Associações divergem sobre MP da Eletrobras; analistas elogiam e ações disparam

Possível aumento de custos é alvo de críticas caso privatização ocorra, mas especialistas destacam necessidade de investimentos na Eletrobras

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Foto Divulgação/ Eletrobras

São Paulo – A medida provisória (MP) que abre caminho para a privatização da Eletrobras, aprovada ontem (17) no Senado apesar de pontos polêmicos, divide opiniões entre as associações ligadas ao setor, com divergências principalmente quanto aos custos que podem ser trazidos aos consumidores. Já analistas de mercado destacam a necessidade que a empresa tinha de obter capital para investimentos e veem com bons olhos o movimento, que ainda traz maior potencial de valorização para as ações a companhia.

Com uma votação apertada, 42 a 37 votos, o texto passou por diversas mudanças para agradar os senadores governistas e também os da oposição. A MP, agora, deve retornar à Câmara dos Deputados, onde tem que ser aprovada até terça-feira (22) para não perder a validade.

O senador Marcos Rogério, relator da MP, removeu um dos considerados “jabutis” da matéria, incluso na emenda que permitia o aumento de prazo para a produção de carvão mineral em termelétricas até 2025 e a instalação preferencial de termelétricas de gás.

Outro item polêmico é o que determina que os custos do risco hidrológico – a diferença entre montante que as usinas hidrelétricas efetivamente conseguiram entregar no sistema e a sua capacidade máxima de comercialização – passarão a ser assumidos pela Eletrobras.

Para a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o texto final sinaliza mais preocupações para o setor elétrico e mercado consumidor.

A associação diz que defende uma medida que seja saudável para a modernização do setor elétrico e modicidade tarifária, sem conceder privilégios ou subsídios que estão na contramão da real necessidade.

“Entendemos que é necessário reduzir subsídios (que já custam 12% das contas de luz), tributos (que representam aproximadamente 40% das tarifas), e ter um custo mais eficiente com a compra de energia baseado em competição, sem privilégios ou reserva de mercado”, disse a Abradee, em nota.

O aumento de custos para os consumidores brasileiros, que pode ser trazido pela privatização, também foi alvo de críticas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), que ainda cita uma quebra da estrutura de governança setorial.

“Os custos devem aumentar porque serão contratadas usinas mais caras, desrespeitando a lógica em vigor de contratação por critérios técnicos e de competitividade. Isso é uma ameaça gravíssima ao futuro do setor e ao seu funcionamento, e os resultados dessa situação de insegurança também serão custos ainda maiores para os consumidores”, explicou o instituto por meio de nota.

Na contramão, a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) alega que todas as inclusões feitas pela Câmara dos Deputados, bem como os ajustes aprovados no Senado, abrem um novo ciclo, garantindo, principalmente, a modicidade tarifária, com benefícios diretos na conta de energia elétrica dos consumidores brasileiros.

Para a Abegás, a contratação de termelétricas a gás natural será um passo importante para desenvolver o mercado de gás natural e estimular o crescimento da infraestrutura. A medida irá contribuir para que o país produza cada vez mais gás natural, alocando o gás do Pré-Sal para os brasileiros.

“Tais medidas irão favorecer, ainda, a recuperação dos reservatórios de água das hidrelétricas e assegurar a pluralidade do uso da água, permitindo mais previsibilidade e segurança energética a todos os consumidores”, disse a Abegás.

MERCADO DESTACA INVESTIMENTOS

Os analistas consultados pela reportagem da Agência CMA, por sua vez, mostraram otimismo com a possível privatização da Eletrobras, embora reconheçam alguns problemas no texto. Eles destacaram que a medida coloca o governo de volta na trilha das privatizações, algo que foi prometido, e alavanca investimentos em um setor que passa por problemas estruturais.

“A gente tem que saber que não tem almoço grátis. Estamos no meio de uma crise hídrica, o estado do Amapá está no meio de um apagão. São necessários investimentos e tem um preço a se pagar por isso, mas me parece que agora as coisas estão encaminhadas”, disse Enrico Cozzolino, sócio-analista da Levante Investimentos.

Para Henrique Esteter, analista da Guide Investimentos, o “projeto que foi aprovado ontem não é o mais adequado, mas é o possível, e o possível já é importante.”

Ele explica que, sem a capitalização da Eletrobras, o Brasil poderia ter problemas no mercado de energia no futuro com o excesso de demanda e o pouco investimento no setor.

“A gente tem que colocar na conta que se não houvesse a capitalização, naturalmente você teria uma demanda crescente por energia onde a oferta não é acompanhada. Lá na frente a gente teria problemas sérios de oferta de energia no país, que poderia se tornar um problema de preço, uma questão inflacionária. Se não entrasse em controle passaríamos por um grande caos lá na frente”, explicou.

A geração hídrica também pode ser impactada positivamente na avaliação dos analistas do Credit Suisse, Carolina Carneiro e Rafael Nagano, que ainda acreditam que, com a capitalização, a Eletrobras terá mais eficiência, novos contratos e melhor governança.

Porém, destacam que uma interferência política para garantir preços por meio de subsídios pode ser negativa. “Por outro lado, acreditamos que a interferência no planejamento da política energética e mais uma vez na tentativa de redução de preços via subsídios pode ser um fator negativo para a alocação de capital e futuro da matriz, impactando negativamente o setor.”

POTENCIAL DE VALORIZAÇÃO DAS AÇÕES

A avaliação mais otimista de agentes do mercado sobre a privatização também foi refletida nas ações da Eletrobras (ELET3;ELET6), que atingiram suas máximas históricas na manhã de hoje, chegando a subir mais de 9%. Apesar da alta já vista com a expectativa sobre a MP, os analistas acreditam que ainda há espaço para mais valorização.

“O mercado vê, de certa forma, como positiva. Então, de fato, afeta as ações no curto prazo e no longo. Também é uma marca para o governo voltar para aquela pauta de privatizações que estava esquecida lá trás”, disse Enrico Cozzolino.

“A sinalização é positiva. A expectativa, caso venha a se concretizar a privatização, é que o papel possa se valorizar pelo menos 50% nos próximos anos. Isso mostra que talvez não seja o texto ideal, mas dentro do possível, que é algo que possa gerar mais valor para a empresa”, finalizou Henrique Esteter.

Bruno Soares / Agência CMA

Edição: Danielle Fonseca (daniele.fonseca@cma.com.br)