Argentina é opção ao diálogo entre Maduro e Guaidó, dizem analistas

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Por Caroline Aragaki

São Paulo – O novo governo argentino comandado por Alberto Fernández surge como um possível intermediador de uma aproximação entre o governo e a oposição venezuelana em um momento no qual o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, compromete o apoio externo com o uso da violência no país, segundo analistas consultados pela Agência CMA.

Em meio à conturbada situação econômica e política na Venezuela, o governo da Argentina fez um chamado às democracias do mundo pedindo que “ajudem a facilitar o processo de diálogo para que Caracas possa recuperar rapidamente a realidade democrática que historicamente caracterizou o país”, em comunicado publicado no último dia 5.

Nesse mesmo dia, era realizada a eleição da Assembleia Nacional. O pleito foi marcado pela atuação das forças de segurança do governo de Maduro, que restringiram a entrada de deputados opositores ao local, gerando violência e tumulto.

Do lado de dentro da assembleia, apoiadores do governo escolhiam Luis Parra para presidir o órgão em uma sessão relâmpago. Do lado de fora, o principal líder da oposição, Juan Guaidó, era reeleito com 100 votos dos deputados acima dos 84 necessários – para presidir novamente a Assembleia Nacional.

Para a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Denilde Holzhacker, a Argentina se aproxima da postura do México de tentar promover um canal de diálogo entre as partes, ainda que as chances para o sucesso dessa intermediação sejam pequenas. “Apesar de as chances serem remotas, pode ser que dê certo”, disse.

“A condenação da Argentina em relação ao modo com que a eleição da Assembleia Nacional ocorreu mostra que o governo de Fernández não vai dar apoio incondicional a Maduro. Assim, pode ser um novo ator para mediar o debate entre Maduro e Guaidó”, acrescentou Holzhacker.

Tanto a Argentina como o México, além do Uruguai, não assinaram o comunicado do Grupo de Lima – ao qual o Brasil faz parte – que reconhece a reeleição de Guaidó.

A pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp, Carolina Silva Pedroso, destaca o erro de estratégia de Maduro ao usar as forças de segurança na eleição do presidente da Assembleia Nacional do país.

“Mesmo países que poderiam dar alguma credibilidade a seu governo na região perceberam que foi um ato muito grave, simbolizando que Maduro errou em sua estratégia”, afirmou Pedroso.

MEDIAÇÃO ISENTA

O surgimento da Argentina como possível mediadora entre o governo e a oposição venezuelana não é consenso entre os especialistas, que defendem uma participação mais isenta.

“O ideal seria ter uma mediação internacional isenta. Infelizmente, tanto o governo quanto a oposição na Venezuela são radicais e não desejam um diálogo, e sim um enfrentamento”, afirmou Pedroso, da Unesp.

O professor de Relações Internacionais do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Leandro Consentino, destaca a polarização que envolve o caso.

“Todos os países têm seus interesses próprios e vivemos em termos polarizados”, disse.
De acordo com Consentino, “assim como o Brasil está claramente tomando o lado de Guaidó e não se credencia de maneira neutra, a Argentina será acusada por Guaidó de fazer o mesmo”, o que provocaria falhas no diálogo.

“Talvez uma entidade internacional como a Organização dos Estados Americanos (OEA) ou a Organização das Nações Unidas (ONU) seja mais adequada”, acrescenta o professor do Insper.

Um dia após as eleições na Assembleia Nacional, a OEA manifestou publicamente seu apoio à Guaidó. A organização exigiu “que o regime usurpador ditatorial de Nicolás Maduro se abstenha de práticas de violência contra a institucionalidade democrática representada pelo governo de Juan Guaidó”.

Fora do Grupo de Lima, a Noruega é o principal país negociador, que “foi aceito pelo governo e pela oposição na Venezuela”, disse Holzhacker, da ESPM.

Entretanto, a tentativa de negociação feita pelo país em julho do ano passado não rendeu o esperado.

O PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Maurício Fronzaglia, a situação não vai se resolver pelo diálogo nesse momento, que depende mais do posicionamento das forças armadas venezuelanas.

“Me parece que todas as portas de diálogo já foram fechadas e nenhum dos dois lados parece suscetível de reabrir essas portas”, afirmou.

Ele explica que a mudança do cenário só ocorrerá quando parte dos setores que apoiam o governo de Maduro parem de sustentá-lo. “Basicamente boa parte da população ainda o apoia pelo legado de [Hugo] Chávez. Outra peça-chave são os militares: enquanto estiverem com o Maduro, ele continua no poder”, disse Fronzaglia, do Mackenzie.

Pedroso, da Unesp, concorda. “Eu particularmente acho que, mesmo se a oposição conseguir se consolidar novamente, o governo de Maduro só vai estremecer quando perder o apoio das forças armadas”.

VENEZUELA SOB DOIS COMANDOS

A crise econômica e política na Venezuela não parece estar perto do fim. O país está ainda mais dividido após a eleição da Assembleia Nacional que, segundo analistas, deverá ser comandada por dois presidentes: um reconhecido pelo governo e outro pela oposição e, em grande parte, por grupos internacionais.

“É o mesmo impasse da presidência da República, com a diferença de que houve uma eleição para a Assembleia e só depois Guaidó se declarou presidente”, disse Consentino, do Insper.

A eleição da Assembleia Nacional foi realizada no último dia 5. O pleito foi marcado pela atuação das forças de segurança do governo de Nicolás Maduro, que restringiram a entrada de deputados opositores ao local, gerando violência e tumulto.

Do lado de dentro da assembleia, apoiadores do governo escolhiam Luis Parra para presidir o órgão em uma sessão relâmpago e sem quórum. Do lado de fora, o principal líder da oposição, Juan Guaidó, era reeleito com 100 votos dos deputados – acima dos 84 necessários – para presidir novamente a Assembleia Nacional.

Para Pedroso, da Unesp, “novamente Guaidó é colocado como figura que tenta enfrentar o regime de Maduro, algo que ficou muito claro nas imagens durante a eleição da Assembleia Nacional”.

“Havia duas assembleias em vigor até o ano passado: a Assembleia Nacional eleita democraticamente em 2015, que deu poder a oposição, e outra de 2017, criada para elaborar uma nova constituição para o país, e que foi dominada por Maduro”, disse.

Pedroso lembra, no entanto, que a divisão de poder na Venezuela não se resume à assembleia. “Há dois poderes judiciários, um de oposição em que grande parte se encontra na Colômbia, e outro que apoia o governo Maduro.”

ECONOMIA EM COLAPSO

A política interna instável que afasta investimentos externos e diminui a produtividade da Venezuela, muito dependente do petróleo, torna as perspectivas para a economia do país mais sombrias, segundo os analistas.

“O Estado venezuelano colapsou por ser muito baseado nos preços de petróleo, que caíram pela metade em 2015. A recuperação não ocorreu, seja por decisões ruins do governo, seja pela própria dinâmica do mercado”, afirma Pedroso, da Unesp.

Ela acrescenta que, por mais que a recente crise no Irã aponte para uma alta no preço do petróleo, a recuperação da Venezuela não será rápida. “Hoje, a estatal petrolífera da Venezuela está com a capacidade produtiva muito deteriorada, e retomar essa produtividade é muito difícil”.

Fronzaglia, do Mackenzie, ressalta que “a retomada econômica na Venezuela também depende das sanções dos Estados Unidos, um grande importador de produtos venezuelanos”.

Ele lembra que a Venezuela também tem parcerias econômicas fortes, entre elas a China e a Rússia.

De acordo com Holzhacker, da ESPM, “os inchaços políticos fazem com que a economia continue em grave situação calamitosa, que só tem perspectiva de mudança caso haja um acordo entre governo e oposição”.