Comunicado duro do Copom calibra apostas sobre alta na Selic

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Foto: Shutterstock

São Paulo, 10 de dezembro de 2020 – O tom duro (“hawkish”) no comunicado que acompanhou a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a taxa básica de juros em 2% pela terceira vez seguida, ontem, calibra as expectativas do mercado financeiro sobre quando será a primeira alta da Selic. Além de ter fechado a porta para novos cortes, retirando o trecho sobre estímulo adicional, o Copom sinalizou que a orientação futura (forward guidance) pode cair em breve.

“O comunicado tem tom mais hawkish e o Copom ganha em opcionalidade para retirar o forward guidance em sua próxima reunião”, afirma o estrategista-chefe do modalmais, Felipe Sichel. Para ele, há um evidente alerta para a iminente possibilidade de retirada deste instrumento no comunicado, tornando a mensagem mais conservadora, uma vez que foi acompanhada de expectativas de inflação rondando a meta até 2022.

Ainda assim, o modalmais mantém a previsão de estabilidade da Selic até o fim do primeiro semestre do ano que vem, quando a Selic deve começar a subir, indo até 3,5%. Porém, o estrategista-chefe ressalta que há um viés de alta nessa estimativa. “É preciso aguardar a divulgação da ata para mais informações sobre a reunião”, pondera Sichel. “O comunicado bem mais duro sugere aumento de juros provavelmente mais cedo que o esperado”, emenda.

Como explica o economista da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, ao optar pela retirada da ferramenta de forward guidance (FG) no comunicado, a “barreira” do Copom para uma alta na Selic, contida na linguagem, acaba se esvaindo. “Mas o Banco Central ressaltou que não há relação mecânica entre a queda do FG e a elevação dos juros [básicos]”, pondera, acrescentando que a atividade ainda prescreve estímulo extraordinariamente elevado.

Para o operador da Renascença Corretora, Luís Felipe Laudísio, essa ressalva do Copom evita que os investidores “pulem de cabeça” na expectativa de aperto monetário já em março de 2021. “Ao inserir o termo ’em breve’, o BC sugere a possibilidade de retirar essa prescrição futura em qualquer uma das primeiras reuniões do ano que vem, abrindo espaço para elevação da Selic ao longo de 2021, provavelmente no segundo semestre”, afirma.

ENTRE IPCA E FISCAL

Uma das razões para a retirada do forward guidance é porque as expectativas de inflação estão próximas à meta no horizonte relevante, sendo que o ano de 2022 está ganhando importância. No comunicado, o Copom manteve a visão de que o choque de preços nos alimentos é temporário, mas apresentou projeções mais altas para o índice oficial de preços ao consumidor (IPCA), principalmente no cenário em que a Selic fica estacionada em 2%.

“Em 2021, a expectativa passou de 3,2% para 3,5%, sendo que a meta é 3,75%; e em 2022, que o BC afirma estar se tornando mais relevante no horizonte para a política monetária, passou de 3,8% para 4,0%, sendo que a meta é 3,5%”, observa um diretor da tesouraria de um banco estrangeiro. “Então, embora o Copom afirme que a possível queda do FG não significa uma alta da Selic logo depois, fica claro que a previsão para o primeiro aumento foi antecipado”, emenda.

Para o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo, o tom mais hawkish no comunicado veio como forma de manter as expectativas de inflação próximas à meta. Com isso, ele avalia que o Copom vai observar atentamente alguns fatores no decorrer de 2021 para decidir sobre o rumo da Selic. “Se as regras atuais do teto dos gastos foram mantidas, o processo de normalização deve iniciar apenas na medida em que a atividade econômica apresentar recuperação mais sólida”, prevê.

Nesse sentido, o economista-chefe da Guide Investimentos, Victor Beyruti, avalia que os choque transitórios nos preços devem persistir até o fim do primeiro semestre, enquanto o cenário de retomada da atividade ainda tende a ser nebuloso, uma vez que a economia seguirá carente de estímulos fiscais e com elevada ociosidade. “Mas, como sempre, o risco fiscal, na medida em que eleva a pressão altista sobre o balanço de risco, será o principal determinante da direção da taxa básica de juros”, conclui.

Edição: Eduardo Puccioni (e.puccioni@cma.com.br)