Bolsa cai e dólar sobe em dia de corte de juros surpresa nos EUA

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São Paulo – Após dois dias de alta e de um pregão de forte volatilidade, o Ibovespa fechou em queda de 1,02%, aos 105.537,14 pontos, com investidores ainda preocupados com a disseminação do novo coronavírus e com medo de um impacto maior do que o esperado do surto na economia dos Estados Unidos. Mesmo a decisão surpresa do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) de cortar a taxa de juros em 0,50 ponto percentual (pp) não foi suficiente para acalmar os mercados.

Durante o dia, o índice chegou a máxima de 108.803,58 pontos, chegando a subir mais de 2% logo após o anúncio do Fed, mas depois atingiu a mínima de 104.404,82 pontos, acompanhando a piora das Bolsas norte-americanas e demais mercados. O volume total negociado hoje foi de R$ 34,2 bilhões.

Em uma primeira leitura do mercado, a decisão de corte de juros pelo Fed foi vista como positiva, mas, por outro lado, evidenciou que o impacto do vírus pode ser mais grave do que se imaginava, além de ocorrerem ruídos em função de possível pressão política que o Fed pode estar sofrendo em ano eleitoral nos Estados Unidos.

Para o analista da Terra Investimentos, Régis Chinchila, a decisão da autoridade monetária, a primeira extraordinária desde 2008, foi “peculiar”, ocorrendo depois da conversa entre ministros do G7 (grupo composto por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) e no dia de diversas prévias dos democratas, que apontarão o candidato que pode concorrer com o presidente Donald Trump.

Trump já vinha pressionando o Fed por corte de juros e não se mostrou satisfeito ainda, afirmando que mais acomodação pode ser oferecida. Além disso, afirmou que estão sendo estudadas medidas mais restritivas para conter o coronavírus, o que reforça o temor de mais impactos na atividade. Já há notícias de que empresas com sede no país, como Twitter e Google, pediram que funcionários trabalhassem de casa em função do surto.

O diretor de operações da Mirae Asset Corretora, Pablo Spyer, destacou que a fala do presidente do Fed, Jerome Powell, de que os impactos do coronavírus vão pesar na atividade econômica por mais algum tempo já tinha preocupado investidores, colaborando para que Bolsas do país caíssem quase 3% hoje e que os juros projetados pelos títulos de dívida de dez anos caíssem abaixo de 1% pela primeira vez na história.

Para Spyer, a volatilidade também deve seguir nos mercados. “Os mercados continuam voláteis sim, a questão do coronavírus não está solucionada e os bancos centrais estão tentando se juntar para minimizar efeitos. O Fed já agiu e, agora, os mercados vão esperar os outros membros do G7”, disse ainda.

Entre as ações, as maiores quedas do Ibovespa foram do IRB Brasil (IRBR3 -7,74%), do BTG Pactual (BPAC11 -6,00%) e da BRF (BRFS3 -7,26%), que refletiu um balanço e guidance mais fracos do que o esperado pelo mercado. Na contramão, as maiores altas do índice foram da B2W (BTOW3 4,98%), da Hypera (HYPE3 2,62%) e da Qualicorp (QUAL3 4,64%).

Na agenda de indicadores de amanhã, investidores ficarão atentos principalmente aos dados da leitura revisada do índice dos gerentes de compras (PMI, na sigla em inglês) sobre a atividade do setor de serviços da China, que pode mostrar efeito do coronavírus. Além disso, o dia será de PIB do Brasil, que pode alimentar especulações sobre novos cortes de juros pelo COPOM, que já cresceram hoje depois que o Fed cortou juros.

Já nos Estados Unidos, entre os números previstos está o de criação de vagas de trabalho no setor privado e índices do setor de serviços.

O dólar comercial fechou em alta de 0,51% no mercado à vista, cotado a R$ 4,5130 para venda, renovando a máxima histórica de fechamento pelo nono pregão seguido, além de engatar a décima alta seguida frente ao real. A sessão foi de forte volatilidade em reação à ação extraordinária do Fed.

Antes disso, o G-7 (grupo composto por Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) e líderes de bancos centrais se reuniram para discutir ações para conter os efeitos do coronavírus na economia global. No primeiro momento, não foi definido quais ferramentas seriam usadas a fim de minimizar os impactos. A ação do Fed foi a primeira de outros seis bancos centrais que devem anunciar estímulos monetários nos próximos dias.

“Recebemos com surpresa a decisão do Fed com a taxa agora indo de 1,00% a 1,25%. De fato, tínhamos sinais crescentes de que teríamos ações mais preponderantes por parte dos Bancos Centrais globais. Ainda assim, o corte de 0,50 pp não nos parece um movimento de proteção e sim, de antecipação, sobretudo, diante de um panorama em que os desdobramentos do Coronavírus ainda não são completamente tácitos”, avalia o analista da Ativa Investimentos, Ilan Arbetman.

Para o gestor de investimentos, Paulo Petrassi, o corte foi “meio abrupto” e para o Fed não esperar a próxima reunião de decisão política, que será realizada nos dias 17 e 18, mostrou que a situação “é grave”. Arbetman acrescenta que o Fed acendeu a “luz vermelha, passando muito abruptamente pela amarela” e, novamente, tal “gap na comunicação” pode acabar sendo mais prejudicial que positivo ao mercado.

A leitura de que o cenário pode pior do que se espera levou os ativos globais a terem fortes perdas na reta final dos negócios que resultou em quedas de mais de 3% das bolsas norte-americanas, enquanto os juros projetados pelos títulos de dívida de dez anos do governo norte-americano (treasuries) caíram abaixo de 1% pela primeira vez na história. Já o dólar renovou máximas históricas intraday a R$ 4,52.

Outra discussão em cima da decisão do Fed é sobre os caminhos que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central brasileiro seguirá. Com decisão de política monetária no mesmo dia em que o Fed, as apostas de que haverá ajuste monetário se divergem.

Para a economista-chefe de uma corretora local, a porta fica aberta para mais um corte. Enquanto o economista da Guide Investimentos, Alejandro Ortiz, há possibilidade de o Copom seguir o Fed e cortar em 0,25 pp e até mesmo em 0,50 pp. Já o sócio-analista da Eleven, Raphael Figueredo, avalia que taxa Selic “deveria ficar onde está”, no qual está “mais do que comprovado” que a redução não promove crescimento econômico no Brasil.

“Não chega para quem realmente precisa trabalhar com juros baixos. Ao menos, a taxa básica ficando onde está, reduziria a pressão sobre o real agora com o juro dos Estados Unidos menor”, comenta.

Amanhã, em dia de números do quatro trimestre de 2019 e do acumulado do ano do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e de dados do mercado de trabalho norte-americano, analistas reforçam que as atenções do mercado deverão seguir nos desdobramentos do coronavírus e nas ações dos principais Bancos Centrais ao redor do globo. “”O dólar segue uma incógnita e mantém a tendência de alta”, diz o diretor de câmbio da Ourominas, Mauriciano Cavalcante.