Bolsonaro troca ministros para manter iniciativa e apoio ao governo

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Presidente Jair Bolsonaro discursa após cerimônia de posse do Ministro de Estado da Cidadania, Joao Roma, e do Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni e sanção da Lei da Autonomia do Banco Central. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

São Paulo – A reforma ministerial ocorrida ontem foi a cartada do presidente Jair Bolsonaro para demonstrar que ainda está no comando do Planalto e para manter a sustentação do seu governo, segundo especialistas ouvidos pela Agência CMA.

Na segunda-feira, o noticiário foi dominado pela manhã por notícias de que o presidente demitiria o então ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo após pressão do Congresso para que ele fosse removido do cargo. Nas horas seguintes, porém, surgiram notícias de que também estavam desembarcando do Planalto Fernando Azevedo (Defesa) e José Levi (Advocacia-Geral da União).

No final, houve modificações em seis ministérios: Araújo foi substituído por Carlos Alberto Franco França no Itamaraty e Azevedo por Braga Netto, que até então era o ministro da Casa Civil. A Casa Civil passou a ser ocupada por Luiz Eduardo Ramos, que cedeu o comando da Secretaria de Governo para a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF).

No ministério da Justiça, assumiu o delegado da Polícia Federal Anderson Gustavo Torres, o que deslocou André Mendonça, até então o chefe da pasta, novamente para a Advocacia-Geral da União.

“O movimento do Bolsonaro foi reativo, para sair da passividade na qual ele se encontrava, se via acuado pela pressão do Congresso”, disse o diretor da consultoria política Dominium, Leandro Gabiati. “Agiu para não perder a iniciativa política, o que ele é muito bom em fazer”, acrescentou.

Há várias semanas o Planalto tem sido alvo de pressão de diferentes lugares. A maior delas gira em torno do agravamento da pandemia de covid-19 no Brasil. Bolsonaro foi criticado pelo Congresso, por empresários e entidades médicas, entre outros, pela demora na vacinação da população e por defender tratamentos sabidamente ineficazes contra a doença, em vez de apoiar o distanciamento social e o uso de máscaras pela população.

Com isso, no auge da pandemia por aqui, o presidente se viu obrigado a trocar o comando do Ministério da Saúde – saiu Eduardo Pazuello, entrou o médico Marcelo Queiroga. Mudou também o discurso do presidente, que passou a defender a vacinação depois de passar o final do passado impondo obstáculos a contratos do governo com fabricantes de imunizantes.

Bolsonaro também viu desandar sua articulação política depois que o Congresso aprovou um orçamento para 2021 que prevê aumento da verba destinada a emendas parlamentares em detrimento de despesas obrigatórias. A peça, se executada como está, pode colocá-lo na mira de um processo de impeachment e forçaria o Executivo a reduzir as despesas discricionárias em dezenas de bilhões de reais, afetando o funcionamento da máquina pública.

“Quem achava que o centrão estava na mão do Bolsonaro está vendo que é ao contrário – o Bolsonaro está na mão do centrão”, disse o professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo.

Ele acrescentou que, com a reforma ministerial inesperada, Bolsonaro tentou resolver vários problemas de uma vez – entre eles atrair para mais perto de seu governo o bloco de partidos de centro-direita do Congresso que ficou conhecido como “centrão”.

“Ele tenta responder em várias frentes. Tenta tirar um problema, que era o Ernesto, e ao mesmo tempo em outro ministério acena para o centrão, disse o professor. “A troca mais expressiva no que se poderia ser considerado uma ofensiva dele, é a do ministro da Defesa”, acrescentou.

A nomeação de Arruda – deputada próxima ao presidente da Câmara e líder do “centrão”, Arthur Lira (PP-AL) – coloca o bloco dentro do Planalto e tem dois efeitos práticos: saciar a fome deste grupo de congressistas por cargos, verbas e influência no governo e melhorar a relação amplamente deteriorada entre eles e o Planalto.

“A gente tem uma situação que até ontem caminhava para ser ruim para o governo. Situação doe Executivo com o Legislativo passou por maus lençóis no último mês com questão do Pazuello, vacinas, Ernesto, pandemia. Tudo isso deixou o Congresso em estado de alerta e tomou protagonismo para si. O governo reagiu a isso trazendo o congresso para perto”, disse Lucas de Aragão, diretor de comunicação e sócio da Arko Advice.

“Não necessariamente a reforma ministerial é sinal de enfraquecimento do presidente. É sinal de que a pressão do Congresso funciona e de que o presidente precisa do Congresso para governar. O que vai determinar a força ou não do presidente daqui para frente em relação ao Congresso é a relação entre os dois, a temperatura, a aprovação ou não de pautas do governo”, acrescentou.

No caso do Ministério da Defesa, o objetivo da troca é alinhar o discurso do presidente – permeado por ameaças de uso das Forças Armadas para lidar com crises institucionais – com a realidade. Os especialistas, porém, são unânimes na avaliação de que as Forças Armadas continuarão descoladas do presidente neste aspecto.

“A oficialidade das Forças Armadas não entra nesse jogo. Bolsonaro hoje tem uma capacidade de reação muito pequena, mesmo quanto tenta ir para ofensiva com mudança no Ministério da Defesa. A margem de manobra dele está se estreitando cada vez mais”, disse Ranulfo.

“O presidente Bolsonaro teve de intervir de alguma forma [no Ministério da Defesa] porque não tem ou não enxerga as Forças Armadas como ele quer ter. O simples fato de haver dissenso dentro do Ministério da Defesa, ou essa reação do Bolsonaro, é porque tem que as forças não estão alinhadas a qualquer movimento contra a Constituição”, afirmou Gabiati. “Esse fato nos indica que a chance concreta de ter ruptura democrática hoje não está iminente, não é factual, não seria simples”, acrescentou.

Ele aponta, entretanto, que há “sinais de alarme” em relação a movimentos autoritários de pessoas próximas ao presidente, principalmente em relação à Polícia Militar (PM) – o episódio mais recente disso foi a incitação de motim da polícia da Bahia pela presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, Bia Kicis (PSL-DF).

Ranulfo aponta que o “ato falho” da deputada foi bem expressivo e que qualquer passo de Bolsonaro na direção concreta de um levante poderia colocar um ponto final no governo, dada a falta de apoio a este tipo de iniciativa.

Gabiati ressalta que a aproximação com o “centrão” também mitiga o risco de golpes por parte do governo. “Apesar dos defeitos que a gente queira colocar, é uma força democrática” e foram os que colocaram limites no presidente Jair Bolsonaro recentemente, afirmou.