seu cenário-base que o governo deve continuar apresentando déficit primário pelo menos até 2030, visto que a recuperação da economia não deve dar conta de melhorar este indicador.

Para este ano, a IFI prevê um rombo de pouco mais de R$ 510 bilhões no resultado primário, equivalente a 7% do PIB, e para o ano que vem um déficit de 2,8% do PIB – ou quase R$ 220 bilhões.

“No Brasil, a perspectiva fiscal de curto prazo já era desafiadora, e o quadro de médio prazo provavelmente ficará mais ainda mais difícil”, disse o banco Goldman Sachs em um relatório. “Apesar da inclinação fiscalmente ortodoxa e reformista da atual equipe econômica, não houve progresso suficiente até agora para afastar receios quanto à sustentabilidade fiscal no médio prazo”, acrescentou o banco.

Para o Goldman Sachs, a recessão econômica que será provocada pela crise do coronavírus vai diminuir a base tributária e aumentar as despesas públicas por causa de estabilizadores automáticos – aumento nos pagamentos de seguro-desemprego, por exemplo. “Dada a natureza e severidade da contração da atividade, o pagamento de impostos deve se deteriorar mais do que em recessões econômicas anteriores.”

O Goldman acredita que o déficit primário do Brasil neste ano ficará entre 7.0% e 9.0% do PIB em 2020 – algo entre R$ 500 bilhões e R$ 650 bilhões -, o que deve colocar a dívida pública em 90% do PIB, de 76,5% no final de 2019.

“Neste pano de fundo, na nossa avaliação é crítico que a maior parte das medidas fiscais recentes sejam de natureza temporária e que as autoridades abracem simultaneamente reformas que apontem para o equilíbrio fiscal no médio e no longo prazo”, disse o banco.

“É essencial evitar os erros das políticas de 2008 e 2009, em que a resposta anticíclica fiscal e quase-fiscal à crise financeira global se tornou altamente pró-cíclica em 2010 a 2013 e gerou grandes desequilíbrios que levaram a uma grande crise econômica e social alguns anos depois.”

RATINGS SOB O NOVO CORONAVÍRUS

A agência de classificação de risco S&P, que recentemente rebaixou a perspectiva do Brasil de positiva para estável, estima déficits primários de R$ 530 bilhões em 2020, R$ 336 bilhões em 2021, R$ 196 bilhões em 2022 e R$ 154 bilhões em 2023.

Segundo Livia Honsel, analista de qualificação soberana da S&P, o quadro fiscal só deve melhorar se forem aprovadas reformas para controlar as despesas públicas, e a agência considera que nenhuma reforma relevante nesta área será adotada neste ano ou nos próximos, mesmo diante do compromisso público do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em avançar com a agenda de reformas uma vez encerrada a crise do coronavírus.

“Pensamos que seriam necessárias mais reformas para controlar despesas. A reforma tributária parece importante porque tem apoio do setor privado e pode permitir a aceleração do crescimento acima do que estamos esperando agora”, disse ela, acrescentando que será necessário calibrar os gastos atuais com a retomada das reformas para que a situação fiscal continue sustentável.

“Se o país está gastando mais para reduzir o impacto econômico, pode ser positivo, mas tem um custo fiscal. Pensamos que mais adiante o país vai retomar essa trajetória de consolidação fiscal. É mais o que vai acontecer depois o que importa agora”, acrescentou.

Outra agência de classificação de risco, a Moody’s, também revisou recentemente projeções para o Brasil, e embora tenha mantido tanto o rating quanto a perspectiva de crédito intactas, rebaixou sua avaliação sobre a trajetória fiscal do País – agora prevê um déficit primário de 4,2% do PIB para este ano – cerca de R$ 300 bilhões – e de 1,6% para o ano que vem. Além disso, acredita que a dívida aumentará para 88,1% do PIB no ano que vem. Em janeiro, a agência esperava estabilização deste índice num nível superior a 80%.

Segundo Samar Maziad, analista sênior da Moody’s para o rating do Brasil, a agência também prevê que o foco do Congresso e do Executivo neste ano ficará direcionado para medidas de combate à pandemia do novo coronavírus. “Isto levará a atrasos na discussão e na aprovação de reformas estruturais que estavam anteriormente na agenda.”

“Para manter a credibilidade da agenda de reformas, seria importante limitar as despesas de emergência e a deterioração nas métricas fiscais a este ano, e retomar a trajetória de reduação do déficit fiscal e de estabilização dos encargos da dívida a partir do ano que vem”, acrescentou.