Brasil está entre grandes perdedores do imposto corporativo global mínimo

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São Paulo – O Brasil está entre os maiores perdedores da nova estrutura para a reforma tributária internacional e que prevê um imposto corporativo global mínimo de 15%, enquanto a China libera o bloco dos principais beneficiados e os Estados Unidos – que encabeçaram a iniciativa – fazem parte do grupo de vencedores relativos, segundo especialistas ouvidos pela Agência CMA.

No início de julho, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciou que 130 países e jurisdições, representando mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) global, aderiram à declaração que, entre outras etapas, estabeleceria um imposto corporativo mínimo de 15%, reduzindo as oportunidades de evasão fiscal internacional.

“Entre os grandes países com erosão de base e transferência de lucros (Beps, na sigla em inglês) para os quais havia dados disponíveis, descobrimos que Polônia, Espanha, China e Holanda são os vencedores claros; os Estados Unidos, o Reino Unido, a Rússia e a Itália são vencedores relativos; França, Japão e Canadá não estão ganhando nem perdendo; e Brasil, Irlanda e Hungria são claramente os perdedores do negócio”, disse o chefe de pesquisa econômica da Allianz, Alexis Garatti.

De acordo com ele, os países com alíquotas de imposto corporativo abaixo de 15% se tornarão menos atraentes e é provável que grandes multinacionais repatriem capital para suas economias domésticas, o que deve ajudar a impulsionar o investimento, a produção e o emprego e a reduzir as importações até certo ponto. Em contraste, os países com impostos baixos verão o efeito oposto, dado que muitas dessas são economias relativamente pequenas, os afetará de maneira desproporcionalmente mais forte.

Para o economista chefe e estrategista global da ADM Investor Services, Marc Ostwald, a maior vulnerabilidade do Brasil está ligada ao investimento estrangeiro direto, sobretudo no setor de recursos, uma vez que muitos acordos de grandes projetos de investimento incluem pactos tributários modificados, que contêm incentivos fiscais que são travados por cláusulas de estabilização que os isentam totalmente ou por um determinado período de quaisquer alterações às leis fiscais.

“Para cumprir o imposto corporativo mínimo global, as leis brasileiras terão que ser alteradas e os contratos renegociados, caso contrário, esses incentivos podem resultar em receita não tributada ou uma potencial transferência de imposto para os países de origem de investidores estrangeiros”, afirma Ostwald.

Além do Brasil, Irlanda, Estônia e Hungria engrossam a lista de perdedores com a implementação do imposto corporativo global mínimo de 15% e já deram sinais de resistência à assinatura do acordo, que exigirá algumas concessões que podem enfraquecer a eficácia do regime de tributação internacional.

“A Irlanda deverá elevará a taxa de imposto sobre as sociedades de 12,5%, enquanto países como o México precisarão reduzir as brechas fiscais. Já a Hungria e Reino Unido apresentaram proposta de exclusão de atividades financeiras do acordo”, afirmou Garatti, da Allianz.

Definir uma taxa para o imposto corporativo mínimo global é uma prioridade para o governo de Joe Biden, que planeja aumentar os tributos sobre as empresas para financiar uma ampla gama de programas de infraestrutura e rede de segurança social nos Estados Unidos.

“Nos Estados Unidos, tudo gira em torno do ciclo eleitoral. Em outras palavras, a medida precisará ser aprovada bem antes das eleições legislativas de meio de mandato do próximo ano, o que pode fazer com que os democratas percam o controle do Senado ou da Câmara”, disse Ostwald, da ADM.

Os especialistas afirmam ainda que muitos países devem sublinhar que não aprovarão a legislação necessária até que fique claro que a União Europeia (UE) e os Estados Unidos o farão.

“Muitos países estão descontentes com o fato de as empresas não estarem pagando o imposto apropriado para a jurisdição quando obtêm o lucro. Portanto, é de se esperar que qualquer país que viu sua base tributária erodida seja a favor dessa mudança, pois ela deveria gerar mais receitas”, disse o economista chefe internacional do ING, James Knightley.

“Os países com baixas alíquotas de imposto sobre as empresas obviamente ficarão nervosos com a queda de sua receita tributária e com a possibilidade de os empregos deixarem sua economia se o acordo tributário for adiante”, acrescentou.

No caso da China, os especialistas dizem que deve haver arranjos de coordenação de políticas. A taxa de imposto sobre o lucro corporativo do país é de 25%, por isso, algumas indústrias ou zonas econômicas experimentais que atualmente desfrutam de alíquota inferior a 15%, podem ser afetadas.

No entanto, eles não acreditam que a China possa sofrer redução do fluxo de investimento estrangeiro direito a exemplo do Brasil, já que o enorme mercado do país, a alocação otimizada dos elementos de produção e as expectativas estáveis ​​desempenham um papel mais importante na atração de capital estrangeiro.

“Nossas pesquisas em províncias como Guangdong, no sul da China, e Shandong, no leste da China, mostram que os investidores estrangeiros acreditam que se um país ou região pode otimizar os fatores de produção ao máximo supera as taxas de impostos favoráveis”, disse o ex-vice-ministro do comércio chinês e vice-diretor executivo do Centro de Trocas Econômicas Internacionais da China, Wei Jianguo, em uma entrevista para a imprensa estrangeira no mês passado.

De acordo com a OCDE, o plano para o imposto corporativo global mínimo de 15% é dividido em dois pilares. O pilar um prevê que os direitos tributários sobre mais de US$ 100 bilhões de lucro devem ser realocados para as jurisdições de mercado a cada ano.

O segundo pilar visa estabelecer um piso para a competição sobre o imposto corporativo por meio da introdução de uma alíquota mínima global de imposto que os países podem usar para proteger suas bases tributárias.

Sob o pilar dois, estima-se que o imposto corporativo mínimo de 15% gere cerca de US$ 150 bilhões em receitas fiscais globais adicionais anualmente. Segundo a OCDE, benefícios adicionais também surgirão da estabilização do sistema tributário internacional e do aumento da segurança tributária para contribuintes e administrações tributárias.

“As receitas fiscais mais elevadas como percentagem do Produto Interno Bruto podem seguir-se a um movimento de repatriação de capital para países com uma taxa de impostos das empresas superior a 15%. Os países com alíquotas de imposto corporativo abaixo de 15% sofrerão com um nível mais baixo de competitividade e registrarão saídas de capital, seguidas por receitas fiscais mais baixas normalmente obtidas com os lucros corporativos de empresas estrangeiras”, afirmou Garatti, da Allianz.

TECNOLOGIA E FARMACÊUTICO NA LINHA DE FRENTE

Muitos setores, além dos países, devem sentir impactos negativos da nova estrutura para a reforma tributária internacional e que prevê um imposto corporativo global mínimo de 15%, de acordo com especialistas. Porém dois deles, tecnologia e farmacêutico, estão na linha de frente das perdas.

No início de julho, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciou que 130 países e jurisdições, representando mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB) global, aderiram à declaração que, entre outras etapas, estabeleceria um imposto corporativo mínimo de 15%, reduzindo as oportunidades de evasão fiscal internacional.

“Em teoria, isso afetará todas as multinacionais que têm operações e fluxos de receita em muitos países, particularmente as empresas que obtêm receita de fontes intangíveis, como propriedade intelectual, royalties e patentes”, afirmou Knightley, do ING. “Não acredito que nenhum setor tenha isenção”, acrescentou.

O esforço para o imposto corporativo global mínimo se acelerou nos últimos anos como uma forma de tributar as gigantes de tecnologia dos Estados Unidos de forma mais equitativa. Muitas dessas empresas disseram que apoiam o acordo porque simplifica os impostos em todo o mundo, mesmo que aumente suas contas tributárias.

“As empresas do setor de tecnologia são obviamente as mais vulneráveis, embora, [a secretária do Tesouro dos Estados Unidos] Janet Yellen tenha apontado que uma empresa como a Amazon pode não atingir o limite de lucratividade de 10% para um novo acordo fiscal global que permitiria a mais países tributarem grandes empresas multinacionais, o que sublinha que muitos dos detalhes ainda em aberto serão importantes”, disse Ostwald, da ADM.

Os 130 países e jurisdições que endossaram o imposto corporativo global mínimo de 15% estabeleceram um cronograma ambicioso para a conclusão das negociações. Isso inclui um prazo de outubro de 2021 para finalizar o trabalho técnico remanescente na abordagem de dois pilares, bem como um plano para implementação efetiva em 2023.

Os especialistas chamam atenção para a China, que junto com esses países, também enfrenta decisões difíceis em relação à tributação das empresas de tecnologia. No entanto, para a China, tributar a economia digital pode apresentar um quadro muito diferente do que o resto do mundo.

Segundo eles, apesar de ser a segunda maior economia digital do mundo, a China está semi-isolada do mundo digital global por um firewall e, por isso, está mais inclinada a taxar seus prósperos conglomerados domésticos de tecnologia.

No caso do setor farmacêutico, as grandes empresas e seus lobistas tanto nos Estados Unidos como na Europa estão tentando usar o papel pandêmico como alavanca contra a reforma da tributação internacional.

As norte-americanas Johnson & Johnson e Pfizer assumiram um papel de liderança em algumas das discussões. A Pfizer, que desenvolveu umas das principais vacinas contra a covid-19 em parceria com a alemã BioNTech, alertou Washington que impostos podem enfraquecer as empresas dos Estados Unidos, além de torná-las vulneráveis a aquisições estrangeiras, de acordo com relatos a imprensa norte-americana com base em fontes.

“O setor farmacêutico é outro dos maiores prejudicados pelo imposto corporativo global mínimo de 15%, já que muitas empresas criaram holdings em países com baixa tributação”, afirma Ostwald, da ADM.

Outra queda de braço deve acontecer no setor bancário, com Reino Unido e França defendendo a taxação das empresas de tecnologia norte-americanas de um lado e, de outro, pedindo isenção para o setor financeiro, que os Estados Unidos querem ver tributados.

O Reino Unido acredita que os serviços financeiros devem ser separados das novas regras fiscais globais porque a regulamentação força os bancos a serem capitalizados separadamente em cada jurisdição em que operam, de modo que declarem lucros e paguem impostos nos países em que fazem negócios.

Sem a isenção, o Tesouro britânico arrisca ver os bancos da City de Londres pagando menos impostos para ele e mais para outros países.

“O Reino Unido já conseguiu uma isenção para o seu setor bancário, o que abre um precedente para os bancos em outros lugares. Deve-se acrescentar que o setor financeiro do Reino Unido é o maior contribuinte em termos de pagamentos de impostos corporativos”, afirmou Ostwald, da ADM.

De acordo com a OCDE, o plano para o imposto corporativo global mínimo de 15% é dividido em dois pilares. O pilar um prevê que os direitos tributários sobre mais de US$ 100 bilhões de lucro devem ser realocados para as jurisdições de mercado a cada ano.

O segundo pilar visa estabelecer um piso para a competição sobre o imposto corporativo por meio da introdução de uma alíquota mínima global de imposto que os países podem usar para proteger suas bases tributárias.

Sob o pilar dois, estima-se que o imposto corporativo mínimo de 15% gere cerca de US$ 150 bilhões em receitas fiscais globais adicionais anualmente. Segundo a OCDE, benefícios adicionais também surgirão da estabilização do sistema tributário internacional e do aumento da segurança tributária para contribuintes e administrações tributárias.

“Embora a eventual implementação desse acordo leve muito tempo devido às questões de ratificação, a iniciativa representa um momento único de convergência fiscal global”, disse  Garatti, da Allianz.