Bloqueio de órgão de apelação da OMC por EUA prejudica Brasil

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Foto: Divulgação/Henrique Mendizabal

Por Caroline Aragaki

São Paulo – A manobra dos Estados Unidos para incapacitar o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC) barrando a indicação de novos integrantes é um sinal negativo para o Brasil, que historicamente foi beneficiado pelas decisões tomadas pelo órgão.

“Via de regra, qualquer ação que procure bloquear o órgão de apelação prejudica sobretudo os países relativamente mais fracos no sistema internacional, e o Brasil está entre eles”, afirmou o professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Vinicius Rodrigues Vieira.

O Brasil é um grande usuário do órgão de apelação da OMC desde que a organização foi criada em 1995. “É onde resolvemos nossos problemas agrícolas, como a questão do açúcar com a União Europeia, o algodão com os Estados Unidos, e a China com o açúcar e a investigação antidumping”, exemplifica a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Carla Borges.

Ela diz que agora o País perde uma ferramenta importante de negociação, que era capaz de equilibrar discussões entre pequenas, médias e grandes economias.

O órgão de apelação da OMC deve possuir sete integrantes, ao todo. Quando um país membro entra com um pedido para contestar decisões tomadas pelos painéis da organização, três destes integrantes são destacados para o processo de revisão e produzem um parecer.

Porém, o boicote dos Estados Unidos fez com que, desde setembro, o órgão funcionasse com apenas três membros – o número mínimo para a análise de recursos. Ontem, dois deles concluíram seu mandato e não foram substituídos, inviabilizando a análise de novos casos.

O boicote dos Estados Unidos ao órgão de apelações baseia-se na insatisfação da Casa Branca com aspectos operacionais – como decisões tomadas por integrantes após o fim de seu mandato e a reeleição quase automática para um segundo mandato – e por decisões que, na visão dos norte-americanos, vão além do que deveriam e diminuem a autonomia da política comercial de cada país.

É um contexto muito diferente de quando o órgão surgiu, em 1995, e quando os Estados Unidos eram um dos principais apoiadores da criação. A partir da entrada da China na OMC, em 2001, “os Estados Unidos passam a ter mais déficits comerciais e perdem força em várias áreas econômicas, sendo uma desvantagem para o debate interno americano”, pontua o professor da FAAP.

Vieira relembra que a atitude de colocar a OMC em escanteio aconteceu já no governo do ex-presidente Barack Obama, que realizou grandes acordos fora do âmbito da organização. É o caso do Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, na sigla em ingês) com a União Europeia. A Parceria Transatlântico-Pacifico (TPP, na sigla em inglês), da qual os Estados Unidos fizeram parte até 2017, é outro exemplo.

“Agora o [presidente dos Estados Unidos, Donald] Trump deu um passo adiante, a ponto de fazer esse bloqueio da OMC e impedindo o funcionamento do órgão de apelações”, afirma Vieira. Ele diz que isso ocorre porque “o governo Trump interpreta todas as instituições multilaterais – não só a OMC, mas a Organização das Nações Unidas (ONU) também – COMO entraves aos interesses norte-americanos.”

Isso é perceptível inclusive no acordo comercial dos Estados Unidos com a China, que está sendo feito de maneira bilateral, aponta o professor. “O bloqueio da OMC em si não afeta o acordo comercial, pelo contrário. Os Estados Unidos querem resolver com os parceiros diretamente para tirar força da OMC. Se ainda acreditassem na OMC, tentariam negociar dentro da organização.”

Borges, da ESPM, analisa a situação sob outro ângulo. Para ela, o enfraquecimento da OMC terá muitos impactos no acordo entre os dois países, pois “a atitude dos Estados Unidos de impedir o órgão de apelações é simbólica, sendo um instrumento de pressão para repensar todo o movimento multilateral”.

Ela cita que uma dessas reflexões diz respeito à China não cumprir o acordo sobre propriedade intelectual, desrespeitando produtos de patente, e ao fato de o país não operar nas práticas de economia de mercado, visto que os produtos chineses têm muita influência do governo.