Após arcabouço e inflação controlada no 1o semestre, mercados aguardam consolidação das ações do governo no restante do ano

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São Paulo, 18 de julho de 2023 – O primeiro semestre foi positivo para o mercado financeiro brasileiro, surpreendendo a maioria dos investidores. O governo, juntamente com o Congresso, avançou bem na pauta econômica. Após uma percepção inicial negativa, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ganhou a confiança do mercado, principalmente pelo tom conciliador e pela articulação política.

 

Para o segundo semestre, o sentimento inicial é positivo e o foco se volta para a consolidação dos passos do novo governo. Com a inflação sob controle, a aposta é que se inicie, finalmente, o ciclo de cortes da taxa Selic. A expectativa é que o juro recue já na próxima reunião do Copom, em agosto. A dúvida? O corte será de 0,25 ou de 0,50 ponto percentual.

 

A consequência desse cenário muito mais tranquilo do que o esperado foi a queda do dólar frente ao real, a alta do Ibovespa e a trajetória de baixa dos juros.

 

O avanço do arcabouço fiscal e os indicadores de inflação sinalizando arrefecimento e abrindo espaço para a queda no ciclo de corte da taxa básica de juros (Selic) foram os principais fatores que contribuíram para a Bolsa fechar o primeiro semestre com alta de 7,61% em um ano que parecia ser nebuloso com o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

Armstrong Hashimoto, sócio e operador de renda variável da Venice Investimentos, disse que o primeiro trimestre apresentou maior volatilidade, mas no segundo esse movimento foi diminuindo.

 

“No primeiro trimestre, o mercado ficou preocupado com as ações e composição do novo governo e as sinalizações que [o governo] daria não só para o mercado como para a sociedade, o que fez com que a Bolsa patinasse e atingisse o intervalo entre 100 mil e 110 mil pontos bastante tempo; ela só foi deslanchar nesses 45 dias, no meio de maio pra cá, o bom desempenho foi muito por conta do mês de junho que encerrou com alta de 9%”.

 

Hashimoto afirmou que enquanto a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) em manter a meta da inflação em 3% ao ano, adotando o modelo contínuo agradou os investidores, a questão do mercado de crédito tirou o sossego dos agentes econômicos no primeiro semestre.

 

“O caso da Americanas e de outras empresas sinalizando dificuldades na sua saúde financeira trouxe um pouco e traz preocupação, agora vamos acompanhar os balanços no segundo trimestre [iniciam dia 19] e o mercado pode ficar um pouco mais calmo em relação ao tema de crédito, dependendo do que virmos nos resultados dos bancos”.

 

No cenário externo, a atividade econômica chinesa mais fraca, no primeiro semestre, refletiu nas ações das commodities metálicas, com destaque para a Vale (VALE3), ação de maior peso no índice. O setor de commodities deve seguir pressionado no curto prazo, sempre dependendo da retomada da economia da China. Mas, Hashimoto, ressaltou que as commodities mesmo na contramão da Bolsa, ações como as da Vale estão sendo indicadas por analistas. “O papel figura como o mais recomendado no mês de julho pela desvalorização e, a médio prazo, pode ter recuperação; o patamar de preço em que se encontra é interessante para se posicionar na compra [em torno de R$ 65]”, disse.

 

Ainda no âmbito interno, o sócio e operador de renda variável da Venice Investimentos disse que a reforma tributária votada em dois turnos na semana passada tem algumas arestas que podem ser aparadas ou adicionadas, “mas o mercado olha com bons olhos, senão da forma perfeita, como nunca vai ser, mas são temas que vão sendo avançados”. Para o segundo semestre, os pontos são semelhantes aos da primeira metade do ano como preocupação com juros e a inflação nos Estados Unidos e Europa, retomada do crescimento da China, e com a proximidade do ciclo de queda dos juros aqui os setores de consumo, varejo, construção civil e saúde podem se recuperar depois de vários semestres em desvalorização.

 

Mas, Hashimoto, espera que nesse semestre o novo governo possa começar a consolidar suas ações. “Com os avanços efetivos, [o governo] pode fazer com que a economia volte a tracionar, crescer e ver a perspectiva de um PIB maior para Brasil, essa pode ser uma tônica positiva que o País deva ter para o segundo semestre, recentemente vimos a Standard &Poor’s [agência de classificação de risco] fazer uma sinalização positiva para o Brasil”.

 

Em termos ações, o analista faz ressalvas com as estatais por conta da forte valorização recente. “Apesar das boas perspectivas para Petrobras e Banco do Brasil, os papéis subiram muito e, no patamar em que se encontram [preços], quem for comprar agora tem de ter cuidado, está comprando nas máximas”.

Conjuntura doméstica e global pode derrubar dólar para R$ 4,60 no 2º tri

 

O primeiro semestre foi positivo para o real. O dólar perdeu 9,30% ante a divisa brasileira. Internamente, o assunto que dominou as pautas foi aprovação do arcabouço fiscal, enquanto no âmbito internacional a eterna retomada chinesa e o ciclo contracionista nos Estados Unidos e Europa ditaram o ritmo dos mercados.

 

O sócio da Top Gain Leonardo Santana entende que o risco fiscal fez com que dúvidas fossem suscitadas pelo mercado, mas a situação tomou outro rumo. “(O ministro da Fazenda, Fernando) Haddad conseguiu animar o mercado com o arcabouço fiscal. Saímos de 5,30 e chegamos aos R$ 5,00, em uma queda intensa. O mercado macro também proporcionou uma queda, além do DXY (cesta de moedas desenvolvidas) que mostrava uma queda global do dólar”.

 

Santana entende que caso a inflação norte-americana se estabilize, a saída de dinheiro do Brasil pode ser freada, assim o dólar deve cair ainda mais, chegando à faixa dos R$ 4,60. “Desde que a Selic não caia bruscamente”, alerta.

 

Em linhas gerais, Santana mostra otimismo com o que está por vir, tanto aqui quanto lá fora. “Na linha doméstica, está sendo votada a reforma da tributária e o arcabouço fiscal. Então temos otimismo, junto com o reaquecimento da China. A única coisa que pode proporcionar a alta de dólar é o possível carry trade, com a saída de capital. Mas caso os Estados Unidos e a Zona do Euro parem de aumentar juros, estanca esta saída”, contextualiza.

 

Juros tendem a operar mistos ao longo de 2S23 e Selic pode chegar a 9% no 2S24

 

O ano de 2023 foi iniciado sob desconfianças do mercado financeiro. O governo eleito em disputa acirrada não era o preferido dos agentes de mercado, que esperavam alguém com postura mais liberal, pró-mercado ou mais “de direita”, como lembrou o economista e sócio da Pronto! Investimentos, Marcelo Castro.  

 

Mesmo antes da posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, os burburinhos em torno da formação dos ministérios já impactavam a curva de juros e taxas DI, que abriam, principalmente nos vértices mais longos. O ex-prefeito Fernando Haddad, anunciado como Ministro da Fazenda foi uma novidade que o mercado não gostou, mas que foi se tornando uma grata surpresa, à medida que o arcabouço fiscal foi aprovado e a tramitação da reforma tributária avança com certa celeridade no Congresso Nacional.  

 

O sócio da Pronto! lembra que desde fevereiro/março deste ano os DIs têm tido muitos dias de queda, repercutindo os avanços das reformas estruturais propostas pelo governo Lula.  “Se pegar a curva de juros de março pra cá, é uma reta para baixo”. 

 

Assim como Castro, Rafael Passos, analista da Ajax Investimentos, diz que a desaceleração da inflação suportou a queda das DI, em paralelo com queda das commodities e dos movimentos políticos no Congresso.

 

“O mundo passou por uma desaceleração da inflação. Houve uma menor demanda das famílias por bens e, ainda que que a inflação de serviços ainda esteja um pouco resiliente, essa falta de demanda em paralelo com queda das commodities causada pela supersafra – inverno menos intenso na Europa impactou, ainda, as commodities de energia – fez a inflação desacelerar globalmente”, explica. “Houve reflexo dessa desaceleração no Brasil”.

 

O outro trigger para o fechamento das DIs, as pautas econômicas que tramitaram no Congresso descartaram algumas incertezas que melindravam o mercado. “Retiramos a cauda de alguma tendência mais negativa no âmbito do endividamento público local. Nossa dívida não vai voltar a explodir, como era o receio com a troca de governo”, diz Passos.

 

Para esse início de segundo semestre, Passos espera que os vértices mais curtos operem estáveis ou até com alguma alta, em movimento de correção. “O mercado está enxergando essas posições muito otimistas. O que está na curva está muito precificado”, analisa. “Inclusive, qualquer surpresa um pouco mais negativa – seja de inflação, seja do lado político – a gente pode ter alguma alta nessas taxas mais curtas”, pondera. Já as taxas intermediárias e as mais longas, tendem a continuar fechando. 

 

A inflação vem perdendo força como mostram as projeções do Boletim Focus – há oito semanas o IPCA cai – e o mercado já aposta em um corte da Selic na próxima reunião do Copom. A dúvida é se será de 0,25 ou 0,50 pontos percentuais.

 

É praticamente um consenso que o início do ciclo de cortes do Copom está próximo e as apostas são de Selic a 12% ao fim de 2023. Marcelo Castro aposta que, ao fim do ciclo de cortes, a Selic volte a um dígito, que chegue a 9% – isso deve se materializar no segundo semestre de 2024. Passos estima início de 2025 com Selic abaixo desse dígito de 9%.

 

Camila Brunelli, Paulo Holland e Soraia Budaibes / Agência CMA

Edição: Dylan Della Pasqua

 

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